Eleições na Argentina|z_Areazero
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29 de outubro de 2019
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12:34

‘Bolsonaro vai ter que entender que precisa da Argentina’, diz sociólogo argentino

Por
Luís Gomes
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Pedro Brieger. Foto: Commons Wikimedia
Pedro Brieger. Foto: Commons Wikimedia

Direto de Buenos Aires

Passadas as eleições, qual será o futuro da Argentina, qual é o impacto do retorno da centro-esquerda ao poder e como isso afetará as relações do país com o Brasil governado pela extrema-direita? Para ajudar a responder essas questões, o Sul21 conversou nesta segunda-feira (28) com Pedro Brieger sociólogo, há décadas analista político na TV e rádio argentina, da CNN em espanhol, e diretor do site Nodal.am, especializado na cobertura política da América Latina.

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Brieger, 63 anos, avalia que o resultado de domingo foi uma vitória contundente. “Vencer com oito pontos de vantagem em primeiro turno é importante, ainda mais levando em conta que ganhou uma coalizão de oposição demonizada pelos meios de comunicação, da qual também tomou parte o poder judiciário, com ameaças de prender a ex-presidente Cristina, que compreendeu políticos e empresários importantes”, avalia.

Além disso, ele destaca que o resultado das urnas mostra que estava muito equivocado pensar que o kirchnerismo estava derrotado no país. “Em 2015, eu disse que não. A presidente Cristina tinha acabado de organizar um ato muito grande antes de abandonar o cargo e o movimento político que coordenava tinha sofrido uma derrota, mas não estava derrotado. O macrismo acreditou que poderia acabar com o peronismo e se equivocou. A crise econômica foi muito profunda e ele voltou”, diz.

O analista avalia que o fato central da vitória de Fernández é que a maioria da população argentina voltará a ser incluída nas políticas públicas do governo federal. “Isso é fundamental. O peronismo é sinônimo de inclusão na história desse país”, diz.

Impacto da eleição para a América Latina

Brieger avalia que o resultado eleitoral na Argentina faz parte de um processo que ocorre no continente e já promoveu três revoltas. A primeira delas é justamente a resposta que os argentinos deram nas urnas, começando pelas primárias de 11 de agosto que já apontavam a vitória de Fernández nas eleições deste domingo. A segunda foi a revolta dos indígenas equatorianos contra o presidente Lenín Moreno e o acordo que desejava firmar com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que exigiria uma série de medidas de ajuste fiscal como contrapartida. A terceira delas é a onda de manifestações no Chile.

“É uma revolta contra um modelo que foi apresentado como exitoso. Construíram um mito em torno do modelo chileno e agora a gente vê o resultado”, diz. “O que estamos vendo nos governos regionais é o fracasso da direita latino-americana em oferecer uma política econômica que fuja do roteiro do FMI”, complementa.

Além disso, ele considera que esses três movimentos históricos indicam que a avaliação de que a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) no Brasil poderia dar início a uma onda de extrema-direita na América do Sul não passou de uma “leitura simplista”. “Nessa leitura simplista, muitos analistas acreditaram que a América Latina deixaria de ter a tradicional disputa entre uma corrente de direita e uma corrente progressista e sentenciaram que o progressismo e o populismo estava mortos. O que ocorre na Argentina, no Peru, no Chile e no Equador mostra que a direita tem sérios problemas para governar”, diz.

Além disso, avalia que a aproximação de Bolsonaro com Macri não ajudou o candidato governista e sugere que o presidente brasileiro não esteja apto a liderar a direita regional, porque está identificado com uma direita racista e misógina, que não é compartilhada por todos os líderes de direita continentais.

“Acredito que o Bolsonaro, com as suas ideias, está se isolando na América Latina. Piñera (Chile), Vizcarra (Peru) e Macri se sentem afastados pela visão de mundo do Bolsonaro, sem falar na Europa, onde ele é muito mal visto. Um dos problemas do Bolsonaro é que ele parece um político de 70 anos atrás, da guerra fria, que vê o fantasma comunista em sindicatos, em movimentos sociais, feministas, e isso não é mais pertinente”, diz Brieger, destacando que, além da derrota de Macri, outro sinal eleitoral importante dado no domingo foi a vitória de Claudia López, eleita a primeira LGBT para comandar a capital da Colômbia.

Relação Brasil e Argentina

A primeira reação do presidente Bolsonaro ao resultado das urnas argentinas foi o de lamentar a vitória de Fernández. Apesar de a Argentina ser um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil — atrás apenas de China e EUA –, Bolsonaro se recusou a ligar para o presidente eleito para parabenizá-lo. Durante a campanha, o brasileiro tinha deixado claro que seu candidato era Macri e chegou a dizer que o Rio Grande do Sul viraria Roraima porque o retorno do kirchnerismo ao poder resultaria em uma onda de refugiados. Por outro lado, Fernández visitou Lula em Curitiba quando já estava em campanha e parabenizou o ex-presidente brasileiro pelo seu aniversário de 74 anos no domingo.

Brieger avalia que a manifestação de Fernández de, em seu discurso de vitória, fazer menção a Lula, foi um ato político muito forte. No entanto, ele não crê em  um estremecimento das relações na prática. “Bolsonaro vai ter que entender que, apesar de ter razões para ter uma relação mais fria, precisa da Argentina. Pode ter uma relação mais fria, mas não vai poder romper, creio eu”, diz.

A equipe do Sul21 viajou a Buenos Aires para a cobertura das eleições presidenciais graças a um financiamento coletivo dos nossos leitores.


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