Eleições na Argentina|z_Areazero
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28 de outubro de 2019
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20:57

‘O pesadelo acabou’ e a ‘esperança voltou’: caras e falas da festa da vitória na Argentina

Por
Luís Gomes
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Eleições na Argentina em 2019. Festa da vitória de Alberto Fernandez. Foto: Luiza Castro/Sul21
Eleições na Argentina em 2019. Festa da vitória de Alberto Fernandez. Foto: Luiza Castro/Sul21

Direto de Buenos Aires 

As pessoas começaram a chegar ainda antes das 18h de domingo (28), quando a votação na Argentina foi oficialmente encerrada, se aglomerando nas proximidades do comitê de campanha da Frente de Todos, montado em um centro cultural ainda por ser oficialmente inaugurado no bairro de Chacarita. Dois telões haviam sido montados, um imediatamente ao lado do comitê e outro na esquina. Antes mesmo da apuração começar, o local já estava tomado de gente.

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Muitas bandeiras da argentina tremulavam, bem como de movimentos sociais e sindicatos. Os telões mostravam apenas o interior do comitê, onde pouca coisa acontecia, mas multidões já escalavam os banheiros químicos, árvores e qualquer estrutura física que pudesse dar alguma visão do todo, ainda que fosse impossível ver até onde ia a festa. Diversas ruas foram ocupadas, a praça localizada diante do comitê foi completamente tomada.

O clima era como se toda a região tivesse se transformado em um grande estádio. A todo momento, uma nova cantoria irrompia, junto às dezenas de pequenas bandas que se espalhavam pela região. Quem tem familiaridade com o futebol sul-americano, facilmente reconheceria os cantos, que apenas trocavam os times de futebol por temas e pautas políticas, como o peronismo. No entanto, dois cantos, muito simples, eram os preferidos dos manifestantes. “Ô, vamos a volver, vamos a volver, vamos a volver”, era um deles, sendo o nós uma referência ao peronismo e ao kirchnerismo, movimentos que triunfaram nas eleições de domingo, garantindo o retorno ao poder depois de quatro anos de governo de Maurício Macri. Mas também era um nós mais amplo. Nós, o povo. “Ô, Macri ya se fue, Macri ya se fue, Macri ya se fue”, o outro hit da comemoração. A celebração do fim do macrismo e suas políticas de cortes e ajuste fiscal.

“Foi a maior festa que já vi”. Assim resumiu o taxista que nos trouxe de volta para o hotel depois de cinco horas acompanhando a comemoração de apoiadores de Alberto Fernández e Cristina Kirchner pela vitória nas eleições presidenciais de domingo.

Aos moldes da última eleição brasileira, foi um pleito extremamente polarizado. Uma questão de amor e ódio. Tal qual no Brasil, era difícil saber se as pessoas estavam votando a favor de um candidato ou contra o outro. Mas, ao menos na festa da vitória, o resultado parecia sinalizar o retorno da esperança. Ao longo da noite, a reportagem do Sul21 coletou depoimentos de pessoas e famílias que participaram da festa da vitória. Confira alguns deles a seguir.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Moradora de Temperley, na região Metropolitana de Buenos Aires, Patrícia levou toda a família para festa. O marido, os três filhos, os sogros, os cunhados e mais uns agregados. Muitos vestidos com a camiseta da seleção argentina. “A vitória de Alberto é um alívio, esperança de que Macri vá embora e a fome acabe. Temos vizinhos que não têm o que comer, que não podem comprar um litro de leite”, disse.

Para ela, grande parte da confiança de que o próximo governo poderá ser melhor reside no que foram os governos de Néstor e Cristina Kirchner. “Votamos em Cristina porque vivemos no peronismo e sabemos o que significa Cristina no governo. Ela se preocupa com as pessoas que estão abaixo, na pobreza. Macri, e o neoliberalismo em geral na América Latina, a única coisa que fazem é corte e ajuste. Essa é a única receita que conhecem e aplicam. Só fazem enriquecer os mais ricos e empobrecer os que estão abaixo. A classe média está quase desaparecendo por culpa dessas políticas de cortes. A Argentina é um país que se alimenta do pequeno trabalhador. Se você tira de quem está abaixo, perdem esses trabalhadores também. Fecharam muitas fábricas”.

Ao falar do que foram os últimos quatro anos, Patrícia não conseguiu conter a emoção e chorou. “A verdade é que é muito bom ver todo esse povo contente, festejando desde às 6 da tarde, esperando o 27 de outubro para poder voltar a votar e demonstrar a Macri que não está certo o que fez, que suas políticas não são boas. Hoje, já é possível ver a mudança de ânimo no povo. Esperança, a única coisa que temos é a esperança. Sabemos que não vai ser fácil, porque destruíram o país. Vai precisar de muito trabalho para levantar as coisas, mas a esperança está intacta, com Alberto e com Cristina”, disse.

Ao se despedir, Patrícia disse esperar que a mudança chegasse em breve ao Brasil e, assim como muitos outros com quem conversamos, pediu por “Lula livre”, posando para foto, ao lado de toda a família, com o gesto do “L”.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Esperança era a palavra que estava na boca de muitos. “A vitória de Alberto para a maioria das pessoas significa terminar com a pobreza. Este governo nos deixou no limite da pobreza, da indigência. As pessoas hoje estão celebrando a esperança, a esperança de poder recuperar o que perderam. Muito nos foi tirado e nesses últimos quatro anos perdemos muitos direitos”, disse Lídia, que foi à festa acompanhada do marido e de duas sobrinhas, uma delas levava no rosto as imagens de Cristina e Alberto Fernández.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Esperança que também voltou para Maximiliano, morador do tradicional bairro da Boca, em Buenos Aires, que festejava acompanhado do filho, da mulher e de uma amiga. Trabalhador do setor da marinha comercial, destacou que logo após Macri assumir, o governo promoveu uma intervenção no sindicato que levou a perseguições e à piora das condições de trabalho. “É o melhor que pode acontecer com o País. A verdade é que estamos sofrendo muito com esse governo neoliberal. O neoliberalismo é para muito poucos e o país que tem que ser para muitos. É uma tristeza o que fizeram neste país nos quatro anos de neoliberalismo”, disse.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Agarrada a um retrato de Cristina Kirchner, Veronica, que foi a festa com uma amiga e o marido, Carlos, afirmou que, mais do que esperança, a vitória de Fernández significa a possibilidade de voltar a viver. “Poderemos voltar a viver, a estarmos vivos, porque estávamos mortos com esse governo que nos matava de fome a todos”, disse

Foto: Luiza Castro/Sul21

Militante feminista de Buenos Aires, Nádia classificou o resultado das urnas como um “triunfo” do povo. “Foram quatro anos muito duros, muito dolorosos, no qual os setores mais vulneráveis e todo o povo, em geral, padeceram das piores injustiças. Foi um governo totalmente antipopular. As primeiras medidas foram contra o povo, o aumento de preços foi constante, as demissões e a falta de emprego aumentaram e, nos bairros mais humildes, sobretudo, o aumento da fome, do número de pessoas que precisavam ir aos restaurantes públicos, aumento das pessoas que precisavam um prato de comida, porque não conseguiam com o seu trabalho. A verdade é que recuperamos a alegria, recuperamos a esperança de que outro futuro é possível”, afirmou.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Para Andrés, militante de um movimento que atua na área da economia popular, a derrota de Macri era o principal a ser comemorado. “Macri significou uma conjuntura de fome, de falta de leite para as crianças. A vitória de Alberto é muito importante porque é a força política que pode tirar Macri do governo. Além disso levanta muita bandeiras muito nobres do primeiro peronismo e isso é muito importante. Mas ainda vamos precisar travar uma batalha cultural. Eles falam do individualismo e da falta de solidariedade, temos que levantar outras bandeiras”, diz.

Ele avalia o povo tem a consciência de que não será fácil o futuro que espera a Argentina. “Vai ser muito difícil para o governo de Alberto levantar a economia, mas pelo menos não seguiremos caindo. Não achamos que em dois ou três meses Alberto vai conseguir levantar o país, são quatro anos de um governo que nos endividou em 80% do PIB, explodindo a dívida externa”, exemplificou.

Foto: Luiza Castro/Sul21

Moradora de Tigre, na região metropolitana, Mariela, que levava consigo uma bandeira com a imagem de Cristina Kirchner, resumiu o resultado das urnas como acordar de um pesadelo. “Esse governo foi um pesadelo, o pior da história. Como todo governo neoliberal, foi um desastre. Que não voltem nunca mais”, disse.

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Foto: Luiza Castro/Sul21
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