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13 de novembro de 2020
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16:29

24 anos depois, Nega Diaba ainda é a única mulher negra eleita para a Câmara de Porto Alegre

Por
Andressa Marques
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Teresa Cristina, a Nega Diaba. Foto: Câmara Municipal de Porto Alegre. Montagem: Sul21
Teresa Cristina, a Nega Diaba. Foto: Câmara Municipal de Porto Alegre. Montagem: Sul21

Em 1996, Porto Alegre elegeu aquela que seria a primeira – e até hoje única – mulher negra para um mandato na Câmara de Vereadores. Natural de Rio Pardo, Teresa Franco ficou conhecida pelo apelido de “Nega Diaba” e pelas participações no programa de Sérgio Zambiasi, na rádio Farroupilha. Filiada ao PTB, partido do padrinho político, ela foi eleita com 6.423 votos para a 13ª Legislatura, de 1997 a 2000. Na Câmara, foi vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e Direitos Humanos. Depois de Teresa, outras mulheres negras chegaram apenas à suplência. Karen Santos (PSOL) foi a única a ser empossada, em 2019, depois que a titular do mandato, Fernanda Melchionna, foi eleita para a Câmara Federal.

 

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Teresa faleceu em 2001 e, apesar de ter sido vereadora e uma figura pública, é notória a escassez documental e bibliográfica sobre sua vida.

Renato Dornelles, jornalista, escritor e documentarista, conta que conheceu Teresa ao longo do trabalho como repórter, e, já no fim da vida dela, teve longas conversas que pretendia transformar em livro, plano adiado pelo falecimento de Teresa. De origem humilde, aos 5 anos ela foi doada pela mãe à uma família de origem alemã em razão das dificuldades financeiras. Nesta família, Teresa ficou até por volta dos 10 ou 12 anos e narrou ter sofrido diversos abusos.

“Ela me contou que era muito maltratada, chegavam a queimá-la com cigarro. Ela era explorada para fazer os trabalhos de casa, ainda uma criança”, conta. Os abusos foram descobertos pelo Juizado da Infância e Juventude da época e Teresa foi retirada dessa família. Aos 12 anos, foi mandada para reencontrar seus familiares em Porto Alegre. Entretanto, ao chegar à Capital sozinha, Teresa fugiu.

“Ela dizia que a primeira coisa que lembrava era de ter ido para a Cabana do Turquinho, que tinha festa e carnaval”, diz Dornelles. Na Cabana do Turquinho, organizavam-se bailes de carnaval conhecidos pela diversidade do público, de diferentes orientações sexuais e classes sociais. Nos anos 60, a Cabana se consolidou como um espaço dos “bailes de travesti” no período do carnaval, com aspirações de reeditar em Porto Alegre o célebre Teatro João Caetano, do Rio de Janeiro, espaço conhecido na década de 1950.

Teresa foi crescendo nas ruas. Contou que, na adolescência, viu um homem saindo bêbado de um bar na Rua Marcílio Dias, furtou sua carteira e correu. O homem chamou a polícia. “Os dois correram atrás dela, mas corria tanto que não a alcançaram”, lembra Dornelles. Ela então se escondeu atrás de um cemitério e ouviu os policiais esbaforidos dizendo “vou te contar, essa nega aí é o diabo”. Assim teria nascido a Nega Diaba.

Teresa Franco trabalhou em boates, foi prostituta, dançarina de rumba e até traficante. Segundo as pesquisas de Dornelles, ela é considerada a primeira mulher traficante de Porto Alegre. Depois de trabalhar nas ruas, começou a vender Pervitin (metanfetamina) e foi presa por tráfico.

Teresa criou seis filhos e morou em comunidades, como a Cruzeiro e a Conceição. Ao longo dos anos, foi se fortalecendo como liderança nos bairros onde vivia. “Uma vez, eu fui fazer a cobertura de uma batida policial na Cruzeiro e ela apareceu porque todas as pessoas foram falar com ela. Ela era muito justa nesse ponto, ela não deixava a polícia chegar e invadir as casas das pessoas. Ela bateu de frente com a polícia”, lembra Dornelles.

Mais tarde, morando no Alto Teresópolis, Teresa organizava bailes para ganhar dinheiro. A vizinhança, descontente com o barulho, denunciava a movimentação ao radialista Sérgio Zambiasi, que comandava um programa popular na rádio Farroupilha. Ao vivo, ele passou a relatar a insatisfação da comunidade. Teresa resolveu ir ao estúdio conversar com Zambiasi pessoalmente. “Ele olhou pelo espelho e perguntou quem era aquela pessoa simpática e ela, com um sorriso largo, respondeu: eu sou a Nega Diaba.” Ali, se formou uma parceria e Teresa passou a trabalhar na Farroupilha. Ela citava esse encontro com Sérgio Zambiasi como o dia de sua redenção. “Ela falou muito da libertação do 13 de Maio que foi para ela”, conta Dornelles.

O trabalho feito por Teresa nas comunidades se multiplicou com a parceria de Zambiasi. Já filiada ao PTB, partido pelo qual o radialista foi eleito deputado estadual quatro vezes e senador, Teresa procurava trabalhar as questões das comunidades, negritude e a questão da mulher negra. “Eu lembro até hoje quando ela se elegeu, ela andou em um carro aberto, com uma roupa afro, batendo no peito, acenando para as pessoas e agradecendo por ter sido eleita, enquanto as pessoas gritavam ‘Nega Diaba’”, diz Dornelles.

Segundo a União Interparlamentar, o Brasil é um dos piores países e termos de representatividade política feminina, ocupando o 3° lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. No Rio Grande do Sul, não é diferente.

Para Reginete Bispo, socióloga, coordenadora do Instituto Akanni e idealizadora do curso Dandaras, a necessidade de formação política é urgente. “E quando a gente fala da militância política, não é necessariamente partidária. Pode ser lá na associação de moradores, no seu grupo, isso é militância política”, afirma. “Investir na formação política é importantíssimo, dá suporte e condições para que as mulheres possam seguir em outra condição”, completa.

Mesmo que a participação política de mulheres venha crescendo, quando se trata especificamente de mulheres negras, o abismo ainda é grande. Apesar da decisão do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) de estabelecer uma cota de 30% para candidaturas de mulheres nos partidos, não existe nada em relação à questão racial. “É muito difícil romper os bloqueios que são criados para nos impedir de ocupar esses espaços. Não é que nós não tenhamos tentado ou que não quiséssemos”, diz Reginete.

No Brasil, 27% da população feminina é negra, porém as mulheres negras são 2% no Congresso Nacional e são menos de 1% na Câmara dos Deputados. Em 2018, o número de mulheres eleitas cresceu 52,6% no Brasil em relação a 2014. Foram eleitas 290 mulheres no total. Na Câmara Federal, foram 77, sendo 13 mulheres negras e uma indígena. No Senado Federal, foram 7 senadoras, resultando em 13% do total de parlamentares, mas nenhuma negra.

Para uma representação legítima e direta das mulheres negras na política, é preciso que os partidos se comprometam com as candidatas negras. “A consulta que a Benedita da Silva fez ao STF sobre aplicação dos recursos públicos, com o recorte de gênero e raça, foi determinante. Hoje, as candidaturas negras têm que ter a sua proporcionalidade de recursos, ou seja, a gente não pode sair com menos do que uma candidatura branca. A gente estar candidata não é garantia que a gente vai ocupar uma vaga”, destaca Reginete.

Em resposta à consulta da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu novas regras para distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. A partir de 2022, os recursos financeiros e o tempo de propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV destinados aos partidos deverão ser divididos proporcionalmente entre candidaturas de pessoas negras e brancas. Em 2020, os partidos devem manter, no mínimo, o repasse equivalente às candidaturas negras registradas em 2016.

Em março de 1997, ao discursar pelo Dia Internacional da Mulher em sessão na Câmara, Teresa Franco fez uma fala, que ainda hoje, é representativa. “Penso que a minha luta pode servir de exemplo para muitas mulheres que não acreditam em dias melhores. A igualdade, o trabalho e a dignidade são obrigações do Estado e da sociedade, mas somente se tornarão realidade com a nossa luta. Agradeço muito a Deus por, no meio de tantas negras professoras, ele foi lá no fundo poço buscar essa Negra para fazer dela uma Vereadora. Assim a Negra se despede. Um beijão a todos. E você, povão, continue contando com a Negra!”


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