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12 de novembro de 2020
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16:42

Na luta por representatividade, negros são 3% dos candidatos às prefeituras do RS

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Sul 21
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Representatividade ainda é uma luta do movimento negro. Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Débora Fogliatto

Dos 1.352 candidatos e candidatas a prefeituras nos 497 municípios do Rio Grande do Sul, apenas 11 são autodeclarados pretos e 30, pardos. Ou seja, 96,67% das candidaturas são de pessoas brancas, num estado em que a população negra representa cerca de 20% do total. Os autodeclarados pretos, que no último levantamento do IBGE eram 5,9% da população, são 1,9% dos candidatos. Isso significa que, mesmo que historicamente a região Sul tenha menor presença de afro-brasileiros do que outras partes do país, a sub-representação ainda é gritante. Até hoje, o Estado só teve um governador negro, Alceu Collares (PDT, 1991-1995), que também foi o único prefeito negro de Porto Alegre.

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Em termos de representatividade feminina, quem mora em Porto Alegre pode achar que este ano ela aumentou, visto que as três candidatas mulheres têm recebido bastante atenção na cidade. Manuela D’Ávila (PCdoB) lidera as pesquisas para a Prefeitura da Capital, e dentre os 11 candidatos, há ainda Fernanda Melchionna (PSOL) e Juliana Brizola (PDT). Porém, ao se considerar os números do Estado inteiro, os homens representam 90% dos candidatos: são 1.226, contra 126 mulheres.

Nenhuma mulher autodeclarada preta concorre nas eleições às prefeituras do RS em 2020; já dentre os autodeclarados pardos, há uma mulher. Em Porto Alegre, não há candidatos negros concorrendo à Prefeitura, e apenas uma negra concorrendo a vice: Vera de Oliveira, do PSTU. Em todo o Brasil, os candidatos brancos são 63% dos que concorrem às prefeituras, e as mulheres estão ainda sub-representadas, sendo apenas 13,44% dos candidatos.

Dados do TSE apontam que candidatos brancos são 96,67% dos que concorrem a prefeituras no RS | Foto: Reprodução/ TSE

Dentre as maiores cidades do Estado, Pelotas se destaca em termos de candidaturas diversas por ter uma chapa com dois candidatos negros (Júlio Domingues e Daniela Brizolara, do PSOL), sendo a vice uma mulher, além de mais uma mulher negra (Iyá Sandrali, do PT) e um homem negro (Rui Jordão, do MDB) como vices dentre as 11 chapas que concorrem na cidade.

O candidato do PSOL em Pelotas também é um dos únicos autodeclarados pretos que concorrem a prefeituras em cidades com mais de 100 mil habitantes no Estado. Ele é o segundo deste grupo social a mais receber verbas: o partido investiu R$ 85 mil em sua candidatura. O candidato preto à prefeitura cujo partido mais investiu foi o Professor Edson Portilho, do PT, que concorre em Sapucaia do Sul e recebeu R$ 147 mil.

Enquanto Júlio, aos 35 anos, concorre pela primeira vez a um cargo político, Edson, com 59 anos, tem longa trajetória, já tendo sido deputado estadual duas vezes e atualmente cumprindo mandato como vereador na sua cidade. Mas ambos concordam sobre a importância de seus partidos investirem em candidaturas de pessoas negras e a necessidade de haver políticas públicas específicas para os segmentos vulneráveis da população.

“Se não tiver pessoas negras no Parlamento e no Executivo, dificilmente vamos ter políticas públicas para atingir as necessidades dessas pessoas. Todo mundo está descontente com a política, a sociedade como um todo se diz descontente. É necessário ter mudanças reais, e para mim isso passa por colocar nos espaços de poder as que estão em menor número atualmente”, avalia Júlio.

Portilho concorda com a importância de se aumentar essa representatividade, e saúda os partidos de esquerda por estarem investindo em candidatos negros. “Quando nós temos candidatos a vereadores, a prefeitos [negros] estamos tentando espelhar a população brasileira nesse processo eleitoral. Vejo, com muito orgulho, dizer que a esquerda do país busca também essa reparação. Na verdade, é uma reparação da sociedade brasileira em relação à população negra”, avalia o professor.

Edson Portilho encabeça a chapa do PT para a prefeitura de Sapucaia do Sul | Foto: Facebook do candidato

Na avaliação do ex-deputado, cabe aos partidos de esquerda assumirem esse papel de investir em uma maior representatividade na política e em oportunidades para pessoas negras e outras populações historicamente marginalizadas. “Os partidos políticos refletem a organização da sociedade. Assim como as mulheres, 30% é uma porcentagem ínfima, temos que lutar para ter 50% de mulheres na representação política. Mas já é um avanço, porque não tínhamos nada. Essas reparações e políticas públicas que são trabalhadas na eleição são por causa dessa desigualdade”, completou Portilho.

Nas duas vezes em que foi deputado estadual, Portilho atuou como governo, durante a gestão de Olívio Dutra (PT, 1999-2003) e como oposição no governo Germano Rigotto (MDB, 2003-2007). Dentre os principais projetos propostos por ele que foram aprovados, um deles é a lei, de 2003, referente à liberdade de culto para religiões de matriz africana no que diz respeito ao sacrifício de animais, questão que voltou à tona recentemente quando defensores da causa animal buscaram proibir certos cultos por alegar que o sacrifício seria equivalente a maus tratos.

“Isso também levantou uma questão do preconceito contra as religiões de matriz africana, tinha gente dizendo que era sacrifício de animal doméstico. Na verdade, a sacralização dos animais como galinha, carneiro e bode, após o ritual a carne é consumida, é doada. Então é uma desinformação muito grande e que acabava colocando as pessoas umas contra as outras”, avalia o ex-deputado.

Agora, a questão já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu pela liberdade de culto, o que trouxe alívio para Portilho e para os praticantes das religiões de matriz africana. “Não vejo manifestações na frente de frigoríficos, as pessoas não deixam de comer churrasco no final de semana, mas na religião há um preconceito velado. Porque a origem é negra e é africana”, diz Portilho.

Outro projeto aprovado por ele na Assembleia foi o que tornou obrigatório o ensino da cultura e história afro-brasileira e indígena nas escolas públicas estaduais, questão que ele avalia não ter sido inteiramente implementada até hoje. “Com as mudanças de governo, essa lei foi deixada de lado. Nós temos que retomar isso e não é só na semana da consciência negra, tem que fazer esse trabalho cotidiano”, argumenta, citando a história da batalha de Porongos e dos Lanceiros Negros. “Essa história verdadeira da população tem que ser contada, e essa lei vem ao encontro desse interesse de realmente mostrar a história como ela é, como ela existiu”, completa.

A falta de consciência da população sobre a história negra é justamente um dos problemas que Júlio aponta na cidade de Pelotas. Historicamente, ele entende que a contribuição da população negra foi inivisibilizada, mas que já estão havendo resgates desta história. “A forma como se conta a história da cidade de Pelotas é de invisibilizar a contribuição real dos negros na construção dessa história. Tem estudos que apontam que a tradição do charque, a tecnologia empregada, tem muitos elementos de conhecimento da cultura negra. A própria tradição doceira se diz aqui na cidade que é de doces portugueses, mas tem uma série desses doces que são ligados às religiões de matriz africana”, diz o candidato.

Sociólogo, Júlio Domingues concorre pela primeira vez, em Pelotas | Foto: Divulgação/ PSOL

Sociólogo formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Júlio ingressou na política ainda enquanto estudante, primeiro participando de protestos e, depois, no Diretório Acadêmico e no Diretório Central de Estudantes da instituição. Entrou para o PSOL por volta de 2008, já contribuindo para as campanhas do partido na cidade – atualmente, o PSOL tem uma vereadora na Câmara de Pelotas, Fernanda Miranda, com quem Júlio trabalhava antes do início da campanha. Anteriormente, já trabalhou no gabinete do então deputado Pedro Ruas, e leciona no cursinho popular Emancipa.

Para além da sua trajetória e experiência, sua candidatura é colocada como forma de reforçar a importância de se ter grupos sociais que não sejam apenas homens brancos nos espaços de poder. “Temos um problema da representação: a população negra é a maioria no país e não está nos espaços de poder, assim como as mulheres. Quem ocupa os espaços de poder historicamente é o mesmo grupo social, sobretudo pessoas ricas e pessoas brancas, que vão levar para dentro desses espaços o seu conhecimento, a partir da sua vivência, das suas preocupações”, destaca.

Ao passo em que se comece a eleger cada vez mais pessoas que se distanciem desse padrão, mais atenção será dada às especificidades dos diversos grupos sociais, e neste sentido Júlio cita também as pessoas LGBTs e as pessoas com deficiência. “É um processo que tem que mudar com certeza, e na medida em que isso for avançando e mais pessoas que não ocupam os espaços passarem a ocupar, a política muda”, acredita.


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