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27 de julho de 2019
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16:03

É absurdo ter que transferir a gestão para uma OS, diz reitor do IF-RS sobre o Future-se

Por
Luís Gomes
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Júlio Xandro Heck, reitor do IF-RS, participe de debate sobre o “Future-se” com reitores de instituições federais | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, apresentou no dia 17 de julho as bases do programa Future-se, a proposta do governo federal para aumentar a participação da captação de recursos privados no financiamento das universidades e institutos federais. De largada, os reitores das instituições destacaram que o projeto apresentava mais dúvidas do que certezas sobre a intenção do governo para a educação superior no Brasil. À medida que o tempo vai passando, os dirigentes vão consolidando opiniões a respeito do Future-se. Na quarta-feira (26), em evento em Porto Alegre, o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) definiu o cenário atual como o “momento mais crítico e grave já vivido pela universidade pública em toda sua história” e disse que o programa é mais grave que o sucateamento das instituições promovido na gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Quem também apresentou ressalvas foi o reitor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IF-RS), Júlio Xandro Heck.

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Na manhã de quinta-feira (25), ele conversou com a reportagem do Sul21 e fez uma avaliação do que ele imagina que posa ser o impacto do Future-se nos institutos federais. Para Júlio Heck, o programa tem premissas que são compartilhadas pelos reitores. No entanto, ele aponta uma série de preocupações. “O governo parte de algumas premissas que são verdadeiras, e nós gostaríamos de conversar sobre elas, obviamente, mas também usa premissas falsas”, diz.

Uma das preocupações do reitor é que o programa prevê que as instituições que aderirem a ele deverão aceitar o uso de organizações sociais (OSs) contratadas pelo Ministério da Educação (MEC) para realizar uma série de atividades de apoio. Para o reitor, isso vai significar praticamente a cessão das atribuições administrativas a estas organizações.

“[O texto do programa] Deixa muito claro que toda a instituição que aderir ao Future-se vai ter que ter uma OS participando da gestão, isso não é opcional. Quem integrar o Future-se vai ter que contratar uma OS. E essa OS vai ter uma participação direta e fundamental em toda a gestão da instituição, inclusive nas questões pedagógicas, nas questões de ensino, de pesquisa, de inovação, de empreendedorismo, de internacionalização, de gestão de patrimônio”, diz.

A seguir, acompanhe a íntegra da entrevista com o reitor do IF-RS.

Sul21 – Que avaliação o senhor pode fazer do impacto que o Future-se terá nos institutos federais? Pode ser positivo?

Júlio Xandro Heck: Acho que uma coisa importante para a gente guiar a conversa é entender um pouco da lógica de por que se propõe a fazer um projeto como esse, que é realmente grandioso e mexe de fato nos alicerces da educação pública brasileira. O governo parte de várias premissas. Uma delas, e para mim é a mais grave de todas, é de que com a EC 95 o orçamento das universidades e dos institutos vai ficar insustentável, porque as nossas despesas vão crescendo ano a ano e o orçamento não vai crescer. Essa premissa é verdadeira. Mas vamos combinar que era uma coisa óbvia que ia acontecer. O problema não está no nosso orçamento, está na EC 95. Ela é o grande erro vigente, é o grande problema vigente. Se não houver uma flexibilização, uma revisão, de fato nós teremos problemas. Isso estava dado desde novembro de 2016, quando ela foi aprovada. Acho que a sociedade, na época, não deu o devido valor para a gravidade da EC 95. Ela vai ter várias repercussões em várias áreas, e a educação é uma delas. Então, na minha opinião, o mau original todo está nessa emenda. E o governo tem o dever de, ou revisar a emenda, o que não me parece a intenção deles, ou fazer com que a gente se adeque a ela, aí que surgem as ideias como essa do Future-se. O Future-se, na verdade, vem para tentar corrigir um grande erro histórico, mas aí o governo comete um erro maior ainda, na minha avaliação. É óbvio que precisamos de mais recursos, tanto institutos, quanto universidades, e queremos mais recursos. Essa é outra premissa que o governo tem insistindo, que a gente tem que captar mais recursos. Temos acordo quanto a isso. Mas tanto institutos, quanto universidades, captam recursos externos da sociedade, de empresas, de cooperativas, de várias organizações. Nós fazemos isso há bastante tempo e fazemos isso com êxito. Qual é o problema que acontece: por conta dessa emenda, a gente capta o recurso e ele não chega ate nós, porque ele fica contingenciado pelo governo federal. Então, esse é um problema criado pela própria emenda e a gente fica preso a ela também. Nós temos acordo quanto a essa premissa de que precisamos captar mais recursos externos e os institutos e universidades fazem isso muito bem.

Outra premissa que o governo usa é que a legislação vigente para inovação e para a pesquisa é complexa. Também concordamos, mas não precisa mexer nas bases da educação pública brasileira para mexer na legislação da pesquisa e da inovação. A gente tem dificuldade hoje para executar recurso, para fazer projeto de pesquisa. Deveria ser mais célere e deveria ser mais ágil. Mas, aí, o governo em vez de atacar a origem do problema, que é a legislação morosa e trancada, ele se propõe a botar uma organização social para fazer a gestão desses recursos, um ente privado dentro das instituições. De novo, ele tenta corrigir problemas outros com uma solução que não é viável e só vai trazer mais problemas.

E tem premissas que são falsas. O governo tem dito insistentemente que a União gasta demais com institutos e universidades. Isso é mentira, gastar com educação não é gasto, é investimento, é pensar no futuro do País, é querer soberania, é querer um País desenvolvido, independente tecnologicamente. Isso só se faz com educação, com ciência e tecnologia. Nos institutos federais, 60% dos estudantes são de famílias que têm renda per capita menor do que um salário mínimo e meio. Ou seja, e aí eu falo pelos institutos, não posso falar pelas universidades, nós atendemos majoritariamente a população que precisa de educação gratuita. Então, é uma falácia, no que se refere aos institutos com toda certeza, dizer que a educação pública federal é para poucos e é para uma elite. Não é o caso.

Então, o governo parte de algumas premissas que são verdadeiras, e que nós gostaríamos de conversar sobre elas, obviamente, mas também usa premissas falsas. E tem uma última que eu gostaria de frisar que é a insistência de que, em países desenvolvidos, o investimento privado em pesquisa é maior do que o investimento público. Isso não é verdade. Nos EUA, por exemplo, 60% do investimento em pesquisa é dinheiro público. Na comunidade europeia, 77% do investimento em pesquisa é dinheiro público. Então, isso é uma falácia grande que o governo tem usado para dizer que gasta demais com pesquisa e educação pública comparando com outros países onde isso não acontece. De uma forma geral, das premissas que o governo tem usado, algumas a gente entende que são importantes e devem ser discutidas, mas a solução proposta não atende.

Sobre o programa em si, eu acho que é muito importante que seja dito que trata-se de um projeto unilateral. Ou seja, ele vem do MEC para nós. A gente não participou da construção. Os institutos federais não deram palpite nenhum sobre o projeto. Fomos surpreendidos agora há 15 dias com ele. Então, não houve uma construção coletiva. Além disso, é um projeto muito pouco detalhado. Nós não temos uma compreensão geral. Há muitas perguntas não respondidas, para as quais a gente não encontra resposta lendo o projeto.

Júlio Heck diz que há premissas no programa que os reitores concordam, mas há muitas questões que precisam ser discutidas | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Como que as OSs vão entrar nas universidades? O texto disponível para quem acessa a consulta pública fala que as OSs poderão participar da gestão das instituições federais. Não está muito vago?

Júlio Heck: Eu diria que já foi mais vago. Para mim, hoje está mais claro e, ao ficar mais claro, me preocupa muito. O que no início, para nós reitores, era uma incógnita como se daria a participação das OSs, no projeto de lei ela está um pouco mais detalhada e vai ser uma participação muito efetiva. Deixa muito claro que toda a instituição que aderir ao Future-se vai ter que ter uma OS participando da gestão, isso não é opcional. Quem integrar o Future-se vai ter que contratar uma OS. E essa OS vai ter uma participação direta e fundamental em toda a gestão da instituição, inclusive nas questões pedagógicas, nas questões de ensino, de pesquisa, de inovação, de empreendedorismo, de internacionalização, de gestão de patrimônio. Perceba o absurdo que as instituições transferirão a gestão dos seus patrimônios, ou seja, o prédio do meu campus, o auditório, o estacionamento, para uma OS fazer a gestão e captar recursos como eles entenderem necessário. Por exemplo, com o estacionamento que hoje a gente dá gratuitamente para o nosso estudante. Então, eu te diria que é mais fácil responder onde a OS não participará do que onde ela participará. A participação dela é tremenda. Nós reitores nos perguntamos o que caberá a nós, qual será o papel do reitor tendo uma OS instalada dentro da instituição. Isso também consta no projeto de lei, as instituições terão que abrir espaço físico dentro da reitoria para que a OS tenha o seu escritório. Ou seja, será uma gestão dividida, compartilhada, para usar um eufemismo, porque quem vai ter o poder de decisões importantes será a OS. Inclusive, as nomeações das pessoas que trabalharão na gestão terão que passar também por uma decisão conjunta com a OS. Isso consta no projeto de lei. Está lá. A gestão de pessoal, as progressões funcionais, a contratação de professores e técnicos. Então, infelizmente, eu posso te responder onde ela não vai participar. Em quase nada. Ela vai participar realmente muito.

Sul21 – E o que vai restar para os reitores?

Júlio Heck: Segundo palavras do próprio ministro, os reitores serão chanceleres. Serão pessoas que terão responsabilidade de captar recursos, de visitar empresários, de fazer a propaganda institucional. Uma figura decorativa talvez seja usar uma palavra forte, mas será uma figura protocolar, diplomática, eu diria, que vai aprofundar as relações externas da instituição. Gestão, a governança, que é uma palavra que aparece bastante, caberá à OS.

Outra premissa que eles usam é que o modelo atual das instituições não é bom e adequado. Eu discordo frontalmente. Hoje, as gestões institucionais, tanto de IFs, como de universidades, são bem feitas, são sérias, são auditadas pelo Tribunal de Contas. As nossas contas passam todos os anos por uma avaliação muito criteriosa. É uma gestão democrática, o que é outra coisa importante, os reitores são eleitos pelas comunidades. Nos institutos federais de forma paritária. O IF já nasce com uma tradição democrática muito grande, onde aluno participa fortemente da votação para a escolha do reitor com técnicos e professores em igualdade de condições, diferente até da universidade. Então, nós não temos problema nenhum com governança e gestão, nós fazemos isso muito bem hoje. Da mesma forma que nós fazemos muito bem hoje a gestão dos recursos que captamos. Então, quando o governo diz que temos problemas de gestão, nós não temos, temos problema de recurso. O que nos falta não são estratégias de gestão, não é estratégia de governança, o que nos falta realmente é recurso. E dou o exemplo do corte dos 30%. Como é que se faz gestão com o orçamento, no nosso caso 39%, mais de um terço, bloqueado? O reitor tem que fazer mágica. Isso sim é dificuldade em fazer gestão.

Sul21 – E quem seriam essas OSs que poderiam entrar nas universidades? Hoje não existe nenhuma OS com expertise em administração de universidades públicas.

Júlio Heck: Não. As OSs que existem no Brasil hoje trabalham mais na área da saúde e da cultura. Eu, particularmente, desconheço OS com gestão de educação e isso não está claro no PL, quem seriam essas OSs. No entanto, ontem [a entrevista foi gravada na quinta-feira, 25], o Ministério da Educação, por meio de uma entrevista, indicou que a gestão será feita por OSs que já estão previamente cadastradas, mas que, em algum momento, abrirá inscrições para novas OSs. Então, essa é uma questão que a gente tem dificuldade para responder hoje, nós não temos essa certeza. Quem seriam essas OSs? Já existem, estão por aí, ou seriam criadas com essa finalidade específica?

Sul21 – Pois é, porque acontece em casos de terceirização a criação de OSs para um fim específico e depois contrata todo mundo.

Júlio Heck: O modelo que a gente conhece é esse. Mas estamos fazendo aqui um exercício de futurologia, porque nós não temos essa resposta. Inclusive, nos perguntam se vai ser uma OS ou se serão várias. Não sabemos. Obviamente que não há como uma OS fazer a gestão de todas as universidades e institutos do Brasil, se fosse o caso, o que nós esperamos que não seja.

Nós queremos discutir as estratégias de fomento da educação brasileira, é importante que se faça isso. Precisamos criar fundos, precisamos encontrar fontes de recursos, taxando grandes fortunas, taxando bancos, taxando seja lá quem for para aumentar o recurso, não tirando do pobre. Obviamente que a gente não quer a instituição pública funcione às custas dos mais pobres. Mas nós queremos, sim, uma educação pública, gratuita, de qualidade, inclusive, que cada vez dê mais acesso a pessoas que realmente precisam. E, no caso dos IFs, eu posso te responder com toda a certeza que nós hoje fazemos isso. Então, para nós, é muito tranquilo fazer a defesa do nosso caráter público e gratuito.

Sul21 – Voltando a questão dos investimentos internos. Parece não ser uma solução fácil para todas as instituições dado que vivemos em um País muito desigual do ponto de vista de captação também. Uma coisa é a universidade federal em São Paulo, nos grandes centros, outra são os institutos que têm campi interiorizados.

Júlio Heck: Isso é muito importante. Primeiro, a gente tem que considerar que, no Brasil, não existe um histórico de transferência de recursos, ou mesmo de cooperação entre as instituições públicas com o setor privado. Nós não temos uma história que nos favoreça. Mesmo nas grandes universidades, a história é muito frágil e a quantidade de recursos captados é pequena. O empresariado brasileiro não tem uma tradição e uma história de ajudar as instituições de ensino e eu não acredito que isso vá mudar de uma hora para a outra. Um segundo fato é que o momento econômico não favorece aos empresários, a sociedade privada, transferir recursos para as instituições de ensino. Se o País vivesse um período de fartura econômica, de grande crescimento do PIB todos os anos, o cenário seria até diferente para a gente discutir essa estratégia, mas se percebe que não é o caso. Muito pelo contrário. Vivemos quase uma recessão ou muito próximo disso. Então, falar de fomento externo e de participação da iniciativa privada num momento de quase recessão também é enganoso e eu diria até desonesto com as pessoas. Isso não vai acontecer de um dia para o outro.

E aí eu chego num terceiro ponto que é o que tu trazes. Uma coisa é a gente pensar na UFRGS, em Porto Alegre, captando recursos. Outra coisa é a gente pensar num campus de instituto federal no interior do Amazonas ou mesmo aqui no RS. O IF-RS tem campi em cidades muito pequenas, onde a economia é muito frágil, onde o IF é, sim, a grande esperança das pessoas na cidade, onde o IF é desenvolvedor de tecnologias e não o contrário, a sociedade ajudando o IF. Nós somos a esperança de muitas cidades onde estamos. Acho que é importante separar isso. Não é nem justo colocar no mesmo patamar, no mesmo projeto, questões como essa para tratar de universidades, principalmente aquelas que estão nos grandes centros, e campi de IFs que estão em cidades muito pequenas. No IF-RS nós temos campi em cidades grandes, como Canoas, Caxias e Porto Alegre, mas temos campi em cidades muito pequenas, como Sertão, Ibirubá, Vacaria, Alvorada. Em Alvorada, nós estamos situados numa região de alto grau de violência, de alto grau de dificuldades financeiras, então é difícil imaginar que vai ter empresário querendo ajudar o nosso campus de Alvorada. É muito injusto usar essa generalização de que todos nós teremos liberdade para captar recursos.

Sul21 – Te parece que essa questão das OSs é uma forma de privatização escondida das instituições federais de ensino?

Júlio Heck: Eu não diria privatização porque o dinheiro, em tese, continuaria sendo público, porque, segundo palavras do ministro, não haverá redução de orçamento público para nós. O que eu discordo. Acho que a ideia a longo prazo é diminuir a participação da União no nosso orçamento. Para mim, isso está dado. Um dos espíritos do programa é que a cada ano tenha menos recursos federais nos IFs e mais recursos privados. Isso vale para as universidades. E a OS, então, eu diria que soa mais como uma terceirização. Acho que é uma palavra mais adequada para o momento, porque diretamente não se fala em cobrar mensalidades, o que, na minha opinião, também não está completamente excluído, no futuro pode se acenar para isso. Acho que é uma grande terceirização de uma atividade fim que é o ensino. E aí outra coisa importante, a palavra ensino aparece uma vez em todo o PL para se referir ao plano de ensino dos cursos. Ou seja, ficou de lado a coisa mais importante da educação pública, que é a formação das pessoas. Então, a gente percebe que tem várias questões aí que são muito graves. A OS tira autonomia da gestão, os vínculos dos professores e dos técnicos ficarão cada vez mais frágeis, abre espaço para contratação via CLT.

IF-RS tem campi espalhados por diversas cidades do interior do RS. Na foto, o campus de Veranópolis | Foto: Divulgação

Sul21 – Nesse sentido, uma coisa que se tem falado pouco é que o grande diferencial das instituições federais é o capital humano, a estrutura não é o principal. Esse projeto abre as portas para o fim da estabilidade e se sabe, por exemplo, que a pesquisa precisa de estabilidade. Não abre as portas para uma precarização do trabalho e de queda do padrão docente e de qualidade nas universidades e institutos federais?

Júlio Heck: Não tenha dúvida. Por vários motivos, a questão da OS contratar pela CLT, sem concurso público como acontece em alguns casos, de pagar salários que nem sempre são condizentes ou até nem sempre são dignos, eu diria. Então, sim, o fato de criar uma OS para fazer a gestão institucional sinaliza para precarização das relações de trabalho com toda a certeza. O próprio ministro andou dizendo recentemente que poderiam ser contratados professores sem concurso e via CLT, depois o MEC voltou atrás, teve que desdizer o ministro, dizer que não era bem isso que ele quis dizer. Mas a gente percebe que a intencionalidade é essa, sem dúvida nenhuma. Além disso, o projeto tem outro viés que para mim é péssimo que é o viés da competição. Ele vai pagar prêmios para quem produzir artigos, para quem captar recursos. Bom, imagina um professor tendo que escolher se ele vai fazer um projeto para ganhar mais um dinheiro para ele ou se vai se dedicar às aulas que precisa dar. Ele vai para o projeto que vai dar dinheiro para ele. Essa possibilidade está posta, o que hoje não acontece, porque o professor tem obrigação de dar aula, mas tem tempo dedicado à pesquisa, aos projetos de extensão. A palavra extensão não aparece nenhuma vez no programa Future-se, sendo que o tripé das instituições é ensino, pesquisa e extensão. Tem tanta coisa grave que a gente acaba esquecendo de outras pequenas. A gente percebe claramente que tem um foco de incentivo à competição, um foco de premiar o produtivismo, o que a gente sabe que não deu certo em nenhum momento da história das instituições brasileiras.

Sul21 – Para fechar, reitor. Do jeito que está o projeto, a tendência do IF-RS é de aderir ou não ao Future-se? Dependeria do quê?

Júlio Heck: A questão da adesão é outra incógnita. O que vai acontecer com quem não aderir? Não sabemos essa resposta. Se supostamente a instituição IF-RS responder que não vai aderir, o que vai acontecer? É uma incógnita total. O que nós temos feito? Estamos radicalizando a discussão. Eu, como reitor, tenho ido a todos os sindicatos que temos de professores e de técnicos, chamei reunião com o movimento estudantil, tenho participado de todos os eventos possíveis. Estamos conversando e discutindo institucionalmente o programa que a gente tem acesso. Então, não temos que tomar posição nenhuma agora, isso é bem tranquilo, não há necessidade. Até porque o projeto vai tramitar no Congresso, tem toda uma construção e nós, evidentemente, não nos furtaremos dos debates, internamente e também estamos abertos a fazer o debate com o MEC. Tanto as instituições, como os reitores, abrem as portas para conversar, para apontar as críticas, para trazer soluções, inclusive. No momento adequado, se formos obrigados a tomar uma decisão, a tomaremos. Enquanto reitor, o meu dever é levar à discussão ao extremo, permitir que as pessoas se apropriem, que as pessoas conversem, que a discussão institucional aconteça e que, no final, a gente decida institucionalmente o que faremos. Obviamente que a minha posição fica implícita nessa entrevista. Pessoalmente, eu vejo severos problemas e tenho discordância de muitos aspectos citados no programa, que não vão mudar o meu entendimento a curto prazo. Acho que tem coisas ali de mérito que a gente concorda e que podemos avançar nas discussões, de forma crítica, mas há muitas dela ali que são inegociáveis e nós não arredaremos das nossas convicções de defesa do ensino público, gratuito e inclusivo.


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