Quais as propostas dos candidatos ao governo do RS para a habitação?

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Diálogo sobre direito à moradia tem sido ignorado na maioria dos debates | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Os candidatos ao governo do Rio Grande do Sul têm falado, durante suas campanhas, de diversos problemas pelos quais o Estado passa, focando principalmente em finanças, segurança, saúde e educação. Um tema que tem passado batido na maioria dos debates e campanhas, mas que tem ganhado atenção da população das grandes cidades, é a moradia. Na capital gaúcha, é perceptível que a quantidade de pessoas em situação de rua tem aumentado exponencialmente nos últimos anos, por exemplo.

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Em estudo publicado ano passado pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi constatado que o déficit habitacional do Rio Grande do Sul é de 236.304 unidades habitacionais.

Em geral, os serviços de assistência social são atribuição do município, enquanto programas de promoção à moradia são realizados pelo governo federal, o que causa a impressão de que essa não seria uma atribuição dos estados. Segundo o art. 23 da Constituição Federal, no entanto, é competência comum da União, Estados e Municípios a “promoção e implementação de programas para construções de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (inc. IX), bem como o “combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos” (inc. X). Isso significa que todas as instâncias do poder Executivo devem promover políticas relacionadas à habitação.

Viaduto da Borges, que abrigava dezenas de moradores de rua, foi esvaziado pela BM | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Dentre os candidatos com planos de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cinco apresentam propostas para moradia e habitação: Eduardo Leite (PSDB), Jairo Jorge (PDT), Júlio Flores (PSTU), Miguel Rossetto (PT) e Roberto Robaina (PSOL). O atual governador, José Ivo Sartori (MDB), não menciona essa temática, falando apenas em assistência social. Mateus Bandeira (NOVO) apresenta em seu plano de governo apenas questões relacionadas a finanças, segurança, governança, educação, saúde e “ambiente de negócios”.

A situação da habitação no Estado

Em julho de 2017, a Ocupação Lanceiros Negros foi despejada em uma das reintegrações de posse com maior repercussão dos últimos anos. Com acusações de violência e abusos por parte da Brigada Militar — entidade que faz parte do governo estadual — a desocupação da Lanceiros tornou-se um símbolo da falta de políticas sociais para habitação no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre. Após o despejo, algumas famílias ainda ocuparam por alguns dias o prédio do antigo Hotel Açores, posteriormente saindo de forma pacífica ao serem encaminhadas para o Centro Humanístico Vida, onde permaneceram por três meses e precisaram sair, com a promessa de serem incluídos em programas de assistência social, mas sem alternativas reais de um novo local para morar.

Quase um ano depois da desocupação, em audiência pública realizada na Câmara de Vereadores em maio, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que coordenava a Lanceiros, relatou que apenas cinco famílias que moravam na ocupação foram contempladas com o aluguel social. O benefício havia sido prometido para 24 das 72 famílias que residiam no local. Na ocasião, o coordenador jurídico do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Reginaldo Videgaray, destacou que Porto Alegre tem 48 mil famílias aguardando por moradia definitiva — número de cadastros feitos no programa Minha Casa, Minha Vida ainda em 2009.

O caso da Lanceiros é emblemático por se tratar de um prédio que pertence ao governo estadual, na esquina das ruas General Câmara e General Andrade Neves. Ou seja, o próprio poder público é dono do imóvel, mas argumentava na época que iria utilizá-lo como nova sede da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). O prédio estava abandonado há dez anos quando foi ocupado pelo MLB, em 2015. Atualmente, o local segue fechado e abandonado, exatamente como estava antes das famílias o ocuparem.

Truculência da BM foi criticada em reintegração de posse da Ocupação Lanceiros Negros | Foto: Guilherme Santos/Sul21

No início deste mês, a Ocupação Progresso foi o mais recente alvo da falta de políticas públicas para habitação, quando uma reintegração de posse deixou mais de 100 famílias, muitas delas de imigrantes haitianos, sem alternativas de moradia. Eles acabaram ocupando outro terreno, em um ciclo que se repete com diversas desocupações: o poder público realiza o despejo de um local e os ocupantes apenas se mudam para outro, também irregular, diante da inexistência de alternativas formais.

Poucos dias antes, a atual administração estadual havia adiado a assinatura de um documento que buscava “humanizar os despejos”. O protocolo foi formulado pelo Comitê Interinstitucional Sobre Conflitos Fundiários Urbanos Coletivos, composto por órgãos do Judiciário, Legislativo e Executivo, motivado exatamente pelo caso da Lanceiros. O documento determinava que sejam realizadas, entre outras ações, reunião preparatória para a remoção por parte da Brigada Militar, para a qual sejam convidados representantes de moradores, o juiz(a) que determinar a reintegração, oficial de justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, representantes do Poder Executivo e das partes envolvidas.

Há alguns meses, a Ocupação Saraí, também no centro de Porto Alegre, recebeu uma ordem de despejo. Há cerca de quatro anos, a Saraí se tornou símbolo de resistência ao conquistar a assinatura de um decreto por parte do então governador Tarso Genro (PT) que determinava que o imóvel passasse a ser de interesse social, desapropriando o prédio para moradia popular. Ao assumir o governo, no entanto, a administração de José Ivo Sartori (MDB) afirmou não ter interesse em continuar com as tratativas nesse sentido, interrompendo as negociações.

Ocupação Progresso foi a mais recente vítima de despejo em Porto Alegre, no início de setembro | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ao mesmo tempo, nas ruas das principais cidades do RS, é perceptível o aumento no número de pessoas em situação de rua. Em Porto Alegre, elas também enfrentam remoções e descaso, como foi constatado em janeiro, quando foram removidas de suas moradias no Parque Harmonia, e em julho, quando houve o despejo da ocupação Aldeia Zumbi dos Palmares. Formada por pessoas em situação de rua, a Aldeia ficava em um terreno pertencente à Prefeitura, que argumentou que o local fazia parte do Corredor Parque do Gasômetro.

De acordo com números oficiais, Porto Alegre contava com mais de 2 mil pessoas em situação de rua 2016, quando foi realizada a última pesquisa feita pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os movimentos representativos dessa população, contudo, afirmam que seriam no mínimo 5 mil. A Capital tem três albergues que atendem a 335 pessoas. Em agosto, o viaduto da Borges de Medeiros, local onde historicamente viviam pessoas em situação de rua, foi desocupado pela Brigada Militar e o Departamento de Mobilidade e Limpeza Urbana (DMLU), e a Prefeitura anunciou que serão colocados food trucks no local.

O mapeamento da população em situação de rua na região metropolitana, elaborado pelo Projeto EcoSol PopRua em outubro de 2017, mostrou que Sapucaia do Sul e Novo Hamburgo também têm altos índices de pessoas vivendo nas ruas em relação à população total: na primeira, são 382 pessoas em situação de rua cadastradas nos serviços de assistência social (em uma cidade de 138 mil habitantes), enquanto na segunda são 300 cadastradas, dentre 239 mil habitantes. Mas, segundo afirma o jornal NH, em notícia publicada em abril deste ano, o número real de pessoas em situação de rua passaria de 500 no município.

Propostas dos candidatos para habitação

Eduardo Leite (PSDB) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Eduardo Leite

Leite fala em enfrentar o déficit habitacional no Rio Grande do Sul por meio de “programas que propiciem acesso das famílias à moradia, legalização da posse e crédito acessível para aquisição da propriedade urbana”, além de prometer estimular programas de regularização fundiária nos municípios, com emissão de certificados de propriedade para a população de baixa renda nos aglomerados urbanos.

O candidato tucano pretende, ainda, viabilizar programa de microcrédito habitacional junto a parceiros do sistema financeiro, apoiando a captação de recursos que serão destinados a famílias de baixa renda na construção e reforma de casa em terreno próprio, melhorias e ampliações, com a parceria de agentes públicos e privados locais. No capítulo dedicado à segurança, menciona a assistência social como parte da rede que deve atuar em parceria para combater a criminalidade.

Jairo Jorge (PDT) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Jairo Jorge

O ex-prefeito de Canoas tem como proposta relacionada ao tema a expansão da habitação sustentável nos principais centros urbanos do Estado. O candidato defende que a administração articule esforços para promover a habitação sustentável, com luminosidade, uso de água, energia solar, integração ao sistema de saneamento, utilização de materiais sustentáveis, durabilidade, adequação ao clima e interação com entorno. Essa proposta seria aplicada nos novos modelos de habitação subsidiada em todo o Estado, em parcerias com os municípios e Governo Federal.

Júlio Flores (PSTU) | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Júlio Flores

No seu programa de governo, Júlio Flores começa a falar sobre o tema traçando um panorama dos principais problemas atuais relacionados à habitação no Estado e no país. Ele critica o programa Minha Casa Minha Vida por não ter revertido o quadro de déficit: “pelo contrário, muitos trabalhadores, por conta do desemprego não conseguiram arcar com as prestações e acabaram sendo despejados”, afirma.

Para o candidato, a política habitacional no país tem sido “um grande negócio para as empreiteiras e que onera e exclui milhões de brasileiros do direito a uma moradia digna”. Ele defende que, com uma reforma urbana cobrando imposto progressivo sobre imóveis destinados à especulação imobiliária, a regularização fundiária seguida de obras de benfeitorias como saneamento e calçamento e construção de casa com um plano de obras públicas, seria possível em pouco tempo zerar o déficit habitacional que no Rio Grande do Sul gira em torno de 300.000 unidades.

Governador José Ivo Sartori (MDB) | Foto: Joana Berwanger/Sul21

José Ivo Sartori

Sartori não cita habitação no seu programa de governo, falando apenas em políticas de assistência social, sem relação direta com a questão da moradia.

Miguel Rossetto (PT) | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Miguel Rossetto

Rossetto menciona a palavra habitação dez vezes em seu plano de governo, além da parte exclusivamente destinada ao assunto. Neste capítulo, ele divide suas propostas em dois eixos: articulação da política habitacional com as demais áreas e oportunidade de acesso à terra urbanizada, à regularização fundiária, à qualidade do meio ambiente, à assistência técnica e jurídica gratuita.

Nesta segunda proposta, o candidato petista promete promover o acesso à moradia digna, buscando apoio dos municípios e do Governo Federal, com ações como: urbanização e regularização fundiária de loteamentos irregulares e assentamento precários; produção de novas unidades de Habitação de Interesse Social (HIS), incluindo promoção pública, privada e por autogestão; locação social; reaproveitamento de edifícios públicos e particulares em áreas consolidadas (que não estiverem cumprindo função social); provisão de material de construção e Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS); viabilização de Banco de terras do Estado para proporcionar moradia digna; além da busca de resolução dos conflitos fundiários urbanos com estrutura de negociação ligado ao Gabinete do Governador.

Roberto Robaina (PSOL). Foto: Giovana Fleck/Sul21

Roberto Robaina

Assim como Flores, Robaina também critica os governos atuais em seu plano de governo, lembrando que “o direito à moradia é consecutivamente desrespeitado pelos governos, que não apresentam políticas públicas capazes de resolver o problema”. O candidato é o único a lembrar do caso da Lanceiros Negros, mencionando a falta de “uma política pública efetiva do Estado que oferecesse um teto digno a essas e a milhares de outras pessoas”.

O candidato do PSOL coloca a efetivação do direito à moradia como uma prioridade, estabelecendo como compromissos a criação de um escritório de regularização fundiária do Estado, focado em áreas de interesse social. Propõe, ainda, priorizar a entrega de serviços básicos, como os fornecidos pela CEEE e pela Corsan, a áreas de interesse social; destinar prédios públicos do Estado sem uso há mais de dois anos para moradia popular; estabelecer estratégias, em parceria com a sociedade civil e com grupos como o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), para superar o déficit habitacional e prover o direito à moradia; dialogar com os movimentos de luta por moradia a partir de uma relação de colaboração, e não de combate.


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