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28 de março de 2018
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19:11

Caravana de Lula: “Foi uma crescente de violência com a conivência da polícia”, dizem jornalistas que estavam no ônibus alvejado

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Sul 21
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Ônibus com assessores do PT e convidados também foi alvejado/Daniel Giovanaz/Brasil de Fato
Ônibus com assessores do PT e convidados também foi alvejado. Foto: Daniel Giovanaz/Brasil de Fato

Giovana Fleck

O som da bala não reverberou. Seco. Uma entrou na lataria. Outra, passou de raspão no vidro. O sol recém se punha quando o impacto dos projéteis fez com que os jornalistas que acompanhavam a caravana Lula pelo Brasil começassem a se questionar sobre a origem dos sons. “Devem ser pedras”, pensou o repórter André Vieira, da rede venezuelana Telesur. Era plausível. Na segunda-feira (19), a comitiva de três ônibus chegou a São Borja recebida com ovos, pedras e fezes animais. “Mas, na noite passada, ultrapassou todos os limites”, definiu Vieira.

André Vieira e Leonardo Fernandes, repórteres da Telesur e do Brasil de Fato, respectivamente, estavam no ônibus que transportava a imprensa e que foi atingido por tiros na noite da terça-feira (27). Outro veículo, onde estavam integrantes do PT e convidados, também foi alvejado, em sua lateral. Além disso, pregos foram jogados na pista para provocar a parada dos ônibus. Em entrevista ao Sul21, os dois jornalistas narram como foi o percurso da caravana a partir da constatação do atentado .

Saída de Quedas do Iguaçu

Após ato pela reforma agrária, a comitiva saiu do município de Quedas do Iguaçu (PR) em direção a cidade seguinte, Laranjeiras do Sul. “Foi um ato muito bonito. A praça estava lotada. Foi a passagem mais tranquila da caravana por uma cidade. Não teve [a presença de] movimentos de direita no ato. [Eram] só os apoiadores”, conta Fernandes, manifestando certa surpresa. Ele lembra dos conflitos que, em um passado próximo, marcaram a região como o caso conhecido como Massacre de Quedas do Iguaçu, em que dois trabalhadores rurais foram assassinados.

Depois do ato, os ônibus saíram com certo atraso da cidade, entre as 16:30 e 17h. Com cerca de 20 minutos de viagem, os jornalistas escutaram um barulho – que associaram com o som do impacto de pedras. Com uma hora de viagem, o motorista percebeu que um dos pneus estava furado.

Pararam. Quase todos desceram. “De fato, miguelitos haviam sido atirados na estrada”, diz Fernandes. Enquanto os pregos em forma de “V” eram retirados dos pneus pelos motoristas, alguém se dá conta dos furos na parte externa do ônibus. André se confunde entre as palavras, tentando identificar o sentimento. “Não é medo, foi muito mais uma apreensão do que poderia acontecer a partir dali.”

A partir da constatação, o próximo passo foi decidido rapidamente: chamar a polícia. Mas, ao mesmo tempo, os jornalistas constatam a contradição que isso representava. “Tem que ser denunciado que a caravana pediu policiamento mas que, no momento do ataque, não havia nenhuma escolta. O Estado sabia que a gente estava sendo ameaçado e o Estado não garantiu a segurança”, reflete Vieira, que completa: “É preciso, sim, investigar esses grupos fascistas. Mas, também, investigar a omissão dos estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.”

Já Fernandes conta que chegou a ver efetivos da Polícia Rodoviária Federal passando pelos ônibus, mas não acompanharam a caravana. “Obviamente, se tivessem nos acompanhado teriam parado e averiguado a situação dos disparadores, que se esconderam na mata.”

Chegada em Laranjeiras do Sul

A primeira coisa que a comitiva fez ao chegar no município foi se refugiar na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Lá, ficaram até que a perícia fosse concluída. Registraram, também, boletins de ocorrência contra o atentado. Entre si, os jornalistas comentavam sobre a evolução de violência que tomou a trajetória durante as quase 20 cidades visitadas por Lula. “O que a gente percebe é que foi uma crescente de violência desde Bagé (RS); primeiro começaram a atacar com pedras e paus, depois teve a história dos ovos que não foi só nos ônibus, mas também nos atos públicos, na rua. Depois a queima de pneus em Francisco Beltrão (PR). Em Passo Fundo (RS), impediram nossa entrada na cidade”, lembra Fernandes.

Vieira complementa afirmando que a violência que permeava os atos refletia em todos, não apenas na comissão do Partido dos Trabalhadores. “Repórteres, de diferentes meios de comunicação, foram agredidos. Em Chapecó (RS), um dos manifestantes tentou arrancar a nossa câmera. Colocou a mão tentando evitar que fizéssemos imagens.”

Para Fernandes, havia uma orientação clara entre os policiais que acompanhavam as manifestações. “Em todos os lugares em que passamos, a polícia protegia os manifestantes declarados da extrema-direita e hostilizava os apoiares do presidente Lula.” Ele caracteriza a ausência de escolta no Paraná como um “boicote sistemático” a segurança dos envolvidos. “Ninguém esperava que chegasse a esse extremos, mas essa violência foi fomentada pela incapacidade da polícia de resolver esse problema como deveria”, declara.

André Vieira representou seu veículo durante a cobertura da morte da vereadora Marielle Franco. Ele afirma que, enquanto profissional de comunicação, vê essa crescente violência como algo absurdo. “Outro atentado contra outra figura política. Independente do que a gente pensa sobre a política, o Estado Democrático de Direito implica em debates feitos por ideias, não dessa forma extrema. Pra gente é importante condenar essa violência”, define Vieira.

Desdobramentos

Print da conversa de Whatsapp do grupo “Caravana Contra o Lula 26/03”. Imagem: Reprodução/Brasil de Fato

Ainda na noite de terça-feira, logo após o atentando, a senadora Gleisi Hoffmann se posicionou sobre o ocorrido. “A Caravana é da paz, é democrática”, afirmou. Horas mais tarde, a ex-presidenta Dilma Rousseff emitiu nota em questionando o contexto político que permite ataques a figuras políticas. “Não estamos mais nos anos 50 do século passado, ou na ditadura militar, quando a eliminação física de adversários políticos era uma constante no Brasil e na América Latina. Essa prática não pode ser tolerada”, declara Dilma. Em seu perfil no Facebook, Lula também se manifestou, afirmando que está presenciando um movimento longe de ser política. “Se eles acham que fazendo isso vão nos assustar, vão só nos motivar a fazer muito mais.”

No final da noite, conversas de dois grupos de Whatsapp intitulados “Foz contra Lula 26/03” e “Caravana Contra Lula 26/03” foram divulgadas, mostrando manifestações de membros que incitavam agressão com armas de fogo aos membros da caravana. Na manhã da quarta-feira (28), o Ministério Público do Paraná acolheu denúncia que apresentava as conversas anexadas, indicando que os participantes poderiam ser suspeitos no processo.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Paraná, um inquérito policial foi aberto e o laudo da perícia deve ser concluído nos próximos dias. A Secretaria informa, ainda, que a segurança foi reforçada até o final da caravana, em ato em Curitiba (PR), a partir das 17h. 


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