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4 de março de 2019
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13:49

Estudantes da UFRGS criam solução para contaminação de glifosato em água e buscam financiamento para projeto

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Sul 21
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Segundo a estudante Deborah Schafhauser, a equipe foca em uma abordagem multidisciplinar, que objetiva levar o projeto para além do laboratório e atingir o cotidiano do agricultor. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

Na terça-feira (26), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou o resultado da sua reavaliação toxicológica do glifosato, o agrotóxico mais usado do Brasil e no mundo. O parecer da área técnica é de que ele pode continuar sendo permitido no país, já que, na avaliação da agência, não há evidências científicas de que ele cause câncer, mutações ou má formação em fetos.  No entanto, propõe algumas restrições à substância, como a proibição da venda para uso doméstico de forma concentrada – já que o agente químico é tóxico se a pessoa for exposta a uma quantidade muito grande de uma vez.

A decisão final sobre a regulação do glifosato, no entanto, só será tomada após o período de consulta pública que a agência abrirá por 90 dias para que a sociedade possa se manifestar. Segundo o Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil, de autoria da professora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), o glifosato é o principal ingrediente ativo de diversos agrotóxicos usados em plantações e jardins. São 110 produtos com a substância comercializados no Brasil, produzidos por 29 empresas diferentes. Em 2017, cerca de 173 mil toneladas de produtos com glifosato foram usadas no país.O glifosato tem concentração 5 mil vezes maior na água potável em território brasileiro do que na União Europeia. Em algumas praças e parques públicos, ele é utilizado para capinar. Por que é seguro aqui e não é lá fora? Segundo a pesquisadora, a legislação mais flexível no Brasil faz com que seja concedida a liberação de uso para 30% dos agrotóxicos proibidos na União Europeia.

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Na tentativa de amenizar esse impacto, um grupo de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se uniu para pensar em alternativas. Composta por 17 estudantes dos cursos de Biotecnologia, Biologia, Jornalismo, Engenharia Física e Design de Produto, a equipe foca em uma abordagem multidisciplinar, que objetiva levar o projeto para além do laboratório e atingir o cotidiano do agricultor. “Estamos estudando qual será a melhor maneira de abordar esse produtor rural. Entendemos a importância econômica do glifosato, não defendemos que ele deixe de ser usado em sua totalidade. Mas, ao mesmo tempo, existe um excesso. Queremos criar uma consciência sobre isso e, ao mesmo tempo, fornecer algo que ajude o produtor e o ambiente a longo prazo”, explica a estudante de Biotecnologia Deborah Schafhauser, uma das integrantes da equipe.

Deborah faz parte do núcleo de comunicação do projeto. Segundo ela, a ideia surgiu após a provocação da International Genetically Engineered Machine Competition (iGEM). A iGEM ocorre dentro do MIT (Massachusetts Institute of Technology) uma das instituições de maior prestígio no campo da pesquisa em biologia sintética. “A competição é composta por ciclos. Após a inscrição, e com a confirmação da participação, podemos ter acesso a material que vão ajudar na pesquisa, como reagentes e partes biológicas”, explica.

O processo, no entanto, é financiado pelos próprios participantes. Por conta disso, o grupo iniciou uma campanha de financiamento coletivo para conseguir apoiadores que acreditam na ideia e possam, de forma colaborativa, contribuir para que atinjam a meta. Até o momento, a equipe conquistou pouco menos de 30% da meta total – que deverá ser atingida em até 20 dias. “Acreditamos na importância do que estamos fazendo, é algo que também é reconhecido por quem já nos apoiou e por quem pode nos apoiar”, afirma Deborah.

O projeto

Chamado de GlyFloat, o produto desenvolvido pela equipe consiste em um filtro-boia com microrganismos programados biologicamente para degradar resíduos de glifosato na água. “Ao fazer a inscrição, percebemos que não havia nada sendo desenvolvido para atacar, especificamente, a disseminação de agentes químicos na água. Percebemos a importância disso e decidimos desenvolver algo a partir da incidência do glifosato”, conta Vitória Xavier, participante do grupo e estudante de Engenharia Física. “Esses genes, que podem ser produzidos em bactérias, são transformados em peças de lego. Elas se encaixam e formam uma estrutura, construindo um organismo sintético”, exemplifica Deborah.

Analisando soluções, o grupo descobriu que existe uma maneira de combinar esses organismos e produzir uma bactéria segura e capaz de usar esse glifosato como fonte de nutriente para ela mesma. “Ela consegue limpar esse produto da água, assim como seus derivados também tóxicos’’, complementa. De acordo com Vitória, a bactéria é controlada para que não saia do filtro e prejudique o meio ambiente. “Todo genoma, toda a estrutura dessa bactéria, foi gerada em laboratório. É algo mais fácil de trabalhar e que pode nos render mais resultados. No iGEN, um time não compete com o outro. Competimos com nós mesmos para atingir metas. A proposta é que outros times também se aproveitem do que desenvolvermos”, completa.

A competição faz parte de um dos mais concorridos programas da International Genetically Engineered Machine, fundação independente sem fins lucrativos dedicada à educação e à competição, ao avanço da biologia sintética e ao desenvolvimento de uma comunidade científica aberta e colaborativa. Os resultados dos trabalhos serão apresentados em Boston, Estados Unidos, entre 31 de outubro e 4 de novembro de 2019. Nenhuma equipe do Rio Grande do Sul participou, até o momento, do evento. No entanto, equipes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) já representaram o Brasil.

Protótipo tridimensional do filtro desenvolvido pela equipe. Imagem: Divulgação

Mulheres na ciência

“É um sonho poder ter a capacidade de levar o teu trabalho para um evento tão grande. Para além disso, difundir a ciência do Brasil e o nosso trabalho como pesquisadoras”, explica Deborah. Deborah e Vitória são duas das sete mulheres que compõem a equipe. “Existe uma invisibilidade muito grande do trabalho da pesquisadora.

Além disso, somos vistas como menos confiáveis, com menos credibilidade. Um homem apresentando um projeto vai ser questionado de forma diferente do que uma mulher. Essa é a nossa dificuldade ao ocupar esses espaços tradicionalmente masculinos. Muito mais do que estar ali é merecer crescer ali dentro”, define a estudante de Biotecnologia.

Para Vitória, poder criar dentro da equipe e ter a possibilidade de ir para o iGEM é “mostrar que batemos de igual para igual e conseguimos alcançar algo verdadeiramente grande”. “O que desenvolvemos é de livre acesso, para democratizar ao máximo o que estamos produzindo”, acrescenta.

“Desenvolvemos isso desde outubro de 2018. Abrimos mão das nossas férias. Estamos empolgados. É algo que nos motiva e nos move. Afinal, temos a possibilidade de dar mais segurança pra quem lida com glifosato”, resume Deborah.

Vitória Xavier, estudante de Engenharia Física e participante do projeto. Foto: Guilherme Santos/Sul21

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