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24 de outubro de 2018
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13:51

Conversas Cidadãs debate uso de agrotóxicos: ‘estamos aniquilando a nós mesmos’

Por
Luís Gomes
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Larissa Mies Bombardi foi a palestrante desta terça do Conversa Cidadãs | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

“Estamos aniquilando a nós mesmos”, é assim que a pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), define os atuais níveis de consumo de produtos químicos na agricultura brasileira. Autora do atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, Larissa foi a palestrante da noite de terça-feira (23) do Conversas Cidadãs, evento realizado em parceria entre o Sul21 e o Instituto Goethe.

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Instigada pelo mediador e editor do Sul21, Marco Weissheimer, sobre a importância da discussão sobre agrotóxicos no Brasil atual, a pesquisadora destacou que este é um tema central na conjuntura política brasileira, tanto no presente, quanto para o futuro, pois os eleitores que vão às urnas no domingo (28) também estarão decidindo pelo modelo de agricultura e de regulação de agrotóxicos que terão pela frente. Salientando que a próxima composição do Congresso estará fortemente ligada a setores que defendem o agronegócio – e que mesmo uma vitória de Fernando Haddad (PT) não garantiria um futuro próximo positivo para o setor -, Larissa acredita que uma eventual vitória de Jair Bolsonaro (PSL) daria ainda mais poder ao grupo que tem se caracterizado por defender o lobby dos agrotóxicos.

Ao abrir sua palestra, a pesquisadora disse que costuma tomar emprestada uma frase do escritor uruguaio Eduardo Galeano, tirada do livro “Veias Abertas da América Latina”, para explicar a importância da discussão sobre agrotóxicos: “A autodeterminação começa pela boca”. Para a professora, pensar a autodeterminação nesses termos é um dos grandes desafios sociais modernos e um verdadeiro “ato político”, dado que não se pode pensar a produção do alimento sem levar em conta a distribuição fundiária do País.

Área ocupada por monoculturas no Brasil equivale a várias vezes o tamanho de países como Bélgica e Portugal | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Larissa aponta que, a partir dos anos 2000, o Brasil voltou a ser extremamente dependente do agronegócio, com os produtos primários passando os manufaturados na pauta de exportações. “Sete dos 10 produtos mais exportados vêm do agronegócio”, diz. Ela destaca que a maior parte desses produtos exportados são produzidos em monocultura. Aponta, por exemplo, que a área cultivada pela monocultura de eucalipto no Brasil é equivalente a duas vezes e meia o tamanho da Bélgica e quase uma vez o tamanho de Portugal. No caso da cana de açúcar, essa monocultura ocupa uma área equivalente a três vezes e meia a Bélgica. Já a soja, que ocupa 33 milhões de hectares, sendo a maior monocultura do País, ocupa um espaço equivalente a 11 Bélgicas.

O atlas informa que, entre 2002 e 2016, a produção de soja quase dobrou no Brasil. Outra monocultura, a da cana de açúcar, também apresentou um aumento expressivo, enquanto foram reduzidas as áreas destinadas à produção de arroz, feijão, trigo e mandioca. “A gente tira do alimento o valor de uso e atribui o valor de troca. É isso que a gente tem vivido, o que impacta tanto a questão da saúde humana, como ambiental”, diz.

Além de a pauta exportadora levar a uma maior concentração em produtos oriundos da monocultura em detrimento de alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, também traz de arrasto o fato de que são produções que demandam maior uso de agrotóxicos. De todo o agrotóxico produzido no Brasil, 52% é vendido para ser utilizado em lavouras de soja. “O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxico, consome um quinto de tudo que é vendido no mundo. E a gente vem numa escalada muito grande desse consumo. Em 15 anos, mais do que dobrou”, diz.

Ela destaca que, entre 2007 e 2014, o Ministério da Saúde registrou 25 mil notificações de contaminação por agrotóxico, sendo 2.181 delas em crianças. Contudo, ela diz que o próprio ministério considera que apenas um a cada 50 casos de intoxicação são notificados, o que levaria a uma estimativa de 1,2 milhão de casos no período. Nestes oito anos, foram registradas 1.186 mortes por intoxicação, ou uma cada dois dias e meio.

Atlas produzido por Larissa traz à tona a realidade do envenenamento por agrotóxicos no Brasil |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Envenenamento 

Outro dado presente no levantamento de Larissa é que um terço dos agrotóxicos vendidos no Brasil são proibidos na União Europeia. Ela destaca que o produto mais popular, o Glifosato, que tem mais de 194 milhões de toneladas vendidas ao ano no País, será proibido na França a partir de 2022 e é considerado potencialmente cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Outros dois que contam entre os mais vendidos no Brasil já são proibidos na UE, sendo o Acefato (3º mais vendido) vetado desde 2003, mas liberado por aqui mesmo com a Anvisa tendo produzido uma nota técnica apontando que trata-se de um produto neurotóxico e provavelmente cancerígeno.

Essa tolerância maior no Brasil também se reflete nos índices permitidos de resíduos de agrotóxicos em outros produtos. Por exemplo, o café vendido no Brasil pode conter um índice de resíduo de Glifosato 10 vezes maior do que na UE. Na cana de açúcar, a tolerância é 20 vezes maior. Na soja, 200 vezes maior. Na água potável, 5.000 vezes maior. “Se uma criança de 20 kg ingerir 200 g de soja num dia, ela terá extrapolado em 20% o que seu corpo poderia consumir”, diz.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

A professora salienta ainda que o chamado PL do Veneno, que tramita no Congresso Nacional, pode desregulamentar ainda mais o mercado de agrotóxicos. “Hoje, para aprovar um novo agrotóxico, é preciso a liberação dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Saúde. Se o projeto passar, a autorização dependerá só da Agricultura”, diz, acrescentando ainda que uma das medidas propostas prevê a autorização provisória sem precisar passar nem mesmo por uma avaliação técnica, desde que tenha sido autorizado previamente em três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Se, de um lado, a gente tem na OCDE países da União Europeia e o Japão, que são rigorosos, temos também o México, o Chile e a Turquia, que são bem ruins nesse sentido”, diz, ao explicar o que pode acontecer.

Na segunda parte do Conversas Cidadãs, foi exibido o documentário “Substantivo Feminino”, que conta a história de 30 anos de ativismo e luta de Giselda Castro e Magda Renner, que ajudaram a pautar a Constituinte de 1988 e a mudar a forma como se discutia meio ambiente no Brasil.


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