Geral
|
11 de fevereiro de 2019
|
18:41

Exposição ‘Santificados’, boicotada em Caxias do Sul, é alvo de ‘protesto religioso’ em Porto Alegre

Por
Sul 21
[email protected]
Os manifestantes se reuniram em frente ao Espaço 900. Foto: Aline Medeiros/Divulgação

Giovana Fleck 

Em exposição no Espaço 900 desde janeiro, as obras que compõem a coleção ‘Santificados‘, do artista Rafael Dambros, provocaram a ida de um grupo de 18 pessoas até o local para rezarem em protesto contra a exibição dos quadros. A manifestação ocorreu por volta das 17h do domingo (10). O Espaço 900 não costuma abrir aos domingos; no entanto, um dos proprietários do local, Thiago Braga, comemorava seu aniversário no interior da casa em evento fechado para amigos.

Segundo Braga, o grupo teria se reunido a partir de vídeo publicado no canal de Bernardo Küster no dia 4 de fevereiro. “Aquilo tudo é só vaidade, luxúria e péssima qualidade”, diz Küster em um de seus comentários mais amenos sobre as obras. Chamando os apoiadores da exposição de “inimigos de Deus”, ele pede que católicos reúnam um grupo para “rezar um terço por uma semana ou 10 dias”. “Você vai lá na frente, junta um grupo de 10, 12 caras… Tem que ter cara forte, se vier gente dando porrada vocês têm que devolver na porrada, entendeu?”.

Leia mais:

“A arte é sempre a primeira coisa a ser atacada”, diz artista de exposição boicotada em Caxias do Sul
Ativistas LGBT protestam contra fechamento de exposição no Santander e por visibilidade
Grafites nos muros do Instituto Goethe amanhecem violados

No entanto, não foi o que aconteceu. Braga e sua sócia, ambos criados dentro do catolicismo, foram até a frente do bar e rezaram o terço junto com o grupo.  “Alguns ficaram irritados, outros, surpresos”, conta. Braga afirma que não frequenta mais a comunidade católica. Ainda assim, se dispôs a permanecer com o grupo e rezar até o final das 50 contas dos terço. “Mesmo com a chuva, permanecemos ali. Quando terminaram, jogaram água benta no prédio.”

A sócia de Braga agradeceu a vinda do grupo. Um dos homens reagiu, questionando os dois sobre o caráter artístico da exposição. “Isso não é religião”, teria dito. “Não é mesmo, isso é arte”, respondeu Braga.

As obras são resultado de quatros anos de pesquisa do artista, que afirma querer questionar iconografias católicas fazendo uma releitura da figura de santos como mártires. A nudez retratada seria, para o artista, uma forma de explicitar o que não se pode esconder. A exposição chegou a ser apresentada na Universidade de Caxias do Sul, no Museu dos Capuchinhos e na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Neste último local, sofreu boicote de um dos vereadores, Renato Nunes (PR).

A permanência da exposição passou a ser debatida por outros vereadores e pelo próprio prefeito da cidade. No final, as obras acabaram batendo recorde de visitação.

‘Santificados’ foi mais uma manifestação artística alvo de manifestações de cunho religioso nos últimos anos, no Rio Grande do Sul. Em 2017, a ‘QueerMuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira’ – que contava com obras de Bia Leite e Lygia Clark – foi encerrada após grupos conservadores afirmarem que as obras fariam apologia à zoofilia, à pedofilia e ofendiam a religião cristã.

Em 2018, os muros do Instituto Goethe de Porto Alegre que contavam com grafites dos artistas Rafael Pixobomb e Amaro Abreu, amanheceram violados. Na imagem que representava a cabeça de Jesus Cristo, a frase “Ele ressuscitou” foi escrita, cobrindo o desenho original.

“Quando a arte provoca, ela cumpre seu papel”, resume Braga. “A oração deles não nos agrediu de maneira nenhuma, assim como não procuramos agredir ninguém com a exposição”, finaliza.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora