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23 de maio de 2020
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11:56

Reabertura do comércio: ‘Estamos olhando para ambientes e superfícies quando o risco está na interação’

Por
Luís Gomes
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Bares e restaurantes receberam permissão para reabrir as portas em Porto Alegre na última quarta-feira (20) Foto: Luiza Castro/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Desde a última quarta-feira (20), bares e restaurantes de Porto Alegre têm a possibilidade de reabrir as portas, desde que respeitando as medidas de segurança sanitária impostas pela Prefeitura na última atualização no decreto 20.583, que determinou o fechamento do comércio para o enfrentamento da epidemia do novo coronavírus em março. Mais do que uma discussão sobre o decreto, o que tem se visto nas redes sociais desde então é um debate sobre as atitudes de proprietários que optaram por abrir as portas e clientes que voltam a frequentar esses estabelecimentos, o que levou ao registro de aglomerações em alguns estabelecimentos.

No caso mais notório, circulou na noite de quarta-feira a imagem de uma confraternização que ocorreu na churrascaria Barranco, uma das mais famosas da Capital, que acabou sendo alvo de críticas nas redes. A polêmica fez com que a fiscalização da Prefeitura visitasse o local duas vezes nos últimos dias. Na quinta, uma vistoria não constatou qualquer irregularidade. Já nesta sexta, a Prefeitura divulgou que a churrascaria foi um dos dois estabelecimentos multados por descumprirem o distanciamento mínimo exigido entre as mesas.

Na quinta, a churrascaria havia divulgado um posicionamento sobre a polêmica em que diz que “jamais reabriria as portas para atendimento presencial sem estarmos seguros e confiantes de que as medidas adotadas para a proteção da saúde de nossos clientes foram implementadas de forma correta e atendem plenamente as normas exigidas pelas autoridades governamentais”.

Em conversa com a reportagem do Sul21 nesta sexta, a presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Rio Grande do Sul (Abrasel-RS), Maria Fernanda Tartoni, diz que a entidade viu com bons olhos a liberação para a reabertura, mas ressalta que a preocupação do setor é em alinhar as medidas que ajudem a preservar vidas e os negócios da cidade.

“A gente vem acompanhando, tentando buscar o equilíbrio entre o que é melhor e o que é pior, mas a gente sabe que, nessa pandemia, não existe muito o melhor e o pior, existe o menos pior. Então, a gente tem um olhar positivo em relação à liberação porque dá a opção para o dono do restaurante abrir ou não. A gente não defende abrir ou não abrir, a gente defende a possibilidade do dono do estabelecimento, olhando para o seu negócio, olhando para o seu cliente, para onde ele está, se ele tem possibilidade de cumprir todas as regras para manter a segurança”, diz.

Pelo que pode apurar nesses dois dias desde a liberação para a retomada do setor, Tartoni destaca que há bastante divisão entre os associados da entidade entre três posicionamentos: aqueles que já abriram, aqueles que já definiram que ainda não vão abrir e aqueles que estão esperando mais informações para tomar a decisão. “Existe um grande questionamento sobre o que vai acontecer daqui para adiante. Será que o cliente vai realmente sair de casa? Será que o cliente vai se sentir seguro? Será que os números vão mudar a ponto de ter que fechar de novo? A gente acredita que não, mas é uma possibilidade, sabemos disso”, diz.

Diante da repercussão negativa sobre o registro de aglomerações na cidade, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) disse, em seu perfil no Twitter, que espera contar com o bom senso da população nesse momento, mas, em outro momento, afirmou que pode acabar voltando atrás na liberação. “Se nossas equipes não derem conta das aglomerações ou descumprimentos forem constatados, teremos que retroceder”, escreveu nesta sexta-feira.

 

Tartoni diz que o setor tem confiança de que não será necessário um novo decreto de fechamento dos negócios, mas reconhece que é um temor para o setor. “Se isso realmente acontecer, se a gente tiver que fechar as operações de novo, a mortalidade dos negócios vai crescer. Porque hoje tu tem funcionários suspensos, funcionários com redução de carga horária, negociação de aluguel, negociação com fornecedor. A partir do momento que tu volta a abrir, que tu tira o teu funcionário da suspensão, que o teu locatário vai renegociar contigo e que tu volte a fazer compras, aumenta o estoque, contrai boletos para pagar, se tu tiver que fechar de novo, isso pode vir a realmente quebrar as pernas de muita gente. Então, esse é um dos motivos pelos quais muita gente está pensando se reabre ou não”, diz.

A presidente da Abrasel destaca ainda que uma pesquisa feita com os associados da entidade no final de abril revelou que mais de 60% das empresas tiveram demissões, ressaltando que isso ocorreu mesmo com o programa do governo federal que permite o complemento salarial e a redução de jornadas, com redução salarial. Tartoni aponta que a Abrasel nacional estima que, em razão da pandemia, entre 20% e 40% das empresas do setor irão encerrar suas atividades, mas ressalta que isso dependerá de como evoluirá a pandemia e que ainda é muito cedo para traçar um panorama mais realista do fechamento de negócios.

Sócio do Espaço 900, Thiago Braga diz que opção tomada é por ainda aguardar | Foto: Arquivo Pessoal

Thiago Braga, sócio do Espaço 900, é um dos proprietário que ainda está optando por manter o estabelecimento fechado no momento, mesmo com o risco de ver o endividamento do negócio aumentar. Ele explica que a decisão passa por preferir esperar mais informações sobre o avanço da pandemia do que por cálculos financeiros. “O que falta é a gente ver como vai funcionar o distanciamento controlado para o aumento, manutenção ou diminuição dos casos. Acho que todo mundo que é sério nesse País está inseguro de fazer afirmações sobre o tema, que é complexo e é novo. Eu não tenho resposta para isso e, por não ter resposta, a gente faz a posição por ter um pouco mais de cautela”, diz.

Por outro lado, ele critica o “tribunal das redes sociais” e defende que não é possível julgar quem optou por abrir. “Existem pessoas que estão abrindo com ganância e visando o lucro, e existem comerciantes que só tem como renda o seu negócio e não tem margem para guardar dinheiro. Tem pequenos comerciantes que estão passando por necessidade, então abrir não é um desejo para alguns, mas uma necessidade”.

Quais são os riscos

Para entender quais são os potenciais riscos de agravamento da pandemia com a reabertura de bares e restaurantes, o Sul21 conversou com o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ricardo de Souza Kuchenbecker, que avalia que as medidas de segurança que acompanham o decreto são muito detalhadas do ponto de vista das medidas de higienização, mas que isto não seria a sua maior preocupação no momento.

“A tendência que a gente tem visto são protocolos muito detalhados do ponto de vista de distanciamento social, de trabalhar com taxas de ocupação menores, de evitar aglomeração, mas também muito cuidado com superfícies inanimadas, como mesas, corrimãos, máquina de cartão de crédito. É importante esse cuidado nas medidas de higienização de superfícies, mas isso não tem um papel claramente definido numa epidemia do ponto de vista comunitário ou lugares de circulação pública, como bares, restaurantes, shopping centers ou lojas. O grande risco nesses lugares não está nisso, está no processo de interação entre duas, três, quatro, cinco ou mais pessoas. Aí que é ponto fundamental, as máscaras precisam continuar sendo utilizadas, o distanciamento social precisa acontecer, a separação numa mesma mesa pode implicar risco”, diz, acrescentando que o risco de contaminação com o vírus pelo contato com superfícies é praticamente desprezível.

Questionado sobre o potencial risco de um cenário em que os restaurantes passem a receber aglomerações de pessoas em uma única mesa, como foi o caso das imagens que circularam nas redes sociais, o professor diz que mais importante do que o número de pessoas é o distanciamento que elas conseguem manter entre si.

“Se esse distanciamento é inferior a dois metros ou se há um contato próximo, íntimo, por mais de dez minutos de duração num distanciamento menor do que dois metros, tem risco. A minha preocupação é que nós estamos olhando para os ambientes e para as superfícies, quando, na verdade, o processo é eminentemente interacional entre dois ou mais seres humanos. Eu tenho dúvidas se a gente consegue, durante um evento envolvendo cinco, seis ou oito pessoas, manter permanentemente esse distanciamento. Não sei se temos resposta objetiva para isso”, diz.

Kuchenbecker destaca ainda que o RS e Porto Alegre, de fato, vivem um momento diferente de outros estados mais afetados pelo vírus e que isso, de alguma maneira, permite a “alguma flexibilização” de atividades. No entanto, avalia que, como é uma medida nova, não é possível estimar qual será o impacto da flexibilização.”Mas, a aglomeração de pessoas continua sendo um fator de risco para a transmissão do vírus. Só o tempo vai nos dizer se é possível e seguro”, diz, alertando ainda que o consumo de álcool pode ser um fator de risco a mais, porque vem acompanhado do relaxamento de medidas de proteção.


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