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9 de dezembro de 2019
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11:09

Educação: Governo Marchezan é marcado por enfrentamentos, retirada de autonomia e pouco investimento

Por
Sul 21
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Escola Municipal Liberato Salzano foi criada há 65 com a finalidade de atender a comunidade local. Foto: Leonardo Contursi/CMPA

Adriana Lampert

Penalizadas com o fim da segurança, antes garantida com a guarda municipal, e sobrevivendo sem estrutura física adequada e um quadro de professores que dê conta das aulas regulares, diversas escolas de Porto Alegre estão enfrentando uma situação delicada nos últimos três anos. Destinando poucos investimentos para a Educação, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) tem se empenhado no enxugamento da pasta. Além disso, apresenta projetos que batem de frente com a autonomia das instituições. 

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No início da gestão, o chefe do Executivo decretou uma “nova rotina” que, segundo representantes dos docentes, prejudicou as escolas. “Marchezan retirou dos educadores a possibilidade do planejamento coletivo e da formação em serviço. Acabou por diminuir, na verdade, o tempo dos alunos na escola, a fechar turmas integrais, e demonstrou, com esta proposta, um total desconhecimento do projeto pedagógico, desprezando a autonomia das mesmas”, afirma a diretora administrativa do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Luciane Pereira da Silva. 

Foram inúmeros os protestos contra o prefeito desde o início do mandato. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Segundo a sindicalista, muitos projetos que estavam em andamento nas escolas foram descontinuados por falta de verba, e menor carga horária dos professores. “O governo Marchezan vem desmantelando toda a rede de atendimento à população da cidade (escolas, assistência social e saúde) e isso acaba prejudicando as crianças (de comunidades carentes).” 

Congelamento de salários e de contratações geram situações como as enfrentada na Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha. “Faltam docentes de apoio, que dariam suporte na supervisão, orientação, coordenação de turno, biblioteca e para os professores na sala de aula, aponta o diretor da escola, Flávio Brecher Muller. Também falta gente para ajudar na limpeza”, completa. Em algumas escolas se tornou comum ver equipes de outras áreas se desdobrando para fazer a manutenção física das instituições, pois não há número suficiente de servidores para efetuar esses serviços.

Além de praticamente não convocar professores concursados (para os anos iniciais foram chamados sete docentes em dezembro), em um cenário de escassez de recursos humanos, o prefeito tem focado em terceirizar a administração da escola pública e já conseguiu concretizar o plano na Pequena Casa da Criança, que atende 350 alunos de Educação Infantil e Fundamental. Em palestra para empresários este ano, Marchezan reclamou da legislação federal que regula o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que limita a terceirização nas escolas. 

“No ensino infantil, posso contratualizar com recursos do Fundeb. No ensino fundamental, tem que ser com recursos do Tesouro Municipal, porque, pela lei federal, não podemos libertar os alunos mais pobres de uma escola estatal (de ensino fundamental). Então, estamos contratualizando com recursos do Tesouro. Mas a lei federal do Fundeb precisa ser alterada”, reclamou o prefeito. Defendendo que o governo do Estado “tem a obrigação constitucional de garantir o Ensino Médio”, ele já afirmou que enquanto não atender toda a demanda de Educação Infantil, não irá atuar em outra faixa. 

Esse discurso justificou a determinação do fim das matrículas para ensino médio, oferecido apenas pelas escolas Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha (localizada na Zona Norte) e Emílio Meyer (Zona Sul).  Ambas funcionam há 65 anos e foram criadas com a finalidade de atender jovens trabalhadores que precisavam de um local de estudo próximo de suas moradias.

Diretor da Liberato, professor Flávio Müller. Foto: Leonardo Contursi/CMPA

“Do total de 1,6 mil estudantes, um terço dos alunos (500 do turno da noite) serão atingidos”, calcula o diretor da Dr Liberato Salzano. “São turmas cheias e mesmo assim o governo ignora isso. Ainda que a tarefa do ensino médio tenha caído para o Estado, a Liberato é tradicional e é muito importante para a comunidade da Zona Norte, muito pelo curso técnico que é gratuito (e que também estamos perdendo) e é uma possibilidade para os jovens entrarem no mercado de trabalho. Muitos deles inclusive vêm de outras cidades para fazer o curso, que ocorre à noite.” Ele afirma que várias tentativas de diálogos com o poder público municipal já ocorreram, “mas não se consegue convencer” o governo a mudar de ideia.

Além dos alunos de ensino médio, jovens e adultos atendidos pelos EJAs perderam vagas, com o fechamento de turmas. “O que se sabe através de grupos de gestores é que a redução de turmas de Educação de Jovens e Adultos ocorreu devido ao reduzido número de alunos inscritos”, comenta o professor da rede municipal Rogério Dias Gonçalves. Segundo ele, que atua como docente nos anos finais do Ensino Fundamental e na Eja, a mantenedora argumenta que ocorreu uma migração dos estudantes do diurno com faixa etária de 15 anos para o noturno. “É importante considerar a característica do público das escolas municipais, que atendem na periferia da cidade, onde muitos jovens auxiliam nos cuidados com a família e desde muito cedo precisam contribuir para seu sustento.”

Gonçalves pontua que, como cada região tem seu público, as escolas precisam ser organizadas e oferecer vagas e atividades que contemplem a todos. O docente observa que o conhecimento desse público precisa ser acompanhado e valorizado, a fim de delinear estratégias e ações que o atendam. “Percebe-se a ausência de ampla discussão nesse sentido.” Em relação aos cortes de turmas, e de quadro funcional, o professor avalia que “estão ligados à concepção de Educação que se distanciado que é vivido no dia a dia.”

Reunião Pública no bairro Sarandi para tratar sobre o fechamento de ensino médio e técnico da Emeb. Liberato Salzano Vieira da Cunha. Foto: Débora Ercolani/CMPA

Aumento da violência 

O dia a dia nas escolas do Município tem sido bastante tenso, com professores e educadores adoecendo, segundo a diretora administrativa do Simpa, Luciane Pereira da Silva. “Vivemos ao longo deste período o aumento de casos de violência nas escolas, muito se dando em função da falta da guarda municipal e da falta de uma política de segurança no entorno das escolas.” O problema é enfrentado na Liberato Salzano, garante o diretor, Flávio Brecher Muller. “Falta gente para ficar no portão, durante o horário de entrada e saída. Hoje em dia qualquer um pode entrar, o que é bem perigoso e a escola fica muito aberta colocando alunos, professores, funcionários e pais em risco”, comenta o gestor. “Inclusive, ocorre bastante de entrarem jovens que não são do espaço, e há conflitos neste sentido. Seria simples resolver, bastava colocar um porteiro na entrada da escola.” 

De acordo com a sindicalista, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) “lava as mãos” quanto a isso (procurado, o órgão não respondeu à demanda da reportagem). “O governo tentou fazer um projeto de terceirização de porteiros que não deu certo, então as escolas estão sem nenhum tipo de resguardo da guarda municipal e sem portaria.” O descaso agrava as condições precárias da estrutura física de diversas escolas, onde já ocorrem problemas na rede elétrica, falta de capina, árvores com risco de queda ou com raízes prejudicando o acesso, infestação de ratos e pombos (que levou a uma ação de pais no Ministério Público devido ao risco de proliferação de doenças), redes de esgoto com vazamentos, iluminação precária, falta de estrutura e de acessibilidade para cadeirantes, danos estruturais nos prédios, pracinha para crianças na pré-escola interditada porque o chão está cedendo, equipamentos novos sem instalação, falta de gás nas cozinhas, falta de material escolar básico e falta de uniformes.

Briga com servidores

Na visão da diretora do Simpa, o governo de Marchezan vem promovendo “um desmonte” na Educação, que tem como objetivo a privatização. “Nem o prefeito nem o secretário (Adriano Naves de Brito) escondem de ninguém que acreditam que a educação deve ser privada, o que é um grande absurdo.” Luciane reclama da “total falta de diálogo com os profissionais de educação e uma total falta de respeito com os conselhos escolares”. Isso tem levado à mobilização dos municipários em defesa do serviço público, e da educação inclusiva e de qualidade.  Foram duas greves de 40 dias e outras menores, desde que o prefeito assumiu. 

A briga com os representantes dos servidores públicos da área de educação alterou ânimos e, durante uma palestra na Federasul, Marchezan declarou encerrado o diálogo com Simpa e chamou os sindicalistas de “criminosos”. A relação do Executivo de Porto Alegre com a entidade se deteriorou ao longo de dois anos, por conta das tentativas do Paço Municipal de aprovar o projeto que retirou direitos dos servidores, alterando o plano de carreira, extinguindo a gratificação de 15% e 25% aos municipários que completam 15 e 25 anos de trabalho, respectivamente. O projeto também modificou o aumento de 5% a cada três anos, concedendo 3% a cada cinco anos. 

Desentendimentos com os municipários marca a gestão Marchezan. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O que é evidente, desde o início da gestão Marchezan, é a ausência de diálogo por parte da Prefeitura”, reforça Luciane. “As ações autoritárias no ambiente de ensino, por outro lado, se tornaram comuns, como a alteração das rotinas escolares, a retirada do tempo de planejamento, acusações de corporativismo, além de alterações na carreira e ausência de reajuste salarial nos últimos três anos”, resume. 

Apesar de ainda não ter saído do papel, uma nova ação do governo já indigna a comunidade escolar: em novembro, às vésperas de iniciar o processo de eleição direta para diretores de escola, como prevê a lei desde 1993, o governo enviou um Projeto de Lei (PLE 20/19) à Câmara de Vereadores, em regime de urgência, mudando as regras de escolha de diretores e modificando o princípio da gestão. A pauta deveria ser votada no último dia 4, mas não foi por falta de quórum.

A proposta de Marchezan altera a proporcionalidade dos votos da comunidade escolar, reduzindo o peso dos votos de professores na escolha da direção. Entre as alterações, também está a destituição de diretores nos cargos se a escola não conseguir resultado de proficiência, seguindo as médias do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ou provas oficiais. Se a escola não conseguir as metas esperadas, terá que haver um referendo da comunidade escolar para manutenção ou não da direção.

“Atribuir a responsabilidade do desempenho dos alunos ao diretor é um tema controverso, que no mínimo exige diálogo com quem está em sala de aula. É preciso considerar a diversidade de condições para esse resultado, como a falta de professores, ausência de assessoria pedagógica e espaços de formação, desmonte de vários programas educacionais praticado pelo gestor”, observa a diretora administrativa do Simpa, Luciane Ferreira.   Ela destaca que a comunidade escolar resistiu e no dia 21 de novembro foi realizada a eleição de diretores na maioria das instituições.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Municipários, professores e estudantes realizam ato em defesa do serviço público e da educação. Foto: Maia Rubim/Sul21


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