Cidades
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24 de novembro de 2020
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18:12

Em meio à pandemia, TRF4 concede reintegração de posse do Quilombo Lemos

Por
Andressa Marques
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Há dois anos, reintegração de posse no mesmo local foi suspensa. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Nesta segunda-feira (23), a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul publicou em suas redes sociais liminar concedida por desembargadora da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) determinando a reintegração de posse do Quilombo Lemos, que fica em terreno ao lado do Asilo Padre Cacique, em Porto Alegre. A decisão é do dia 20 de novembro, dia da consciência negra, e dá prazo de 45 dias para desocupação voluntária. As famílias, no entanto, ainda não foram notificadas da determinação.

De acordo com a Frente Quilombola, a decisão monocrática atende pedido da direção do Asilo Padre Cacique, após audiência envolvendo um projeto de construção de duas torres em frente ao terreno do Quilombo Lemos, junto à Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por iniciativa da direção do Asilo Padre Cacique.

“O Incra nem iniciou os estudos aqui porque eles alegam que não tem verba para deslocar funcionários até o quilombo”, afirma Sandro Lemos, filho dos fundadores do Quilombo Lemos, Jorge Alberto Rocha de Lemos e de Delzia Gonçalves de Lemos. “São coisas que a gente está atento. A gente sabe que uma coisa liga à outra e que o interesse real do asilo é fazer negócio com esse terreno”, defende.

Em entrevista ao Sul21 em 2019, Sandro já destacava o momento delicado pelo qual passam as comunidades quilombolas no governo Jair Bolsonaro, ao apontar que a lentidão do Incra no processo de titulação enfraquece as comunidades.

O processo de reintegração de posse contra o território teve início em 2008, após o falecimento do fundador Jorge Alberto Rocha de Lemos. A reintegração pode acarretar no despejo de cerca de 28 pessoas que moram no Quilombo Lemos hoje. “Essa decisão nos pegou de surpresa porque foi uma decisão da desembargadora, sendo que o asilo tentou por três vezes a reintegração e foi negado durante o ano em virtude de questões como a pandemia”, afirma Sandro Lemos. “Tem uma recomendação do [ministro] Edson Fachin de não fazer remoção enquanto houver pandemia e isso aí não foi levado em consideração pela desembargadora, mas estamos confiante que ela reconsidere todas essas questões e de fato não se mantenha a decisão da reintegração”, completa.

A deputada estadual Luciana Genro, a deputada federal Fernanda Melchionna e a vereadora Karen Santos, todas do PSOL, junto com a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, solicitaram uma reunião com a desembargadora Vânia Hack, relatora do processo no TRF4, com o intuito de dialogar sobre o despejo dos moradores na ação movida pelo Asilo Padre Cacique.

“O momento pelo qual passamos é peculiar e acentua a gravidade e os impactos de atos executórios de uma reintegração de posse, tendo em vista que vivemos uma pandemia a qual, infelizmente, está longe de ser controlada. Aqui, expomos nossa intensa preocupação com as crianças da comunidade, assim como dos idosos e dos demais quilombolas dos grupos de risco. Em um momento em que ainda o maior isolamento social possível é necessário para preservar a saúde e a vida (os direitos fundamentais constitucionais mais essenciais, pois somente a partir deles os demais direitos podem ser exercidos), manter o território e o teto é absolutamente basilar”, dizem as parlamentares no pedido de reunião enviado à desembargadora.

Sétimo quilombo urbano autorreconhecido de Porto Alegre, o Quilombo Lemos já passou por um processo de reintegração de posse em 2018, mas protocolos triam sido descumpridos e o processo acabou suspenso diante da intervenção da defensora pública Isabel Rodrigues Wexel.

“A gente está mobilizado e como sempre confiando no nosso jurídico, que é muito bom. Confiando que nós vamos reverter essa decisão, sei que temos muitos apoiadores mas temos uma briga grande contra o Asilo Padre Cacique”, diz Sandro.

Procurada, a direção do Asilo Padre Cacique informou “que está estudando a decisão e, neste momento, não se pronunciará sobre o tema”.


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