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22 de maio de 2019
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18:41

Entidades recorrem ao MPF para tentar barrar agrotóxico responsável por mortandade de abelhas

Por
Luís Gomes
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José Renato Barcelos entrega a representação ao procurador Nilo Camargo | Foto: Giulia Cassol/Sul21
José Renato Barcelos entrega a representação ao procurador Nilo Camargo | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Representantes que atuam na causa ambiental entregaram na manhã desta quarta-feira (22), na sede do Ministério Público Federal (MPF) de Porto Alegre, uma representação em que pedem a proibição da pulverização de um agrotóxico identificado como responsável pela mortandade de abelhas no Rio Grande do Sul. O documento [ver ao final] parte do caso de Mata, cidade localizada na região de Santa Maria, em que foram perdidas entre 400 e 500 colmeias na última safra e oferece sugestões para tentar enfrentar o problema.

Leia o especial do Sul21 “O Custo Oculto dos Agrotóxicos”

A entrega da representação foi feita pelo advogado José Renato de Oliveira Barcelos, que coordena uma articulação de pesquisadores e movimentos sociais que atuam pela preservação da biodiversidade do Rio Grande do Sul. Barcelos diz que a ideia é que a ação possa resultar em regulamentação de impacto nacional. “Como as abelhas e insetos são animais que têm proteção da União, essa discussão não se resume a Mata. É uma discussão que pode ser federalizada, a exemplo do que o Ministério Público Estadual já fez ao abrir um inquérito civil para investigar. Nós entendemos que o problema é federal. Tem que haver um concerto entre as duas esferas do Ministério Público para que a gente possa, talvez, ter uma decisão nacional através de uma ação civil pública do MPF que suspenda o uso do fipronil em território nacional”, diz.

Barcelos destaca que o caso de Mata é exemplar porque lá foi comprovado o nexo causal — a relação entre o fato e o dano — entre o uso do agrotóxico fipronil e casos de contaminação. “Tem dois laudos robustos do ponto de vista técnico-científico, um do Lanagro, o laboratório oficial do estado que examina esse problema de contaminação, e o laboratório do Larp (Laboratório de Análise de Resíduos de Pesticidas), da Universidade de Santa Maria, apontando para a mesma direção. O fipronil hoje é o responsável número pela mortandade das abelhas e pela contaminação ambiental”, diz. Os laudos também apontaram que 50 pessoas que foram atendidas com sintomas de intoxicação tinham sido contaminadas pelo fipronil.

Leonardo Melgarejo, vice-presidente para a Região Sul da Associação Brasileira de Agroecologia, destaca que o caso de Mata é relevante por causa da identificação da contaminação a partir da análise de resíduos e contaminantes por laboratórios independentes, mas que o problema da mortandade de abelhas é generalizado. “Nós poderíamos obter constatações semelhantes em todos os outros locais. Ele é maior, inclusive, do que se pode imaginar se nós levarmos em consideração que a vida pulsa na primavera, quando surgem insetos e animais de todo o tipo. Alguns insetos, considerados indesejáveis, vão ser mortos por veneno e atingem outros que são desejáveis e necessários. Oitenta por cento da produtividade se atribui aos polinizadores, às abelhas. Então, matar uma lagarta que come 15% da lavoura e ao mesmo tempo matar uma abelha que é responsável por 80% da produção é uma estupidez”, diz.

Leonardo Melgarejo | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Melgarejo explica que os inseticidas associados à morte de abelhas, como o fipronil, costumam ser aplicados na primavera, período de nascimento de diversas espécies de insetos, o que amplifica o problema. Por outro lado, é uma janela de oportunidade para que ações sejam tomadas e possa se reduzir os problemas de contaminação registrados na última safra. “O agricultor deve caminhar na lavoura e vai identificar uma pequena população de insetos que deve ser controlada antes de explodir populacionalmente. Isso é possível em lavouras pequenas, mas em grandes áreas lavouras o agricultor não consegue caminhar para identificar o foco de manifestação e controlar antes dele se expandir a ponto de causar dano. Isso faz com que ele tome medidas preventivas. Ele aplica o inseticida, por via das dúvidas, em toda a área”.

No entanto, ele também alerta que, mesmo em casos em que o uso do fipronil não ultrapassa os limites estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), há um grande risco de contaminação pelo uso combinado de agrotóxicos, mas a legislação brasileira não estabelece limites para esse uso combinado, o que existe, por exemplo, na União Europeia. “A análise de um produto muito perigoso, como é o caso do fipronil, pode identificar níveis abaixo do considerado danoso. Ainda assim existiram outros, que mesmo sendo identificados abaixo do nível de toxicidade perigosa, combinados com o fipronil geram a morte. Todos eles vão parar na água e nos indivíduos. Existem estudos que mostram contaminação de bebês por agrotóxicos no Brasil. Com um bebê se contamina por agrotóxico? As hipóteses incluem o mel que a mãe bota na chupeta no momento em que nasce os dentes para o nenê parar de chorar. Incluem a água que a mãe bebe e vai para o leite que a mãe toma. Chega na água e no mel de alguma de maneira, mas é resultado de um modelo de desenvolvimento da agricultura que é equivocado sob o ponto de vista da vida, da sociedade como um todo”, diz Melgarejo, que defendeu que é preciso que limites sejam estabelecidos para esse uso combinado de agrotóxicos.

Responsável por receber a representação, o procurador Nilo Marcelo de Almeida Camargo, que coordena o Núcleo Ambiental da Procuradoria da República, destaca que a participação popular em denúncias é fundamental na área ambiental. Ele destaca que o MPF conta apenas com um biólogo para todo o Rio Grande do Sul, o que dificulta na análise de denúncias de contaminação por agrotóxico. “Nós não temos como abranger todos os fatos que ocorrem na sociedade, então é importante que ela nos traga as demandas, o que está ocorrendo, para que a gente possa atuar”, diz. Ele disse que a documentação será analisada e avalia que, havendo a confirmação da contaminação, o caso se tornar emblemático para a defesa do meio ambiente.

Uma das sugestões da representação é que seja criado um “polígono de exclusão” em Mata e nas cidades vizinhas em que seja proibida a pulverização aérea de fipronil. A ideia é que, uma vez estabelecida essa área de restrição, que já existe em outras cidades, como Pelotas, ela possa ser ampliada para regiões. “Isso entra em acordo com medidas que o MP-RS já está tomando com relação ao 2,4-D, que é outro agrotóxico importante”, diz. As entidades querem que o MPF instigue a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), órgão estadual responsável por esse regramento, a estabelecer esses polígonos de exclusão.

O debate sobre os impactos do uso de agrotóxicos na cadeia da soja em outras culturas tem ganhado força no Estado. Nas últimas semanas, audiências públicas debateram o tema, contando inclusive com apoio de deputados de partidos que nunca foram adeptos de restringir o acesso a agrotóxicos, como o PP. A partir dos prejuízos sofridos na última sofra, produtores de uva, maça e oliveiras, entre outras culturas, têm se mobilizado para cobrar que o Estado atue para regular o uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras de soja. “Tem que ter um freio, porque senão tu acaba contaminando a biodiversidade inteira. Quanto mais se rompe a biodiversidade para estabelecer as lavouras, a produtividade tende a baixar, porque cai a polinização. E para compensar isso se planta mais lavouras”, diz Barcelos.

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