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27 de março de 2019
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10:30

Após operação da PF e mudança na gestão, Cais Mauá fala de planos para ‘Fase Zero’ da revitalização

Por
Luís Gomes
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Área do entorno do A7 irá abrigar projeto do Marco Zero, instalações temporárias a serem implementadas em 2019 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Após um longo período de silêncio, o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A. começou nos últimos dias a dar respostas sobre o andamento das obras de revitalização da área portuária de Porto Alegre. Em conversa exclusiva com o Sul21 na última segunda-feira (24), o novo presidente da empresa, Eduardo Luzardo, explicou que a revitalização irá começar com a liberação, ainda este ano, de instalações temporárias de lazer, entretenimento e gastronomia, chamadas de Marco Zero, que serão empregadas em uma estratégia para atrair investidores para realizar a restauração dos armazéns do antigo cais de Porto Alegre, sem prazo e ainda sem recursos.

Em 5 de dezembro de 2017, a Prefeitura de Porto Alegre entregou a licença de instalação ao consórcio Cais Mauá do Brasil S.A., autorizando o grupo a realizar as obras de revitalização dos antigos armazéns portuários da cidade. Três meses depois, em 1º de março de 2018, o governo do Estado assinou a ordem de início dos trabalhos, que começariam quatro dias depois, no dia 5. As obras, no entanto, nunca começaram. Foi iniciado um processo de limpeza da área, mas, em abril, foi deflagrada a Operação Gatekeeper da Polícia Federal para apurar desvios em fundos de investimentos com aplicações em projetos de construção civil. Um dos alvos da PF foi justamente o Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil, responsável por 90% dos recursos captados para o investimento nas obras do Cais Mauá.

Nessa época, o fundo era gerido pela Reag Investimentos, que encaminhou no segundo semestre do ano passado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) uma carta de renúncia da gestão do F.I.P. Em seu lugar, assumiu a empresa LAD Capital, especializada na gestão de ativos estressados, isto é, projetos com problemas, como é o caso do Cais Mauá, que estabeleceu uma nova política de governança interna, um novo conselho e apontou uma novo executivo para o consórcio. “Se tu pegar na área privada, tu tem empresas especializadas em pegar empresas cheias de problemas, arrumar elas e vender. Quem trabalha com ativo estressado tenta readquirir para a empresa credibilidade para trazer atratividade. Com atratividade, trazer investimentos”, explica Eduardo Luzardo.

O problema é que o governo do Estado, responsável por licitar a revitalização do Cais Mauá, e a Prefeitura de Porto Alegre, por dar as licenças ambientais, nunca admitiram que o projeto esteve em risco, inclusive de nunca sair do papel. É Luzardo quem admite isso pela primeira vez. “A LAD foi a única gestora que surgiu interessada nesse projeto. O que teria acontecido se não tivesse aparecido? A CVM teria extinto o fundo. Todo o dinheiro que teoricamente está lá, ia ser dado como não existente, acabou o fundo. Tu que trabalhou 20 anos na prefeitura perdeu o dinheiro. A LAD surgiu porque é especializada em ativos estressados, olhou como uma oportunidade. Pô, eu acho que é um projeto sensacional, acho que podemos recuperar esse negócio”.

Projeto do Marco Zero conforme apresentação do chamado Cais Mauá do Brasil S.A. | Foto: Divulgação/Cais Mauá do Brasil
Foto: Divulgação/Cais Mauá do Brasil

Essa mudança na gestão do fundo implica uma mudança na captação de recursos para a revitalização das obras. Desde que o consórcio foi formado até a deflagração da operação Gatekeeper, o consórcio arrecadou R$ 130 milhões por meio do F.I.P, grande parte oriunda de fundos previdenciários de servidores de prefeituras e de câmaras de vereadores do Brasil, como da cidade de Palmas, capital do Tocantins. Desse montante, cerca de R$ 40 milhões foram aplicados nas despesas correntes do consórcio desde sua abertura em 2010, como para a elaboração dos projetos de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), entre outras. Somente os gastos atuais com segurança da área do Cais Mauá — hoje de acesso controlado pelo consórcio — estariam na casa dos R$ 100 mil. Já os demais R$ 90 milhões estão indisponíveis justamente por causa das investigações da Polícia Federal. Isto é, na prática, não existe dinheiro do consórcio para tocar as obras de revitalização, orçadas em R$ 90 milhões, e que, segundo o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) anunciou em março de 2018, deveriam ficar prontas em um prazo de dois anos. Não vão.

Mudança de estratégia

Ao assumir o controle do projeto problemático do Cais Mauá, a LAD Capital resolveu mudar a forma de captação de recursos para tocar as obras. Em vez de contar com investimentos de fundos previdenciários, ela voltou seu olhar para empreendedores privados que queiram colocar seus negócios em um dos 11 armazéns tombados que serão revitalizados, o que antes era uma etapa a ser realizada após a conclusão da revitalização desses armazéns, a chamada Fase 1 do Cais Mauá.

Marcações para vagas de estacionamento já estão sendo colocadas ao lado da Usina do Gasômetro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para isso, a LAD desenvolveu o projeto do Marco Zero, o que Luzardo chama de Fase Zero da revitalização. Esse projeto constitui na construção de estruturas temporárias para abrigar cerca de 16 operações de lazer, entretenimento e gastronomia na área do entorno do armazém A7 — não tombado — e 600 vagas de estacionamento divididas entre uma área ao lado da Usina do Gasômetro e outra junto a Av. Presidente João Goulart, externa ao muro da Mauá, totalizando uma área total de 40 mil m². Quando pronto, a ideia é que o Marco Zero seja praticamente uma extensão da Orla do Guaíba.

O projeto foi apresentado para a Prefeitura em 14 de janeiro, com as licenças aprovadas no dia 8 de março. No início de fevereiro, o prefeito Marchezan anunciou que o Marco Zero ficaria pronto para o aniversário da cidade, comemorado nesta terça-feira (26). “Vai ser um gostinho de como é bom vencer a burocracia”, disse o prefeito em almoço na Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), ignorando assim o histórico de fraudes e de problemas causados pelo próprio consórcio.

Luzardo explica que a Cais Mauá do Brasil não conseguiu cumprir o prazo de 26 de março e deverá, em abril, fazer um evento de lançamento do Marco Zero, com a apresentação de um cronograma de inauguração para as operações. Ele prevê o espaço todo será aberto à população no início do segundo semestre de 2019. “Setembro é início do segundo semestre”, diz.

Os investimentos para as operações comerciais e de lazer do Marco Zero estão sendo captados e feitos pelas empresas DC Set e Tornak Participações e Investimentos. O estacionamento ficará sob administração da Estapar Estacionamentos. Para garantir o retorno a esses investidores, o Cais Mauá do Brasil dará um prazo de quatro anos para as instalações temporárias. Após esse período, no qual o consórcio espera concluir a revitalização dos armazéns, é que seria iniciada a construção do shopping, a Fase 2 do projeto.

Luzardo diz que a ideia é usar o Marco Zero para ajudar a atrair os recursos que serão utilizados para a revitalização dos armazéns. “A nossa estratégia é, se eu conseguir empreendedores que queiram botar o seu dinheiro, eu prefiro. A gente já está conversando com BNDES e BRDE para financiar esses caras e não esperar todo o tempo do restauro, dois anos, para a comercialização”, diz. A ideia então é que os armazéns sejam revitalizados à medida que apareçam interessados em colocar uma operação comercial no Cais Mauá. “Imagina isso aqui com vários restaurantes, a gente sentado aqui no final de semana, tomando uma cerveja, e tu é um empreendedor. O Marco Zero lotado, tu olha para um armazém e diz: ‘Eu adoraria colocar o meu negócio aqui'”, prevê Luzardo.

Pelo contrato de concessão firmado com o governo estadual, é o consórcio quem tem o poder de permitir a instalação nos armazéns revitalizados, mediante apresentação de projeto por parte de interessados e aprovação do Cais Mauá. Na visão de Luzardo, os primeiros interessados em revitalizar um armazém irão estimular os próximos, e assim até que todos sejam revitalizados.

Estratégia da LAD Capital é utilizar o Marco Zero para atrair investidores para a restauração dos armazéns tombados. O A7 servirá de suporte às instalações, mas sua demolição segue nos planos | Foto:

O presidente do consórcio diz que já há investidores interessados e que a LAD vem conversando desde o final do ano passado com fundos internacionais, investidores privados de São Paulo e do Rio Grande do Sul que já teriam demonstrado interesse. O problema que ele aponta que ainda precisa ser resolvido está no prazo de concessão do governo do Estado para a operação comercial da área do Cais Mauá, de 25 anos, mas agora em 18 anos. Ele afirma que está em negociações com o governo estadual, por meio da Secretaria de Logística e Transportes, para que o prazo seja estendido. Luzardo preferiu não se aprofundar sobre o andamento das tratativas, mas diz que há interesse mútuo em chegar a um acordo sobre a questão e que em breve o governador Eduardo Leite (PSDB) deve ser envolvido nas tratativas.

Já a secretaria, ao ser procurada pela reportagem, respondeu por meio de nota que as tratativas sobre a questão ainda não são objetivas. “A Secretaria de Logística e Transportes do Estado esclarece que o contrato com a empresa Cais Maiá do Brasil foi celebrado em 22 de dezembro de 2010. Entretanto, houve a assinatura de um termo aditivo em 6 de março de 2012, iniciando nesta data a contagem oficial do prazo de 25 anos do contrato que está vigente. Não há nenhuma tratativa objetiva de prorrogação desse contrato de arrendamento”, diz a nota.

Otimista, Luzardo diz que a não prorrogação do prazo não inviabiliza a revitalização, mas reconhece que se trataria de um empecilho. “Nós estamos buscando a ampliação porque isso facilita muito mais”, afirma.

Primeiras respostas

A aparição de Luzardo como uma nova cara pública do consórcio Cais Mauá representa, sem dúvida, uma medida que dá mais transparência a um projeto tão importante para a cidade de Porto Alegre e tão envolto em segredos. A empresa também voltou a permitir o acesso de jornalistas e repórteres fotográficos ao local. O novo executivo diz ainda que, em janeiro, recebeu os representantes dos fundos previdenciários que compõem o F.I.P., isto é, os principais investidores até o momento, para uma visita ao cais, o que nunca tinha acontecido.

É a primeira vez que a reportagem do Sul21 recebe autorização para fazer fotos da área interna do Cais Mauá desde a autorização para início das obras | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Contudo, ainda pairam uma série de questões em aberto. Uma delas diz respeito às próximas fases da revitalização. Como vimos, o prazo inicial para a conclusão da Fase 1 era de dois anos, com o início da Fase 2 previsto para a sequência. A primeira etapa agora deve levar dois anos. O shopping a ser construído ao lado do Gasômetro e até a área que compõe o A7, armazém que será destruído por não ser tombado, inicialmente era para ser fechado, depois o plano passou a ser construir uma estrutura “mais horizontal”. Isso foi reconhecido pelo consórcio em julho do ano passado em e-mail encaminhado pela reportagem. Com a mudança na gestão, a questão voltou a ficar em aberto. “O shopping permanece no projeto. Que tipo? Está sendo discutido”, diz Luzardo.

O executivo explica que essas mudanças no projeto seriam possíveis porque não está se tratando de mudanças na volumetria da área a ser construída, apenas de modificações, portanto não sendo necessária a realização de uma nova licitação.

Um ponto apontado ao longo dos últimos anos por entidades críticas ao projeto de revitalização e que defendem o rompimento do contrato de concessão, chamadas de “caranguejos” em rádios da cidade e pelo prefeito Marchezan mesmo com todos os problemas na execução desse projeto, é o fato de o consórcio nunca ter apresentado as garantias financeiras de ter R$ 400 milhões em patrimônio líquido para a execução das obras, uma das exigências da licitação de 2010.

Luzardo se baseia num relatório de 2016 do Grupo de Trabalho do Cais Mauá — composto por representantes das secretarias estaduais de Transportes, Planejamento e Desenvolvimento Regional, Geral de Governo, e também da Procuradoria-Geral do Estado, Superintendência de Portos e Hidrovias e prefeitura de Porto Alegre — sobre o contrato de concessão para dizer que essa exigência era inexequível. “O grupo de trabalho chegou à conclusão de que não tem sentido uma cláusula dessas. Por quê? Primeiro, para financiar a revitalização eu não vou fazer um cheque especial no banco, vou usar outro instrumento, outras fontes de captação. Mais do que isso, eu poderia chegar no Bradesco, fazer uma operação de R$ 1 mil e estaria cumprindo a cláusula, porque o Bradesco tem mais de R$ 400 milhões de patrimônio”, diz.

Outro aspecto apontado por críticos como possível motivo para rompimento de contrato é que, após as várias mudanças na gestão do consórcio, os vencedores da licitação de 2010 já não seriam os mesmos atuais. Luzardo diz que as mudanças são possíveis dentro da mesma concessão porque o grupo espanhol GSS, que contratou o projeto assinado pelo arquiteto Jaime Lerner, continua a compor o consórcio. “Quando foi feita a licitação, vários grupos concorreram e tinham que preencher vários requisitos. O projeto tinha que ter alguém ou uma empresa habilitados que já tivessem feito uma revitalização de um algum porto no mundo”, diz, salientando que esse papel é cumprido pelos espanhóis e que todo ano o Cais Mauá do Brasil precisa apresentar sua composição societária ao governo do Estado.

Há ainda a questão de que outro sócio do projeto, empresa Heber, ligada ao grupo Bertin, entrou em processo de recuperação judicial em 2017. Luzardo diz que o grupo Bertin ainda é detentor de 1,9% das ações do consórcio, mas que se trata de uma questão que não interfere no projeto, porque ele comprou sua participação após o consórcio já ter sido formado e não detém o poder de decisão, tampouco representa um investidor essencial.

Luzardo diz que não é preciso relicitar a cada mudança, porque é preciso apenas manter as condições que fizeram ganhar a licitação. “O que significa isso: a hora que tu não tiver mais alguém que teve a experiência de ter revitalizado um cais do tipo desse, como foi apresentado lá no grupo inicial. Todo ano o estado pede documentação nossa”.

Ainda há a investigação da Polícia Federal, mas Luzardo diz que ela nunca pairou sobre a empresa Cais Mauá do Brasil, e sim sobre a administração do fundo de investimentos. “A PF foi ativada por irregularidades identificadas pela CVM no fundo. O que aconteceu é que o fundo foi fechado para captação e saída de dinheiro”, diz.

Apesar de todas as dúvidas e problemas apresentados nos últimos nove anos, a promessa é que o Marco Zero seja o início da revitalização. Resta saber se, mais uma vez, as promessas feitas à cidade de Porto Alegre não serão vazias.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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