Cidades|z_Areazero
|
25 de janeiro de 2019
|
10:29

Parada e sem respostas: o que acontece com a revitalização do Cais Mauá?

Por
Luís Gomes
[email protected]
Em que pé anda a revitalização do Cais Mauá? | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em 5 de dezembro de 2017, a Prefeitura de Porto Alegre entregou a licença de instalação ao consórcio Cais Mauá do Brasil S.A., autorizando o grupo a realizar as obras de revitalização dos antigos armazéns portuários da cidade. Três meses depois, em 1º de março de 2018, o governo do Estado assinou a ordem de início dos trabalhos, que começariam quatro dias depois, no dia 5. Passados dez meses, não é possível ver sinal de andamento da revitalização, consórcio e Prefeitura não passam informações sobre o andamento das obras e a nova gestão do governo do Estado, responsável pela supervisão das obras, ainda não decidiu qual das suas secretarias terá essa responsabilidade. Impõe-se então a pergunta: em que pé está a revitalização do Cais Mauá?

A reportagem do Sul21 iniciou a semana com esse questionamento. O primeiro passo foi tentar identificar visualmente a situação dos trabalhos, mas não foi possível registrar qualquer sinal de obras em andamento. O passo seguinte foi entrar em contato com o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A., vencedor da licitação para tocar as obras em 2010, mas a resposta encaminhada por e-mail não trouxe qualquer esclarecimento: “Peço desculpas em nome da Cais Mauá, porém no momento estamos em fase de reestruturação interna da empresa, logo teremos uma nova assessoria de imprensa que poderá lhe passar todas informações atualizadas”.

O próximo passo foi encaminhar o questionamento sobre o andamento das obras à Prefeitura de Porto Alegre. Procuradas separadamente, as assessorias da Secretária de Comunicação e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade informaram que a responsabilidade sobre o assunto agora era do governo do Estado.

Não há sinal de nenhuma etapa da revitalização em andamento | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A primeira pasta estadual a ser procurada foi então a de Transportes, cujo secretário da gestão anterior Pedro Westphalen (PP) havia assinado a ordem de início das obras. Fomos informados, contudo, que o assunto não está sob a alçada do secretário Juvir Costella (MDB) e que deveríamos procurar a Casa Civil. Esta segunda então passou a responsabilidade para a pasta do Desenvolvimento Econômico e Turismo. Inicialmente, a assessoria desta pasta repassou a reportagem para conversar com Edemar Tutikian, que, como secretário do Gabinete de Assuntos Especiais, teve a responsabilidade de tocar o projeto na gestão municipal de José Fortunati (PDT, agora no PSB). Tutikian, no entanto, informou à reportagem que atualmente apenas presta assessoria jurídica ao consórcio e que não teria condições de responder aos questionamentos sobre o andamento das obras.

De volta à Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Turismo, conseguimos então falar com o mandatário da pasta, Dirceu Franciscon (PTB), que finalmente passou informações atualizadas sobre a revitalização do Cais. A primeira resposta de Franciscon é que, de fato, as obras estão paralisadas. O motivo seria um pedido de aditivo de tempo feito pelo consórcio. Segundo o secretário, a empresa quer a ampliação do prazo de concessão de exploração da área do Cais, previsto em 25 anos no edital de licitação, para compensar pela demora de emissão de licenças ambientais para as obras. “Nesse período perdeu-se 7 anos. Eles querem repor o prazo”, disse o secretário.

O segundo posicionamento de Franciscon é de que, na verdade, o governo Eduardo Leite (PSDB) ainda não definiu de qual pasta é a responsabilidade pela gestão da obra. O secretário diz que Leite está analisando a situação e até a semana que vem deverá tomar uma decisão sobre o assunto. Ele reivindica a responsabilidade para a sua pasta, pois o turismo está sob sua alçada.

“O governador determinando que a nossa secretaria faça, a gente vai trabalhar para que obra aconteça. Vai ser prioridade na secretaria. Vamos dar todas as condições para tirar do papel e colocar em prática, e para que seja concluída dentro do prazo”, diz o secretário, que tomou posse no cargo no início de janeiro.

O prazo original dado pelo poder público para a conclusão da primeira etapa da revitalização do Cais — que consiste no restauro de 11 armazéns e na instalação de 10 praças, além da criação de 400 vagas para estacionamento — era de dois anos após o início dos trabalhos. Um prazo que, a essa altura, não parece ser possível de ser cumprido.

Reportagem sequer conseguiu respostas simples sobre a revitalização com a empresa e com diversos órgãos públicos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mais perguntas sem respostas

Apesar de conseguir obter a resposta de que as obras se encontram paralisadas, isto responde apenas a um dos vários questionamentos a fazer sobre a situação da revitalização do Cais Mauá, que perduram desde a última reportagem que o Sul21 fez sobre a obra, quando ela já dava sinal de não estar em andamento.

Em abril de 2018, um mês após a autorização para o início dos trabalhos, a Polícia Federal deflagrou a Operação Gatekeepers, cumprindo nove mandados de busca e apreensão em Porto Alegre e no Rio de Janeiro para averiguar fraudes relacionadas a fundos de investimento. O esquema apurava o caso de um fundo de investimentos que teria aplicado valores em empresas de construção civil sem que as obras públicas fossem, de fato, executadas e, possivelmente, desviando as quantias para benefício de seus próprios administradores. Na ocasião, o delegado Eduardo Bolli não deu o nome das empresas investigadas, mas confirmou que os administradores do fundo investigado estavam ligados à administração do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A.

A Cais Mauá do Brasil S.A. informou, em julho, que nem ela e nem agentes públicos foram alvos da investigação da PF, mas confirmou que a Operação Gatekeepers a obrigou a desenvolver um novo modelo de captação, que estaria em andamento, para viabilizar o veículo dos aportes e a continuidade do projeto. “Estamos montando um novo veículo para captação. Dessa forma, os recursos previstos inicialmente para entrarem no Cais no final devem sofrer um atraso de 3 a 4 meses em relação ao cronograma original, mas sem mudar o prazo final de obra. Estamos seguros que esses recursos virão”, disse a empresa em nota de julho.

Após receber essa resposta, a reportagem enviou um e-mail questionando a Cais Mauá do Brasil S.A. qual era o montante atual de recursos que há haviam sido captados, do que se tratava essa mudança na forma de captação e se havia ocorrido alguma mudança de CNPJ do consórcio depois da investigação — a composição societária do consórcio trocou diversas vezes desde a vitória na licitação –, além de duas perguntas sobre o andamento das obras. As duas últimas foram respondidas, as primeiras foram devolvidas em branco.

Na ocasião, o consórcio informou que a primeira etapa das obras haviam se dedicado ao processo de limpeza do passivo ambiental, resíduos, encontrados nos armazéns, que ainda estavam em andamento. Concomitantemente, preparava uma licitação para contratar a empresa que, na prática, iria realizar a revitalização dos armazéns. Diante da falta de respostas, a reportagem não conseguiu apurar o estágio da limpeza do passivo ambiental e da contratação.

Além disso, ainda seguem sem respostas os questionamentos sobre a condição financeira do consórcio de tocar a revitalização, orçada em R$ 500 milhões para suas três etapas. Movimentos sociais questionam o fato de a empresa não ter apresentado garantias financeiras para as obras e mesmo assim ter vencido a licitação. A questão chegou a ser apontada em um parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE), junto com outras irregularidades no projeto e no andamento do licenciamento. A Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage) chegou a pedir a aplicação de multas ao consórcio por não cumprimento do contrato, mas estas não foram aplicadas.

Outro ponto que permanece sem resposta é sobre a mudança no projeto noticiada originalmente pelo jornalista Túlio Milmann e confirmada pelo consórcio posteriormente. O shopping a ser construído próximo ao Gasômetro teria sido descartado, com o objetivo de ser substituído por uma “estrutura mais horizontal. Em julho, o Cais Mauá S.A. disse que a revisão do projeto não afeta a primeira etapa da revitalização. Há, no entanto, questionamentos por parte de movimentos sociais de que a mudança no projeto configuraria uma irregularidade. Desde abril de 2018, não há nenhum posicionamento oficial divulgado, nem por Prefeitura, nem pelo governo do Estado, sobre o andamento da revitalização.

Em dezembro de 2017, Marchezan anunciou o lançamento da revitalização criticando os “atravessadores do futuro” que teriam trancado a obra por 30 anos e que chegara o momento de “entregar o Cais ao cidadão de Porto Alegre”. Mais de um ano depois dessa declaração, a população segue isolada do que era para ser um de seus cartões postais, impedida de usufruir ali os famosos finais de tarde do Guaíba, e sequer há respostas para questionamentos, quanto mais um prazo que possa ser cumprido para a conclusão dos trabalhos.

Esta paisagem não é acessível à população de Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora