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16 de novembro de 2018
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18:37

Entidades entram com ação contra Sartori e Ana Pellini por danos ambientais e patrimoniais na FZB

Por
Sul 21
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Relatório aponta uma situação “precária e lastimável” de danos à estrutura do Cactário da FZB. (Arquivo pessoal)

Marco Weissheimer

Quatro entidades ambientalistas ingressaram, dia 14 de novembro, com uma ação civil pública, na 10a. Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, contra o governador do Estado, José Ivo Sartori, a secretária de Estado do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Ana Pellini, e o ex-presidente da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Luiz Fernando de Oliveira Branco, por dano ambiental e negligência na conservação do patrimônio público. Na ação, a União pela Vida, a Associação Sócio-Ambientalista (IGRÉ), a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiental Natural (Agapan) e o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) denunciam a morte de diversos exemplares de espécies ameaçadas de extinção, que estavam sob guarda da Fundação Zoobotânica.

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No dia 26 de dezembro de 2017, essas mesmas entidades interpelaram as autoridades citadas a fim de que adotassem “medidas técnicas necessárias para assegurar a incolumidade de todos os exemplares de conservação ex-situ (fora de seu local de origem) sob guarda da Fundação Zoobotânica inclusive durante todo o período de recesso natalino e de ano novo, no qual é sabido que as elevadas temperaturas podem causar danos a estes exemplares”. Na mesma oportunidade, Sartori, Ana Pellini e Luiz Fernando de Oliveira Branco foram notificados de que caso praticassem “atos de demissão ou quaisquer outros” que prejudicassem as funções da Fundação Zoobotânica, essas entidades iriam acioná-los judicialmente para que, “com seu patrimônio pessoal ou de seus sucessores”, indenizassem os danos ambientais às espécies ameaçadas de extinção sob guarda da FZB. Alem disso, anunciaram que ingressariam com ação por danos morais coletivos e pediriam a apuração de “atos de improbidade administrativa e crimes de omissão de obrigação de relevante interesse ambiental”.

Cactário com telhado parcialmente danificado, em outubro de 2017. (Arquivo pessoal)

A ação protocolada no dia 14 de novembro assinala que, apesar das solicitações e alertas enviados por autoridades nacionais e internacionais na área da conservação da biodiversidade, as autoridades do governo estadual “agiram de forma flagrantemente negligente na conservação do patrimônio público mediante ações e omissões que levaram ao perecimento de diversas espécies ameaçadas de extinção em conservação ex-situ, assim como a provável perda de outras dezenas”. A ação cita ainda um relatório elaborado em outubro deste ano, por servidoras da Fundação, sobre a situação das coleções vivas do Jardim Botânico nos últimos seis meses. Esse relatório aponta uma situação “precária e lastimável de danos à estrutura do Cactário da FZB”, que teria sido completamente negligenciada.

Essa coleção da família Cactaceae, assinala o relatório, é uma das mais antigas do Jardim Botânico e existe há mais de 50 anos. Cerca de 80% das espécies do Rio Grande do Sul estão, ou estavam representadas na coleção. O texto do relatório detalha a situação dessa coleção: “Nos últimos seis meses, tivemos muitas baixas e doenças nas plantas das coleções vivas do Jardim Botânico de Porto Alegre devido à falta de manutenção das estruturas e às demissões e à transferência de técnico especializado. A coleção de cactáceas do Rio Grande do Sul é a mais prejudicada devido à falta de manutenção no telhado da casa de vegetação que foi avariado com o temporal em outubro de 2017 e não foi restaurado pela atual gestão”. O documento é acompanhado de fotos mostrando o telhado da coleção parcialmente danificado pelo temporal, em 2017, e totalmente sem telhado, em setembro de 2018. Alem disso, apresentam as espécies que já morreram, em razão dessa situação, e as que estão em vias de perecer.

“Não são quaisquer plantas, são plantas ameaçadas de extinção”

Marcelo Mosmann, um dos advogados responsáveis pela ação, observa que uma lei estadual permitia ao governo repassar as atividades a outros órgãos e assim extinguir a fundação. “As plantas mortas comprovam que o governo só se preocupou com a segunda parte. Foram demitindo funcionários sem contratar outros para o serviço, e ainda deixaram o local em péssimas condições, o que só podia levar a morte destas plantas, e sabiam disso porque nós mesmos avisamos por meio de notificações e interpelações judiciais no ano passado”.

“Ocorre que não são quaisquer plantas”, acrescenta Mosmann, são plantas ameaçadas de extinção que quase não existem mais na natureza; foi como um incêndio do Museu Nacional, com o agravante que as plantas estavam vivas e sob a guarda da fundação”. Essa postura tem sido recorrente, acrescenta. “Hoje mesmo estamos ajuizando mais uma ação contra Ana Pellini por uma conduta que causou degradação ambiental no Parque Estadual do Turvo, a unidade de conservação mais importante do Estado. Foi negligente, para dizer o mínimo”.

Curadora das coleções do Jardim Botânico, Andréia Carneiro, avalia que as plantas que estão doentes dificilmente conseguirão se recuperar. “Não se trata apenas da falta de telhado, mas também de falta de gente. Não temos mais pessoal especializado para enfrentar esse tipo de problema. O técnico que trabalhava nesta área foi transferido para o Zoológico. É lamentável. Essa é a maior coleção do Brasil. É minha obrigação falar sobre o que está acontecendo”.

Ação do MP e disputa judicial

Cactário totalmente sem telhado (Setembro de 2018). (Arquivo Pessoal)

As autoridades do governo citadas, aponta a ação, realizaram uma intervenção na Fundação Zoobotânica, demitindo funcionários sem realizar a sua substituição e a assunção de suas funções, contrariando inclusive determinação do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul. Além disso, acrescenta, “removeram técnicos de carreira de suas funções, determinaram a retirada de materiais das repartições, sustaram o pagamento de diárias e a contratação de serviços terceirizados, tudo levando à situação que ora se apresenta”.

Em 2016, o MP ingressou com uma ação de caráter preventivo solicitando a proibição da extinção da FZB até que o governo do Estado apresentasse um plano que garantisse a preservação de suas funções. Em dezembro de 2017, a Justiça concedeu liminar neste sentido. Em outubro deste ano, o desembargador Sérgio Luiz Grassi Beck, do TJ-RS, determinou a suspensão dos efeitos do Decreto Estadual nº 54.268/2018, assinado pelo governador José Ivo Sartori, determinando a o encerramento das atividades da Fundação Zoobotânica.

Segundo a decisão do desembargador a suspensão valerá até o o julgamento final do agravo de instrumento, a fim de que “a transferência definitiva dos bens e dos servidores do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais seja precedida de um plano para a extinção da FZB que garanta a plena continuidade e a mesma qualificação de todos os serviços e atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais”.

Sobre a valoração dos danos

 Os danos ao patrimônio ambiental sob guarda da Fundação podem ser ainda maiores, afirmam as entidades signatárias da ação, que pedem medidas urgentes para “a colheita de elementos concretos sobre o numero exato e características de cada espécie bem como a situação atual do recinto”. O biólogo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e coordenador geral do INGÁ, fez uma estimativa de valoração do dano ambiental já causado, segundo critérios propostos pela bibliografia científica especializada, bem como as características e peculiaridades das espécies lesadas e do ambiente local.

Patrimônio já lesado na FZB consiste em 29 exemplares de 17 espécies ameaçadas de extinção. (Divulgação)

De acordo com esse parecer, “a valoração do dano pela extinção de uma espécie, considerando apenas os seus serviços ambientais e sem considerar o valor intrínseco da biodiversidade que é imaterial, em um prejuízo material que poderia atingir entre R$ 7.333.333,00 e R$ 30.000,000,00 no período de dez anos”. O patrimônio já lesado na FZB, segundo os autores da ação, consiste em 29 exemplares de 17 espécies ameaçadas de extinção, algumas delas com menos de 500 indivíduos na natureza.

Segundo Brack, “somente uma prova técnica quanto à exata extensão dos danos, assim como a análise da situação atual das espécies, poderá apurar o valor exato a ser indenizado”. A título provisório, considerando apenas o prejuízo econômico da perda da espécie, ele aponta como estimativa inicial o valor de R$ 1.530.000,00. Caso seja confirmada a responsabilidade dessas autoridades pelos danos causados, as entidades pedem a decretação de bloqueio de bens ativos e imóveis das mesmas, atribuindo-se como estimativa inicial o valor de R$ 1.530.000,00 para garantir a reparação dos danos.

A ação pede também a reparação por danos morais coletivos em função da “violação ao dever estatal de tutela e resguardo de patrimônio sob sua guarda”. Além disso, sustenta que a conduta das autoridades citadas, alem de ter causado grave dano ambiental, constitui ato de improbidade administrativa, por ter causado lesão de patrimônio público em função de ações e omissões de responsabilidade das mesmas. As entidades pedem a imediata intimação do Ministério Público e o envio de requisição à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil para que apure a materialidade dos fatos bem como a sua autoria. E solicitam a designação de interventor judicial da Fundação Zoobotânica para que, no prazo de cinco dias, apresente “plano de ações e medidas emergenciais para resguardar os exemplares em conservação ex-situ e demais atividades ambientais que sofreram descontinuidade”.

O advogado Marcelo Mosmann assinala que ela corre junto com a ação movida pelo Ministério Público. “A ação do MP tem um caráter preventivo. No entanto, os danos que ela pretende evitar já estão ocorrendo, alguns deles de forma irreparável. Estamos diante de um caso de negligência absurda”.

O Sul21 tentou entrar em contato, por telefone e e-mail, com a Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável para ouvir a manifestação da pasta sobre o caso, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta a esses contatos.


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