Coronavírus
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5 de novembro de 2020
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14:30

Em carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre, pesquisadores alertam para risco de segunda onda do coronavírus

Por
Sul 21
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Em carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre, pesquisadores alertam para risco de segunda onda do coronavírus
Em carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre, pesquisadores alertam para risco de segunda onda do coronavírus
Sucessivas reaberturas de locais que causam aglomeração podem ser determinantes para que a Capital volte a enfrentar aumento de contaminação e de mortes. Foto: Luiza Castro/Sul21.

Da Redação

A Rede Análise Covid-19, grupo formado por mais de 70 pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, emitiu nesta quinta-feira (5) uma carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre, em que alerta para a “reversão de tendência” nos números de novos casos de contágio pelo coronavírus e enfatiza o risco de reaberturas de atividades não essenciais. No documento, os pesquisadores afirmam que a capacidade de testes RT-PCR (que identifica o vírus ativo na pessoa) na capital gaúcha é “longe da ideal”, o que impossibilita o controle dos novos casos e, por isso, explicam que os dados de internações hospitalares são o melhor indicador para acompanhar a epidemia na cidade.

“Ao analisarmos as internações em leitos clínicos (casos mais leves e de menor faixa etária) percebemos que existe uma clara reversão de tendência, pois a taxa de queda de casos passou a ser taxa de crescimento”, destaca a carta. “Como ainda não estamos passando por um crescimento exponencial, o que ocorre quando se observa esta reversão de tendência nos casos é uma queda cada vez mais lenta, que depois se transforma em uma estabilização e depois em um crescimento de casos. Como a doença tem o potencial de gerar um crescimento exponencial, isto pode gerar um aumento repentino a qualquer momento.”

Leia também: Covid-19: Porto Alegre se equilibra entre a estabilização e o risco de uma nova onda

A rede de pesquisadores pondera que o aumento de internações em leitos clínicos pode avançar para pessoas do grupo de risco e crescer as internações na UTI, fator que necessita de intervenções pontuais para ser evitado.

“Um fator importante que deve ser considerado é a faixa etária dos novos casos e internados. A importância vai ao encontro do risco de maior mobilidade dos jovens. As faixas etárias mais jovens, ao terem menos sintomas, automaticamente possuem maior mobilidade, gerando, no máximo um aumento de internações em leitos clínicos, não tanto em UTI. Logo em seguida, essa mobilidade acaba levando o vírus aos vulneráveis e desta forma há a possibilidade de um aumento súbito e repentino de internações de UTI e, consequentemente, óbitos”, diz trecho da carta aberta à Prefeitura.

Para evitar que Porto Alegre sofra uma segunda onda de contaminação, os pesquisadores da Rede Análise Covid-19 sugerem a interrupção de reaberturas programadas de locais causadores de aglomeração, como bailes, festas, eventos, bares e escolas. “Todas as reaberturas que trouxerem um aumento na mobilidade trarão como consequência mais suscetíveis para esta situação que já está se encaminhando como reversão de tendência.”

Leia abaixo a íntegra da carta aberta (a versão com gráficos pode ser lida no site da Rede)

A Rede Análise Covid é uma rede nacional de pesquisadores voluntários comprometidos com o enfrentamento da COVID-19. Escrevemos esta carta direcionada ao Governo municipal de Porto Alegre e às autoridades de saúde à frente da Secretaria Municipal de Saúde para apresentar pontos que indicam uma clara reversão de tendência nos números de casos de infecção pela COVID-19. Desta forma, considerando critérios científicos, não é momento propício para reaberturas de atividades não essenciais.

Primeiramente temos de lembrar que a principal correlação existente no acompanhamento da epidemia é a correlação entre casos/internações/óbitos à mobilidade. Mais pessoas próximas umas das outras equivalem a uma maior taxa de contágio, ou seja, o R(t) (taxa efetiva de reprodução).

A métrica que consideramos mais assertiva para acompanhamento da epidemia são as internações, pois elas ocorrem independente de qual seja a política de testagem adotada pelo Município. Entendemos que a disponibilidade de testes RT-PCR está longe da ideal, e isso impossibilita um controle ativo de casos, desta forma, temos que considerar o contágio com base nas internações hospitalares que ele acaba gerando.

Ao analisarmos as internações em leitos clínicos (casos mais leves e de menor faixa etária) percebemos que existe uma clara reversão de tendência, pois a taxa de queda de casos passou a ser taxa de crescimento, conforme podemos verificar na figura 1. Como ainda não estamos passando por um crescimento exponencial, o que ocorre quando se observa esta reversão de tendência nos casos é uma queda cada vez mais lenta, que depois se transforma em uma estabilização e depois em um crescimento de casos. Como a doença tem o potencial de gerar um crescimento exponencial, isto pode gerar um aumento repentino a qualquer momento. 

Também fizemos o mesmo raciocínio com as internações em UTI, que pode ser visto na figura 2. As internações em UTI são, em sua maioria, casos graves, que ocorrem nos pacientes mais vulneráveis, que podem estar  mais protegidos neste momento. Por isso é extremamente importante o uso de intervenções pontuais para evitar que os casos migrem dos menos vulneráveis para os mais vulneráveis (caso isso acontecer, veremos o aumento exponencial das internações em UTI como já vimos há 60 dias, no início de agosto).

Um fator importante que deve ser considerado é a faixa etária dos novos casos e internados. A importância vai ao encontro do risco de maior mobilidade dos jovens. As faixas etárias mais jovens, ao terem menos sintomas, automaticamente possuem maior mobilidade, gerando, no máximo um aumento de internações em leitos clínicos, não tanto em UTI. Logo em seguida, essa mobilidade acaba levando o vírus aos vulneráveis e desta forma há a possibilidade de um aumento súbito e repentino de internações de UTI e, consequentemente, óbitos.

O mínimo que sugerimos é frear e descontinuar as reaberturas programadas de locais com aglomerações, tais como bailes, festas, eventos, bares, escolas e afins. Todas as reaberturas que trouxerem um aumento na mobilidade trarão como consequência mais suscetíveis para esta situação que já está se encaminhando como reversão de tendência.

Em relação às escolas, apesar de existirem estudos que indicam que a abertura de escolas aparentemente não funcionou como centros de propagação, estas conclusões foram obtidas quando o número de casos na comunidade estavam em patamares mais baixos do que o apresentado atualmente em Porto Alegre. Para comunidades que ainda não reduziram o número de casos, os dados não são conclusivos. Para a faixa etária abaixo de 14 anos não é possível afirmar que não ocorra a transmissão no ambiente escolar, principalmente porque as crianças tendem a apresentar alguns sintomas diferentes do apresentado por adultos, o que pode mascarar eventuais casos na referida faixa de idade. Isto não implica que as crianças não sejam transmissoras do coronavírus, mas apenas que não apresentam sintomas característicos e graves, em sua grande maioria.

Ademais, muitas crianças pequenas ficam sob cuidado das avós/avôs, que são as pessoas com grande risco de desenvolver sintomas graves da COVID-19. No caso de estudantes adolescentes ou maiores, o comportamento frente ao contágio e possíveis sintomas, é semelhante ao dos adultos. Ainda, há que se considerar que os funcionários das escolas são muito mais suscetíveis para adquirir a doença do que os alunos mais jovens (o que é demonstrado em estudos recentemente realizados em escolas americanas e de alguns países europeus). E, claro, não podemos deixar de mencionar que, em comparação à  realidade de outros países,  a infraestrutura das escolas e de deslocamento para as escolas não se equiparam à de países mais desenvolvidos. Manter a abertura das escolas e, ao mesmo tempo, permitir a realização de festas e bailes não é uma combinação adequada ao momento.

Outro dado extremamente importante para orientar a tomada de decisões de medidas de controle da mobilidade é a TAXA DE POSITIVIDADE. Ao analisar o percentual de testes positivos em relação a todos os testes feitos, conseguimos identificar se o vírus está efetivamente inserido na comunidade e qual é o potencial de novos surtos. Ao aumentarmos a quantidade de testes, temos de ter uma redução na positividade para que então tenhamos tranquilidade em saber que o surto naquela região está sob controle. 

Porto Alegre, no momento, está com uma positividade média de 25%, o que indica que o controle sobre os casos ativos está baixo, podendo ter novos surtos a qualquer momento. 

Uma positividade alta mostra que ou estamos com alta incidência de casos (e não é o caso) ou estamos testando muito pouco. Ao testarmos pouco, podemos estar com casos passando “por baixo do radar”. Lembramos que esta positividade foi calculada a partir dos testes totais e dos casos positivos totais liberados por dia no site da Prefeitura de Porto Alegre. Quando temos uma positividade alta assim, temos de analisar alguns outros indicadores, e um deles é a quantidade de casos de SRAG de Porto Alegre. Ao analisarmos a incidência de SRAG podemos ter uma noção de quais casos podemos estar deixando passar, justamente por testar pouco, conforme mencionado acima.

O boletim Infogripe da Semana 43 demonstra que Porto Alegre está passando por uma reversão de tendência nas incidências de SRAG, ou seja, estava em queda e agora está em estabilização. Repetimos: estabilização pós queda é sinal de crescimento, pois o sinal é positivo. Se fosse uma estabilização pós aumento, aí seria sinal negativo, o que não nos preocuparia tanto em relação ao futuro.

Além disso, para corroborar esta correlação com a mobilidade, utilizamos os dados contidos aqui (site da Prefeitura) que mostram os índices de isolamento social. Podemos verificar que o movimento não chegou ainda ao nível pré pandemia, e está aumentando aos poucos. Isto indica que se colocarmos mais suscetíveis no caminho do vírus, podemos criar uma segunda onda que ainda é totalmente evitável.

Mesmo no caso da circulação de veículos, que já atingiu  níveis muito próximos do que era antes da pandemia, ponderamos que ela é menor em duração devido ao número de acidentes de trânsito ainda estarem muito menores do que o registrado no mesmo período de 2019. Menos tempo no trânsito (fazendo só o essencial) equivale a um menor risco de acidentes, além do fato dos bares, festas e eventos estarem fechados (e isso também influencia o número de acidentes de trânsito).

Um dos motivos pelos quais nos preocupamos é  justamente o fato de Porto Alegre não ter sido uma cidade extremamente atacada pela doença no início, na “primeira onda”. Infelizmente o número de mortes por milhão de habitantes da cidade é bem alto, mas o número de casos foi baixo em comparação com outras cidades do Brasil. Isso significa que Porto Alegre, em relação às outras cidades utilizadas na comparação, possui um número muito mais alto de suscetíveis, que são o “combustível” de uma nova onda. O secretário municipal de saúde, Pablo Stürmer, inclusive demonstrou isso em suas redes sociais (que Porto Alegre foi pouco atacada), mas em sua própria demonstração já aparece a reversão de tendência.

Consideramos, portanto, que não é  o momento para prosseguir com mais reaberturas e flexibilizações. Uma análise detalhada deve ser com base nos números de positividade e também na tendência das internações para entender se o que precisa ser feito é apenas um “freio” nas reaberturas ou mesmo até atividades de fechamento para segurar de forma rápida este possível novo aumento. Esperamos que considerem nosso alerta, especialmente os dados que evidenciam nossas análises. 

Agradecemos a atenção e estamos à total disposição.

Rede Análise COVID-19


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