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4 de novembro de 2020
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16:43

Covid-19: Porto Alegre se equilibra entre a estabilização e o risco de uma nova onda

Por
Sul 21
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Porto Alegre já tem circulação de pessoas muito próxima ao que ocorria antes da pandemia. Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Velleda

O alto movimento nas ruas de Porto Alegre e as sucessivas flexibilizações nas atividades econômicas e sociais tende a passar para a população a sensação de que o pior momento da pandemia do novo coronavírus ficou para trás. Ao mesmo tempo, as notícias de novos lockdowns sendo impostos em países da Europa criam a inevitável dúvida de qual será o cenário na capital gaúcha nos próximos meses. 

Interpretar dados e prever qual rumo a contaminação do novo coronavírus pode tomar em determinado país, estado ou região tem sido um dos grandes desafios de cientistas e pesquisadores. Com muitas variáveis e sempre dependendo do comportamento das pessoas, a tarefa é complexa. Apesar das dificuldades, taxas de novos casos confirmados, de mortes e a lotação dos leitos clínicos e de UTIs nos hospitais formam um conjunto de informações valiosas para indicar possibilidades.

O boletim InfoGripe, monitoramento de casos de síndrome respiratória aguda grave feito semanalmente pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), trouxe um alerta à cidade de Porto Alegre na versão relativa à semana epidemiológica 43, completada entre os dias 18 e 24 de outubro. Ao analisar a variação no número de novos casos semanais registrados no curto prazo (três semanas) e no longo prazo (seis semanas), o InfoGripe indica qual a tendência para as próximas semanas. 

“Porto Alegre (RS) apresentou sinal de estabilização tanto na tendência de curto quanto de longo prazo, o que recomenda cautela em relação às próximas semanas, especialmente em relação a eventuais avanços nas ações de flexibilização das medidas de mitigação do contágio na capital gaúcha”, aponta o boletim InfoGripe. 

Entre as capitais, apenas Curitiba (PR), Vitória (ES), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Cuiabá (MG), Palmas (TO) e o Distrito Federal indicam tendência de queda na contaminação no longo prazo (seis semanas). Por outro lado, Aracaju (SE), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Macapá (AP), Maceió (AL) e Salvador (BA) apresentam sinal forte de crescimento no longo prazo.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) define como estável o atual momento da contaminação em Porto Alegre, com possível tendência de queda. Ao contrário dos países europeus que começam agora a enfrentar uma segunda onda de contaminação, a avaliação é de que algo semelhante não deve acontecer na Capital. 

A explicação da Prefeitura se baseia no longo período em que a cidade sofreu com alta taxa de contaminação e ocupação dos leitos clínicos e de UTIs, diferente do verificado em alguns países da Europa, que após sofrerem um pico de casos muito elevado e rápido, tiveram uma queda também abrupta no número de novas contaminações e mortes. Segundo a SMS, o comportamento diferente das curvas epidemiológicas vividas na Europa em relação ao Rio Grande do Sul e Porto Alegre deve sustentar o cenário de estabilidade na Capital.

Dúvidas e receios

O cientista de dados Isaac Negretto Schrarstzhaupt, residente em Caxias do Sul e colaborador da Rede Análise Covid-19, tem andado preocupado. Ele aponta que nas maiores cidades do Rio Grande do Sul está sendo possível verificar a “reversão de tendência”, ou seja, a média móvel da taxa de crescimento de novos casos está mudando de sinal, indo do negativo para o positivo. 

“Se estava com uma tendência de queda e agora estou com uma tendência positiva, e ainda na média, então está crescendo”, explica Negretto. Criada no final de fevereiro, a Rede Análise Covid-19 reúne atualmente 76 membros ativos de diferentes áreas do conhecimento e locais do Brasil.

A taxa de crescimento de novos casos notificados é calculada em relação ao número de testes realizados. Por exemplo: se a quantidade de testes entre os dias são semelhantes e o número de contaminados aumenta, então significa que o contágio está subindo. “Com essa taxa consigo saber se os novos casos por dia estão aumentando ou caindo”, explica o cientista de dados. O resultado é o que ele define como média móvel da taxa. “Se no final de setembro a média era negativa, ou seja, estava caindo, e agora no final de outubro é positiva, está subindo, então consigo dizer com uma precisão boa que está acontecendo uma reversão de tendência.”

A internação por covid-19 voltou a aumentar na Capital em outubro, mas ainda não é possível saber se terá reflexo também nos leitos de UTI

A preocupação de Negretto deve-se ao fato de ter constatado comportamento semelhante de reversão de tendência na Europa no final de agosto, quase dois meses antes das medidas de lockdown agora anunciadas na França, Espanha, Alemanha e Reino Unido. Em meados de setembro, ele já mostrava em gráficos o aumento da contaminação nos países europeus. 

“A reversão de tendência que estou detectando agora em Porto Alegre, consegui detectar na Europa no final de agosto. Não tem que esperar aparecer no gráfico (o aumento da contaminação), não tem que esperar o número dobrar a cada dez dias. Quando isso acontece, quer dizer que já passou”, destaca o cientista de dados. “A intervenção custa menos se for feita no início da reversão de tendência.”

Depois de estabilizar em patamar alto durante o mês de agosto, as internações em leitos clínicos reduziram gradativamente em setembro. No mês de outubro, porém, houve um leve aumento. Nos leitos de UTI, a queda na ocupação vinha sendo rápida, depois começou a cair mais lentamente, indicando talvez uma curva de estabilização. Ainda assim, nesta terça-feira (2), existem 209 pacientes confirmados de covid-19 nas UTIs da Capital, o índice mais baixo desde o dia 10 de julho.

Para dimensionar se o aumento da internação no leito clínico se transformará em aumento de internação na UTI mais na frente, Negretto explica que é preciso saber a faixa etária dos pacientes, algo que os órgãos de saúde não costumam divulgar. Isso porque se os pacientes internados não estiverem no grupo de risco, é possível que o aumento da internação clínica não evolua para a UTI e, consequentemente, também não aumente o número de mortos. Sem a informação da faixa etária, entretanto, não há como prever esse movimento. 

Por outro lado, se o aumento da contaminação estiver ocorrendo entre jovens, em função do comportamento e da maior mobilidade desse grupo, isso pode representar mais adiante a contaminação de idosos ou demais grupos de risco da família ou do círculo de contatos.

“Se tudo continuar como está, indica que nós podemos começar a ter aumento de internações em UTI, e começar uma nova onda devido ao aumento da mobilidade, que teve aumento expressivo em reaberturas”, enfatiza Isaac Negretto. “Eu não torço para que isso aconteça, torço para estar errado, mas não estamos numa tendência de queda livre.” 

O risco das festas de fim de ano

Biomédica, especialista em neurociência e coordenadora da Rede Análise Covid-19, Mellanie Fontes-Dutra da Silva observa os gráficos e análises feitas pelo colega de pesquisa e se preocupa particularmente com as celebrações do natal e ano-novo. Ambas as datas são tradicionalmente comemoradas em encontros de família e amigos, reuniões que o aprendizado da pandemia de 2020 indica ser preciso evitar. 

“Os nossos dados já têm mostrado a tendência de reversão. Possivelmente vamos lidar com esse cenário daqui em diante, justamente porque estamos vendo flexibilizações em demasia. É muito complicado. Estamos vendo as flexibilizações acontecerem e os números nos mostram que não deveríamos fazer isso, muito pelo contrário, deveria ser apenas o essencial funcionando para tentar manter a estabilização”, afirma Mellanie.

A coordenadora da Rede Análise Covid-19 destaca a preocupação especial desse cenário coincidir com a proximidade das festas de final de ano. “Será um grande desafio conscientizar a população para que não saia, não se reúna com seus familiares e não se aglomere. Será muito desafiador. E talvez a gente entre num cenário complicado ainda antes das festas.”

Ela enfatiza que para muitas pessoas há a sensação de que a pandemia está controlada, enquanto na verdade, a maior crise sanitária dos últimos 100 anos ainda não tem prazo para terminar. Mellanie reconhece que a população está cansada e diz que a Rede Análise Covid-19 tem o papel de divulgar a informação científica e também estimular as pessoas a manterem os cuidados sanitários, pois não é possível prospectar o fim da pandemia. 

“É muito difícil estimar em que ponto estamos porque muito desse ponto é reflexo das nossas ações. Talvez, se seguíssemos com aquele índice de distanciamento e até tentar aumentar um pouco, estivéssemos mais perto (do fim), mas cada vez que vamos flexibilizando, vamos tornando a situação menos administrável, se é que ela foi administrável em algum momento. As nossas ações nos colocam mais ou menos perto desse ponto que tanto sonhamos, que é o de poder fazer flexibilizações de uma forma respaldada”, explica.

A biomédica enfatiza a importância do esforço das pessoas, um sacrifício individual que se torna benéfico para toda a sociedade. Se a situação poderia ser melhor, Mellanie pondera que também poderia ser pior se não fosse o esforço de todos. “Esse esforço é muito importante para tentarmos ao máximo evitar um desfecho ainda mais complicado que poderá vir depois das festas de fim de ano. A melhor forma de mostrar que nos importamos com nossos avôs, avós e parentes que podem pertencer ao grupo de risco, é ter esse cuidado”, afirma. 

Mellanie enfatiza que é preciso haver conscientização de que ainda não é o momento das famílias se juntarem e projeta as festas de fim de ano como talvez o período mais desafiador da crise sanitária. “É por causa dessa união da sociedade que nós vamos conseguir, a pandemia vai acabar, de um jeito ou de outro, nenhuma pandemia é eterna. Mas queremos que acabe da melhor forma, não queremos que acabe com a morte de uma pessoa que a gente gosta.”


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