Saneamento Básico
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9 de outubro de 2019
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16:58

Porto Alegre: Prefeitura quer conceder água e esgoto à iniciativa privada na metade do ano que vem

Por
Sul 21
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Lomba do Pinheiro, Porto Alegre. Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Felipe Prestes

A Prefeitura definiu no dia 6 de setembro a contratação do consórcio formado pelas empresas Hidroconsult, Houer e Machado Meyer para elaborar um modelo de Parceria Público-Privada para o saneamento básico em Porto Alegre. Ao contrário da PPP da Corsan na Região Metropolitana, que concede apenas o esgotamento à iniciativa privada, a administração de Nelson Marchezan pretende também repassar a operação do abastecimento de água. “A decisão de hoje é que água e saneamento serão alvo de concessão ou PPP. Pode ser que o abastecimento de água seja desmembrado. Mas há ganhos operacionais de se incluir água e esgoto. Uma eventual separação seria exceção”, afirma o secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Barros Ribeiro. 

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O secretário explica que o primeiro trabalho do consórcio – que vai receber, ao todo, R$ 1,67 milhão – será um diagnóstico do trabalho do DMAE: “Por mais que o departamento possua essa base de dados, falta integração, organização”. Daqui três meses, a Prefeitura pretende ter os possíveis cenários para diferentes modelos de parceria com a iniciativa privada. E um edital – elaborado em conjunto entre o consórcio contratado, a Prefeitura e o BNDES – deverá ser lançado no final do primeiro semestre do ano que vem, ou início do segundo semestre, estima o secretário, que reconhece que o processo eleitoral pode prejudicar este planejamento. 

“A gente tem uma cultura de que não é política de Estado, mas de Governo no Brasil. Então, o ciclo eleitoral pode interferir, sim. Não há impedimento legal para realizar a concessão durante o período eleitoral, mas o ambiente político pode interferir. A gente na secretaria vai fazer o trabalho técnico com nossos prazos”. 

Segundo o secretário, há dois principais cenários que devem ser estudados pelo consórcio contratado pela Prefeitura. Em um deles, a empresa privada faria os investimentos e teria ainda um faturamento maior que a taxa de lucro do contrato. Neste cenário, a Prefeitura receberia recursos pela outorga dos serviços. Em outro cenário, os investimentos que o Município exige da concessionária são mais altos que o faturamento do serviço. Nesta hipótese, seria a Prefeitura que teria que repassar recursos à iniciativa privada. 

Thiago Barros Ribeiro. Foto: Luiza Castro/Sul21

Thiago Barros diz que ainda não está definido qual será o destino do DMAE e de seus funcionários. “O plano do que vai ser feito com o DMAE vai ser definido nesse estudo. Pode ficar como uma espécie de agência reguladora, fiscalizando a gestão do contrato. O corpo técnico do DMAE é qualificado”, afirma. 

“É uma questão político-ideológica. Sempre se fala da ineficiência, mas com um órgão como o DMAE, saneado, que teve superávit de 40 milhões no ano passado, como tu vais justificar isso?”, questiona Adinaldo Fraga, que foi engenheiro do DMAE durante 32 e hoje faz parte do Conselho Deliberativo do órgão, por indicação do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre. 

“A gente está tão acostumado com uma empresa pública dar prejuízo que basta ela não dar prejuízo que já achamos que é uma empresa de sucesso”, afirma o secretário de Parcerias Estratégicas. No entanto, reconhece méritos no trabalho do DMAE. “A operação do DMAE merece elogios em determinadas medidas. Mas os serviços podem ser feitos com mais qualidade e mesmo preço, há espaço para serviços de maior qualidade”, diz, citando que ainda há com certa frequência interrupção de água em alguns bairros. “Ainda que o serviço não seja caótico em Porto Alegre, longe disto, a ideia é que há espaço para algo melhor. Vamos estudar melhor o tema, com calma”, afirma Thiago Bairros. 

Contudo, Adinaldo Fraga diz que as interrupções de água se dão, principalmente, por omissões da atual gestão da Prefeitura. “O DMAE deu uma parada no próprio Governo Marchezan, ficou com projetos e processos de contratação parados e isso deu em falta d’água na Lomba do Pinheiro, nos últimos dois verões. E agora, ao final do governo, vem esse estudo”. 

 “Empresa privada vai pegar tudo pronto”

Adinaldo Fraga afirma que desde o início da atual administração existe uma vontade de privatizar os serviços de água e esgoto. “Desde que ele (Marchezan) assumiu tem esse discurso de que Porto Alegre não teria R$ 2 bilhões que seriam necessários para investir. Só que isso é o  investimento ao longo de décadas, para vazios urbanos na Zona Sul, que vão crescer, mas a longo prazo. Ela fala como se fossem necessários esses recursos no mandato dele”. 

O integrante do Conselho Deliberativo do DMAE relata que o departamento já fez diversas obras com recursos próprios como a Estação de Tratamento de Efluentes da Serraria e a ETE do Sarandi, inauguradas em 2014 e 2013, respectivamente. “Esta obras possibilitam que se trate até 80% do esgoto de Porto Alegre, hoje a cidade trata 66%. Faltam apenas algumas redes, mas o mais complexo eram as estações de tratamento. A empresa privada vai pegar tudo pronto. Os investimentos mais vultosos já foram feitos”. 

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além disto, Fraga ressalta que o DMAE lançou em agosto edital para ampliar a produção de água na Estação de Tratamento de Água Belém Novo, que está no seu limite da capacidade. Segundo o departamento, serão investidos R$ 43,3 milhões em recursos próprios do departamento. O objetivo é resolver provisoriamente o problema da falta de abastecimento no verão no o Extremo Sul e Lomba do Pinheiro, enquanto não é construída a nova ETA Ponta do Arado, para a qual o DMAE já tem contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal de R$ 220 milhões.

Renato Dal Maso, pesquisador em Economia da antiga Fundação de Economia e Estatística (FEE) – hoje transformada em departamento – tem visão semelhante à de Fraga. “Eu lamento fazer PPP em Porto Alegre porque agora está tudo construído. Foi um pesado investimento”, afirma. De acordo com o pesquisador, falta apenas a construção de uma Estação de Tratamento na Zona Norte para que a cidade tenha condições de tratar todo o esgoto, e complementar as redes. 

Em artigo que analisa a política de saneamento em Porto Alegre entre 1995 e 2015, Dal Maso anota que um “quadro precário do esgotamento se arrastou até 2013, quando foram concluídos grandes projetos estruturantes, que mudaram a funcionalidade da Cidade e, progressivamente, propiciaram ganhos de saúde ambiental” Segundo o pesquisador, “os 11 sistemas de esgoto existentes de então receberam obras de melhoria estruturais e foram ampliados, especialmente com a rede do tipo separador absoluto. Além disso, foram construídas novas ETEs, que elevaram de 27% para 80% a capacidade para tratar os efluentes gerados no final de 2012”. Além disto, 89,5% da população tem acesso a coleta de esgoto, embora parte dessa coleta não separe o esgoto cloacal do pluvial.

Cidade à venda

“Este edital não é novidade, porque Marchezan tem projeto de de terceirização em todas áreas. O prefeito coloca a cidade à venda”, afirma o diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Alberto Terres. O dirigente elenca diversas medidas de Marchezan no sentido de conceder ou terceirizar serviços para a iniciativa privada. Um dos exemplos é o chamamento público aberto pela Prefeitura em abril, para terceirizar a gestão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) da Bom Jesus e da Lomba do Pinheiro a organizações da sociedade civil. O Simpa havia conseguido uma liminar contra este chamamento, que acabou sendo derrubada pelo TJ-RS no final do mês de setembro. 

Alberto Terres, do Sindicato dos Municipários. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além disto, a Fundação Pró-HPS contratou uma empresa privada, a Planisa, para elaborar um plano de terceirização. “Nós entramos com ação também. Duas empresas privadas tiveram acesso a todos os dados do Hospital, inclusive financeiros”, afirma Terres. O diretor do SIMPA ressalta que, recentemente, há várias experiências de terceirizações mal-sucedidas no setor da saúde, como o Instituto Sollus, acusado de fraudes em Porto Alegre, ae o Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp), também acusado de fraudes, mas no município de Canoas. “As experiências que tivemos, é de que os serviços foram precarizados. Se transforma também num córrego de dinheiro público. Sollus é um caso emblemático, GAMP em Canoas também. Todas as experiências são danosas, inclusive muitos países estão reestatizando os serviços”, diz Terres. 

No site da Secretaria de Parcerias Estratégias nota-se que há mais parcerias em vias de serem implantadas, como o trecho 2 da Orla do Guaíba (que já passou por consulta pública e audiência pública) e o Mercado Público (em fase de consulta pública). No fim do mês de setembro, a Prefeitura de Porto Alegre assinou contrato com a consultoria Maciel Auditores, “que realizará diagnóstico e apresentará cenários de reestruturação da Companhia Carris Porto-Alegrense (Carris)”. 

 Alberto Terres relata que não foi consultado sobre esse processo do DMAE, nem mesmo com relação ao destino dos trabalhadores. Isto porque o prefeito Nelson Marchezan rompeu relações com o Simpa e proibiu integrantes do Governo de estabelecerem contatos com o sindicato. “A Prefeitura não recebe os trabalhadores, Marchezan deu ordem a todos os secretários para não nos receber. Lamentamos, mas vamos continuar fazendo o enfrentamento, político, jurídico, para barrar está venda da cidade”. 

Ato em defesa do Dmae. Foto: Maia Rubim/Sul21


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