Flavio Fligenspan (*)
No dia 9 de setembro passado publiquei uma Coluna com o título “Bulindo com os interesses do capital”, em que observava o quanto as falas grosseiras e as trapalhadas de vários membros do Governo Bolsonaro, incluindo o próprio Presidente e seus filhos parlamentares, atrapalhavam as relações internacionais, sobretudo no plano comercial. Lembrava naquele momento as repercussões das queimadas na Amazônia e das manifestações desrespeitosas com líderes de outros países e intuía que, dado o estilo pessoal de fazer política, “…tudo indica que não haverá mudança de perfil.” O final da Coluna referia a preocupação das empresas brasileiras com as consequências negativas da postura do Governo sobre os espaços duramente conquistados no mercado internacional.
Não era difícil prever a continuidade do clima tenso, mas não pensei que a situação se deterioraria tanto em tão pouco tempo. Menos de dois meses depois, há uma crise política instalada entre oposição e Governo e dentro da própria situação, com briga generalizada no PSL e denúncias pesadas de várias ordens, inclusive envolvendo a família do Presidente. Para piorar o ambiente, de vez em quando aparecem manifestações de flerte explícito com a ditadura, como as do Deputado Eduardo Bolsonaro na semana passada.
O Presidente acabou de voltar de uma viagem ao exterior em que teve encontros importantes no Japão, na China e em vários países árabes. Na Arábia Saudita, por exemplo, teve a promessa de aquele País aplicar US$ 10 bilhões de seu fundo soberano formado com recursos oriundos da venda de petróleo em projetos de infraestrutura e na agropecuária do Brasil. Ainda que represente só 10% do que os sauditas prometeram aplicar na Índia, trata-se de um valor expressivo. Ora, nada mais significativo neste momento em que tanto necessitamos de dinheiro e dos empregos que as grandes obras podem gerar. Diante do bloqueio dogmático que o Ministro da Economia faz à discussão do uso da política fiscal como estímulo à retomada da atividade e dada a resposta ainda muito tímida dos capitais privados nacionais, resta apelar para o capital internacional.
Contudo, nenhuma promessa como a da Arábia Saudita vai se efetivar se o ambiente de instabilidade política e institucional continuar se deteriorando. As variáveis mais importantes para as apostas de longo prazo em investimentos como os de infraestrutura em qualquer lugar do mundo são estabilidade e confiança, tudo que o Governo brasileiro não oferece neste momento.
Os primeiros dez meses do Governo Bolsonaro já se passaram e ele nada fez para apaziguar ânimos exaltados do processo eleitoral de 2018 e construir um clima favorável ao investimento produtivo e ao crescimento da economia. Pelo contrário, fez muito para produzir intranquilidade e incerteza, ajudando a deteriorar o ambiente dos negócios e afastar decisões de investimento. O ano de 2020 trará eleições municipais e o Governo, naturalmente, almeja ter um bom desempenho, fortalecendo sua posição política, com as devidas consequências econômicas. Dada a desarticulação político-partidária construída pelo próprio centro do Governo, que não sabe nem a que partido estará filiado nos próximos meses, é difícil projetar um resultado positivo.
Pergunto-me o que estará pensando o Ministro da Economia sobre este prejuízo à construção de um bom ambiente econômico; e os empresários nacionais interessados direta e indiretamente no investimento estrangeiro. Desde 2014, com a recessão e a posterior semi-paralisação da economia brasileira, o capital privado está em busca de boas notícias e de um clima de tranquilidade para desenvolver suas atividades com segurança, sem sobressaltos, sem os surtos de cresce e para típicos do que se convencionou chamar de “vôo de galinha”.
Creio que a esta altura o capital privado nacional já tem certeza do erro que foi ter apoiado uma aventura política, sem estrutura política sólida, sem tradição, sem conhecimento e muito menos com gosto por construir a boa negociação política imprescindível à orientação dos caminhos do crescimento. O problema é que isto já tinha acontecido noutra oportunidade, há trinta anos, e repetimos o mesmo erro. A única vantagem é conhecer o caminho do que vem pela frente: desarticulação, perda de tempo, rearranjo político, remontagem de projeto político e econômico. A desvantagem é perder o tempo da história. Enquanto os competidores do mercado internacional avançam sem sobressaltos ou com menos problemas, nós insistimos em voltar atrás e recomeçar.
(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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