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9 de setembro de 2019
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14:05

Bulindo com os interesses do capital

Por
Sul 21
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Macron e Bolsonaro no G20, 28/06/2019 (Clauber Cleber Caetano / PR/Flickr)

Flavio Fligenspan (*)

Todo homem público sabe ou deveria saber que suas declarações importam e muito. Elas vão ser lidas e ouvidas com muita atenção, para serem devidamente interpretadas nas linhas e entrelinhas, buscando todo seu significado, da forma mais ampla possível. Da interpretação destas declarações dependem ações públicas e privadas, alocações de recursos financeiros, investimentos produtivos e decisões que envolvem capitais nacionais e internacionais. Quando a declaração vem de um alto representante da hierarquia dos poderes e de um país com algum peso no jogo do capital internacional, tanto mais importante ela é.

Se vier do presidente de uma nação, impacta vários setores e recursos de vários países. Uma palavra fora de lugar pode gerar ganhos ou perdas não desprezíveis, principalmente no mercado financeiro, sempre muito ágil e volátil, portanto muito sensível a qualquer sinal. Desde o início do ano o Presidente do Brasil parece não saber desta regra e trata assuntos sérios com pouca cerimônia, como se as consequências de suas mensagens não tivessem efeito. Somaram-se neste período de pouco mais de oito meses desde pequenas intrigas e brigas com moinhos de vento até grosserias gratuitas com autoridades nacionais e estrangeiras. Pouco de positivo foi gerado e muitas consequências negativas logo apareceram, tanto no terreno da política quanto no da economia, para não falar da diplomacia e do simples respeito e empatia com os semelhantes.

Do ponto de vista econômico, as repercussões demoraram um pouco para aparecer, como se os agentes estivessem esperando a maré ruim passar, como que admitindo uma espécie de teste ou mesmo como uma condescendência com um possível despreparo que talvez logo fosse vencido. Mas não foi, e pelo contrário, se avolumou e foi avançando para terrenos mais delicados e com repercussões internacionais maiores. É o caso óbvio, por exemplo, das declarações sobre as queimadas na Amazônia, que mexem com interesses nacionais e estrangeiros. O fato é que já ficou claro que as ações presidenciais fogem ao controle e causam enormes prejuízos a diversos setores e empresas com diferentes interesses e origens do capital.

Enquanto as manifestações puderam ser interpretadas, de forma muito benevolente, apenas como falta de habilidade, prestação de contas para uma platéia específica e brigas com inimigos imaginários, o capital pouco se importou, ainda que politicamente elas já estivessem causando muito estrago. Contudo, pode-se dizer que nos últimos dois a três meses a situação se agravou ao ponto de causar desconfiança nos investidores e as primeiras reações efetivas começarem a aparecer, como no caso da interrupção das compras de couro brasileiro por parceiros internacionais de peso no ramo da moda. Um sintoma mais grave foi a retirada recorde de recursos estrangeiros da Bolsa brasileira no mês de agosto.

Vários outros exemplos começaram a se somar e chegamos ao ponto impensável de dar combustível para governantes europeus ameaçarem colocar em xeque a aprovação do acordo comercial com o Mercosul, duramente costurado nos últimos vinte anos. Era tudo que eles queriam, poder apontar falhas de controle ecológico no Brasil para dar respostas às pressões internas por proteção comercial de seus produtores primários. E nós lhes oferecemos de bandeja.

A resposta interna também apareceu. Para defender seus interesses comerciais, produtores brasileiros de diferentes setores começaram a reagir, criticando a postura presidencial e exigindo um tratamento mais controlado e responsável de suas manifestações. Penso que a partir daqui se abre um período delicado e nada fácil de administrar. Seja por convicção, por inabilidade, por características próprias de personalidade, ou simplesmente para agradar seu núcleo duro de eleitores – principalmente diante da queda rápida de popularidade –, tudo indica que não haverá mudança de perfil.

Por sua vez, os setores da agropecuária e da indústria que fizeram esforço de décadas para construir sua imagem internacional e conquistar mercados, não podem assistir à erosão rápida de sua credibilidade sem reagir, sobretudo em tempos difíceis do comércio internacional e dadas as dificuldades da Argentina, nosso importante parceiro comercial. As pressões de grupos econômicos poderosos não são vistas em manifestações de rua, mas têm efeitos importantes no parlamento e noutras instâncias de poder, podendo redundar em ações de retirada de apoio. Para estes agentes, o resultado econômico e a possibilidade de sacrificar espaços no mercado internacional falam mais alto que as escaramuças do jogo político. E eles não costumam jogar leve quando seus interesses são ameaçados.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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