Cidades
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28 de julho de 2020
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23:14

MP aponta ilegalidades e ‘descaso’ do governo Marchezan e pede anulação da concessão do Mercado Público

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Sul 21
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MP aponta ilegalidades e ‘descaso’ do governo Marchezan e pede anulação da concessão do Mercado Público
MP aponta ilegalidades e ‘descaso’ do governo Marchezan e pede anulação da concessão do Mercado Público
Ação do Ministério Público aponta diversas ilegalidades e pede a nulidade da concessão do Mercado à iniciativa privada. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luciano Velleda

A intenção do Prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) de conceder à iniciativa privada a gestão do Mercado Público de Porto Alegre sofreu mais um revés nesta terça-feira (28), faltando apenas três dias para a entrega das propostas dos interessados. Depois de o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinar a suspensão do processo, agora foi a vez de o Ministério Público Estadual (MPE) ingressar com ação civil pública pedindo a nulidade de todo o processo de concessão. A Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre do MPE sustenta que a concorrência pública que visa conceder o uso do Mercado Público à iniciativa privada é “ilegal por diversos motivos jurídicos”. O edital da licitação foi lançado pela Prefeitura no dia 5 de junho e a abertura das propostas está programada para a próxima sexta-feira (31).

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A ação civil pública do MPE tem como base as evidências colhidas no Inquérito Civil Público, instaurado em novembro de 2019, pela Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre. O inquérito teve como objeto “investigar a legalidade, legitimidade e economicidade de promover a concessão da administração do Mercado Público por parte do Poder Executivo Municipal”.

O documento, assinado pelos promotores Cláudio Ari Mello, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, e Débora Regina Menegat e Heriberto Ross Maciel, da Promotoria de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, afirma que a decisão da Prefeitura contém “vícios procedimentais e substantivos que tornam a concorrência ilegal e, portanto, inválida”.

O pedido de nulidade do processo de concessão do Mercado Público se baseia em cinco pontos principais: a violação da Lei 4.717/65, por derivar de desvio de finalidade “decorrente do emprego da figura contratual da concessão de uso de bem público, quando de fato pretende-se conceder a administração global e a exploração empresarial do Mercado Público Central associadas a execução de obra pública, concessão atípica e sem regulação legal”; a violação da Lei Federal 9.074/95, que exige prévia lei que autorize a concretização do contrato de concessão; e a ausência de prévia deliberação e decisão da Câmara Municipal autorizando a concessão, conforme exige a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre.

A ação do MP ainda cita que a “ausência de efetiva participação da população no processo de decisão acerca da concessão da administração do Mercado Público à iniciativa privada viola o princípio da gestão democrática da cidade” assim como o “princípio da participação popular nas decisões do Poder Público”. O quinto aspecto apontado pelos promotores se refere a realização da concorrência pública durante a atual crise econômica do país, em função da pandemia causada pelo novo coronavírus, o que “viola o princípio do interesse público, o princípio da isonomia entre as empresas interessadas em participar do processo licitatório e o princípio da seleção da proposta mais vantajosa para o Poder Público”.

Descaso e inação

Ao longo da peça de 45 páginas, depois de os promotores fazerem um longo e detalhado contexto histórico do Mercado Público, “reconhecidamente um dos mais importantes símbolos da cultura porto-alegrense e gaúcha e um dos mais valiosos bens do patrimônio histórico, cultural e arquitetônico da Capital e do Estado”, o documento chega até os dias atuais e aponta o descaso e inação do governo Marchezan na recuperação do histórico prédio, inaugurado em 1869, e que sofreu um incêndio em 2013.

Os promotores discorrem sobre o esforço do governo municipal, entre 2013 e 2016, para obter recursos e recuperar o prédio, principalmente o segundo andar, o mais afetado pelo incêndio. “Conquanto ao final da administração anterior o segundo pavimento do prédio ainda não estivesse pronto para o uso, restavam por realizar basicamente medidas e obras de proteção contra incêndio, já tendo sido executada a quase totalidade das demais intervenções estruturais”, diz trecho da ação.

E, na sequência, completa: “No entanto, a nova administração, que assumiu em 2017, desde a sua assunção paralisou integralmente as obras e não avançou em nada na conclusão da restauração e da recuperação do prédio. O descaso e a inação da Prefeitura Municipal podem ser medidos pelo fato de que o único ato de efetiva intervenção sua no Mercado Público entre 2017 e 2020 consistiu em delegar para a Associação dos Permissionários do Mercado Público o ônus de executar as obras estruturais faltantes, mediante acordo firmado em Ação de Execução de Termo de Ajustamento de Conduta que a Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística da Capital movera contra o Município”.

Na avaliação do MPE, a atual situação do Mercado Público, sem conseguir se recuperar completamente do incêndio de 2013, “não decorre de uma suposta incapacidade congênita do Estado de administrar com competência o Mercado Público ou bens públicos em geral, mas de uma decisão deliberada de uma específica administração do Poder Executivo Municipal de manter-se completamente omissa na conclusão das obras de recuperação do Mercado Público, que já se encontravam em fase final quando a gestão teve início”.

“Brilhante”

Envolvido desde o ano passado com o tema da concessão à iniciativa privada da gestão do Mercado Público, o vereador Adeli Sell (PT) elogiou efusivamente o teor da ação do MPE apresentada nesta terça-feira (28) pedindo a nulidade de todo o processo. “O material é simplesmente brilhante”, definiu. “O pedido é certíssimo, a melhor coisa que poderia acontecer.”

O vereador recorda que há tempos tem alertado que a concessão não pode ocorrer sem autorização da Câmara de Vereadores, mas que não lhe foi dado atenção. “Sempre dissemos que era uma afronta a outros dispositivos legais. O Poder Público usa de má-fé para, na prática, privatizar o Mercado. Privatizar não é só vender. Ele quer colocar a gestão de um bem público na mão de uma empresa privada para ganhar dinheiro, com pouquíssimos investimentos”, afirma o líder da bancada do PT na Câmara. “Sempre digo que o prefeito odeia o Mercado, que ele quer ‘quebrar’ o Mercado.”

Adeli Sell destaca que o Mercado é um espaço de uso comum da população de Porto Alegre, e um local, diz ele, de “uso especial”. Para ele, a possibilidade do governo Marchezan usar em seu recurso a concessão do Araújo Viana — hipótese levanta nas últimas horas —, concluída sem aprovação da Câmara, não deve prosperar. O vereador justifica que são construções de valores completamente diferentes. Enquanto o Araújo Viana é uma obra da década de 1970, o Mercado Público tem 150 anos de história. “Não há comparação.”


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