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26 de abril de 2019
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20:22

Prejudicados por interdição, comerciantes comemoram início das obras na Casa Azul: ‘Parece mentira’

Por
Luís Gomes
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Casa Azul foi interditada em 2018, exigindo um isolamento de uma área na esquina entre as ruas Riachuelo e Marechal Floriano | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Desde maio de 2018, a passagem de pedestres e veículos pela Rua Riachuelo, na altura da Marechal Floriano, no Centro de Porto Alegre, está interrompida pela risco de desabamento da fachada da Casa Azul, a única parte que restou em pé de um sobrado de mais de 150 anos. Um acordo judicial para definir quem seria responsável por realizar a obra necessária para impedir o desabamento foi firmado em dezembro, mas a intervenção, na prática, só começou nesta semana. Para os comerciantes que acumulam prejuízos com a queda de movimento provocado pelo isolamento físico do entorno do imóvel, a notícia está sendo considerada um alívio, mas ainda permanece a dúvida se o prazo para a conclusão das obras será, de fato, cumprido.

Jorge Radaelli é um dos responsáveis pelo Atelier das Massas, um dos mais tradicionais restaurantes de culinária italiana de Porto Alegre. Ele estima que, desde a interdição da Riachuelo, entre as ruas Marechal Floriano Peixoto e Vigário José Inácio, o movimento caiu “uns 30%”. “Foi um prejuízo muito grande”, afirma.

Ele diz a queda no movimento pela interdição da Casa Azul deixou a região mais perigosa durante a noite — o estabelecimento abre as portas durante o horário do almoço e depois das 18h. Ele afirma que a diminuição da circulação de pedestres deixou o local mais suscetível à presença do tráfico de drogas. “Virou um beco”, diz.

Jorge Radaelli estima que o movimento do Atelier das Massas caiu cerca de 30% | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Gilberto Bittencourt Jr, filho do proprietário da loja Extremo Sul Aventura — que vende artigos militares, de acampamento e de aventura –, localizada próximo ao Atelier, também aponta queda no movimento, especialmente pelo fato de que o público da loja costuma ser de pessoas que passam em frente ao local e são atraídas pelos artigos expostos na entrada do estabelecimento.”O público de passagem caiu bastante”, diz. Uma perda bastante sentida no comércio vem do fato de que viaturas já não passam mais pelo local, e trabalhadores das forças de segurança estão entre seus principais clientes.

Ele avalia que uma parte do público a pé também caiu porque muitas pessoas ainda têm a impressão de que a rua está totalmente bloqueada para o trânsito de pedestres. Bem no cruzamento com a Marechal, há um isolamento ao tráfego e três contêineres de lixo bloqueando o caminho, mas ainda é possível passar por uma das laterais da via. “O fluxo de carros era grande, costumava dar tranqueira aqui na frente”, diz Gilberto. A tranqueira continua, mas agora só a partir do trecho entre a Marechal e a Borges de Medeiros.

Mary Ferreira, proprietária do salão de beleza que leva o seu nome e está na Riachuelo há cerca de dez anos, também lamenta o prejuízo. Segundo ela, o público caiu em 50%. Além disso, grande parte de sua clientela mais abastada, que ia de carro ao local, parou de frequentar o Mary Ferreira Studio Hair. “Tem bastante gente que ainda passa a pé, mas o público mudou”, diz. “Como o salão tem muitos anos, tem clientes que são fieis, mas o público diminuiu muito”.

Pela questão do aumento da insegurança gerado pela diminuição do movimento na rua, o salão que antes fechava às 20h, está fechando quase diariamente por volta das 18h. “Antes, nunca que os profissionais já teriam indo embora às seis horas”, diz Mary.

Emeson Lanes, marido dela e quem trabalha no local como corretor de seguros, “às vezes dando uma ajudinha”, diz que o casal chegou a entrar em contato com a proprietária do imóvel, que é alugado, para devolver, em razão da queda no movimento.

Mas nem todos os comerciantes ouvidos pela reportagem reclamam de queda no movimento. Serguei Villanova Fortes, proprietário da Villanova Materiais de Construção, localizada quase esquina da Vigário José Inácio, diz que para o seu negócio as obras não trouxeram grandes prejuízos. Pelo contrário, podem até ter tido um efeito positivo. “Tem gente que agora para e estaciona na rua. Ficou um estacionamento privativo, que antes não se tinha”, diz. No entanto, ele lamenta as perdas da cidade com o bloqueio de uma de suas vias mais importantes.

Pedestres conseguem passar apenas por uma das calçadas em trecho da Riachuelo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A história da Casa Azul

A Casa Azul é um sobrado inspirado no neoclássico francês. Além de servir a moradia no segundo andar, uma de suas primeiras funções foi a de sede de uma fábrica de chapéus. Depois do fim da fábrica que funcionava na Casa Azul, outros tipos de comércio foram se estabelecendo ali – várias lojas, bares e restaurantes. Nos anos 1960, um dos botecos era conhecido entre as crianças do Centro por vender chicletes, balas e figurinhas.

No século XIX, o pigmento azul não era comum. Após mais de um século em Porto Alegre, uma ferragem se estabeleceu em uma das separações construídas para mais comerciantes. Foram seus donos que trocaram a pintura da fachada, se diferenciado dos prédios beges e fazendo com que ela passasse a ser conhecida como Casa Azul. A ferragem teria permanecido no casarão por cerca de 30 anos. Houve no local, também, um salão de beleza e uma barbearia. Ele ainda existe, mas do outro lado da rua. Mantendo as cadeiras originais, o negócio está em sua quinta ou sexta geração.

Os andares de cima do sobrado também já abrigaram uma academia de musculação nos anos 1980. Além disso, um restaurante chinês também passou pelo casarão, mas já em um período de degradação do imóvel. O restaurante sofreu um incêndio, o que ajudou a comprometer a estrutura da Casa Azul, que ruiu parcialmente e não contou com a manutenção necessária. A academia ainda daria lugar para novas moradias, antes que o imóvel fosse abandonado de vez, o que acelerou sua degradação e fez com que, da estrutura original, praticamente só reste a fachada. Diante do risco de desabamento do imóvel, a Prefeitura decidiu interditá-lo em maio de 2018.

Fachada é a única parte que restou do prédio histórico | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Estabilização, depois restauro

Por ser um imóvel inventariado como de interesse histórico-cultural, a Justiça determinou que ele precisa ser restaurado. Em audiência de conciliação realizada no dia 10 de dezembro, na 3ª Vara da Fazenda Pública, ficou acordado que os proprietários deveriam arcar com o restauro. Na ocasião, eles apresentaram um cronograma elaborado a partir de ações e etapas definidas pela Coordenação da Memória da Secretaria Municipal da Cultura (SMC) para a recuperação do prédio. Antes, contudo, a Prefeitura irá realizar uma intervenção para estabilizar a fachada da Casa Azul, eliminar o risco de desabamento e garantir que a circulação possa ser retomada no local.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) informou que iniciou as obras para estabilização na quinta-feira (25). Os trabalhos começaram pela remoção de lixo e desobstrução do local, uma etapa que deve durar cerca de uma semana. A ideia é que o processo de estabilização da fachada, orçado em R$ 400 mil, dure quatro meses e que a via seja então liberada para o trânsito de pedestres e veículos. Pelo acordo judicial, caberá aos proprietários realizarem posteriormente o restauro da construção, uma obra orçada em R$ 1,3 milhão. A Prefeitura também buscará junto aos proprietários o ressarcimento dos valores investidos na primeira parte da obra.

Radelli, do Atelier das Massas, permanece cético quanto ao retorno dos clientes. Ele reclama que a Prefeitura “prometeu, prometeu”, mas demorou mais de um ano para iniciar as obras. Agora ele teme que a rua Riachuelo possa ser totalmente bloqueada na esquina com a Marechal, o que prejudicaria ainda mais os negócios. “Se fecharem toda a rua, fica pior ainda. Aí as pessoas nem vêm mais”, diz.

Mary Ferreira está mais confiante. Ela diz que já na última terça-feira (23) era possível ouvir o barulho de homens trabalhando na Casa Azul e removendo entulhos. “Parece mentira que vão arrumar isso aí”.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

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