Débora Fogliatto
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA), instituição de ensino que acolhe pessoas em situação de vulnerabilidade, em sua maioria jovens e adultos que não tem moradia fixa, está há quatro anos batalhando contra a própria Prefeitura da cidade para continuar de portas abertas. Nesta terça-feira (13), a juíza Carmen Carolina Cabral Caminha, da 2ª Vara da Fazenda do Foro Central, determinou que o município mantenha a escola no mesmo local, garantindo a continuidade do funcionamento da EPA.
A magistrada julgou procedente a ação encaminhada pelas Defensorias Públicas Estadual e da União, confirmando liminar que havia determinado, em 2015, que a escola permanecesse aberta. O debate sobre o tema iniciou em 2014, ainda na gestão de José Fortunati, quando a Secretaria Municipal de Educação (Smed) argumentou que o espaço seria destinado para a educação infantil, área que tem déficit de vagas no Centro da cidade, e que os estudantes da EPA seriam transferidos para o Centro Municipal de Educação do Trabalhador (Cmet) Paulo Freire.
A articulação da comunidade escolar e da população de rua, com auxílio da Defensoria, levou o assunto à Câmara de Vereadores, onde foi realizada uma audiência pública sobre o caso. O assunto ainda foi discutido em grupos de trabalho, levado ao Ministério Público, foi tema de um abaixo-assinado e, com o fim das opções de diálogo, a defensora estadual Alessandra Quines Cruz, em parceria com Geórgio Carneiro da Rosa, defensor da União, ajuizou ação exigindo que o fechamento não acontecesse.
O diretor da Escola, professor Renato Farias dos Santos, disse que a comunidade escolar recebeu a notícia da nova decisão judicial com muita alegria. “Todo mundo está muito feliz aqui, já contamos para os estudantes e nos alegra muito que depois de todas as audiências com professores, direção, pessoas da comunidade, com a Smed também, o posicionamento da juíza tenha sido da importância da continuação da EPA”, afirmou. Ele lembrou que os professores e alunos têm lutado desde 2014 para tentar garantir a continuidade do trabalho.
Na decisão, a juíza destacou que, mesmo reconhecendo a necessidade de ampliação do número de vagas para a Educação Infantil, “o fechamento da escola Porto Alegre para abertura de outra escola, porém de séries infantis, não se mostra razoável”. Segundo ela, fica evidente que o trabalho “singular” realizado na EPA é diferente do CMET Paulo Freire, mesmo que ambos trabalhem com educação de jovens e adultos.
“Em que pese a existência de alguns depoimentos dando conta de que o CMET Paulo Freire teria condições de receber os alunos da EPA, a prova carreada demonstra que as escolas possuem propostas diferentes de acompanhamento com relação aos seus alunos, bem como de base pedagógica. Aliás, mostrou-se incontroverso nos autos o caráter social da EPA, que desempenha um trabalho diferenciado, com turmas reduzidas e integralmente compostas por alunos com as mesmas problemáticas cotidianas”, afirma a juíza Carmen Caminha.
Além disso, observou que na EPA os estudantes realizam suas refeições diárias, tomam banho e podem levar seus pertences para a escola, incluindo carrinhos de supermercado, o que não seria possível em qualquer outra escola do município. Ela lembrou, ainda, que a EPA foi criada por decreto em 1995 e autorizada pelo Conselho Municipal de Educação em 2000, com o intuito de alcançar o direito à educação às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade e situação de rua, propiciando tratamento diferenciado.
“Ou seja, em uma escola diga-se, comum, como a CMET Paulo Freire, os alunos da EPA não teriam o acompanhamento necessário, visto que para as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, são imprescindíveis projetos e oficinas diferenciadas, assim como uma estrutura tal que acolha estas pessoas ao chegarem das ruas”, observa a magistrada. Ao longo do processo, foram ouvidos estudantes e professores das duas instituições, além de representantes da Smed e autoridades envolvidas no caso.
Outro argumento utilizado pela Prefeitura, o do suposto baixo número de estudantes da EPA em relação a outras escolas, também não foi acatado por Caminha, que mencionou ser evidente que “as dificuldades escolares e pedagógicas serão imensamente maiores, dos que as escolas em que não possuem atendimento ao mesmo público-alvo”. Agora, o município pode recorrer da decisão em segunda instância, caso apresente algum fato novo em relação ao processo inicial.