Cidades|z_Areazero
|
8 de agosto de 2018
|
18:51

Sem garantia de retorno ao Gasômetro, comerciantes se dizem ‘esquecidos’ no Anfiteatro Pôr-do-Sol

Por
Sul 21
[email protected]
Romário trabalha na Orla do Guaíba há 25 anos. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Às 9h da manhã, não há ninguém na Barraca do Romário. As mesas estão perfeitamente postas, com toalhas e um vaso de flores em cima. Os ingredientes já estão organizados para fazer os lanches e as bebidas estão dispostas para que as vendas comecem. Mas não há clientes. Mesmo assim, Romário não para.

Limpando o fogão, ele reluta em ser entrevistado. “Ah, tem muita coisa pra fazer agora. Mas, se for bem rapidinho, pode ser.” Romário trabalha na Orla do Guaíba há 25 anos. Nos últimos dois, no entanto, ele diz inventar ocupações para preencher o tempo sem clientela. Romário é José Carlos Pereira da Silva. Ele conta ter começado a trabalhar no Gasômetro no início dos anos 90, com um pequeno trailer para vender lanches. “Era a época das carrocinhas. A minha tinha pouco mais de um metro. Era com isso que eu trabalhava”, recorda, olhando para as mais de 15 mesas que agora ficam em frente a sua barraca.

Com o tempo, Romário foi fidelizando seus clientes. Assim, conseguiu se estabelecer em um dos espaços cedidos pela Prefeitura. No entanto, desde o final de 2015, ele e outros 21 permissionários foram transferidos para ao Anfiteatro Pôr-do-Sol. “Aqui é um horror. Não tem gente. Só no final de semana, e ainda é um movimentinho”, ressalta Romário, que afirma estar no local sem acesso à água ou luz. “Dividimos um banheiro químico por R$ 600 entre algumas barracas. Luz mesmo, só com gerador. A Prefeitura nunca ligou direito e tem ignorado. Só fazem a coleta de lixo e olhe lá.”

A mudança para o Anfiteatro ocorreu com o início das obras na Orla. A previsão inicial era de que os comerciantes ficassem no Anfiteatro durante os 18 meses previstos para concluir a reforma – que deveria ter sido entregue no início de 2017. Uma série de atrasos adiou a conclusão, e o trecho de 1,3 quilômetro entre a Usina do Gasômetro e a Rótula das Cuias acabou sendo entregue apenas em junho de 2018.

No Quiosque do Gianechini, Elemar Gianechini, que trabalha há 22 anos na Orla, diz estar ansioso para saber qual será o destino do seu negócio. Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Esquecidos”

No Quiosque do Gianechini, Elemar Gianechini, que trabalha há 22 anos na Orla, diz estar ansioso para saber qual será o destino do seu negócio. “Ninguém sabe de nada. O parque está pronto! E nós estamos aqui, esquecidos.” Ele é membro da Associação da Orla do Guaíba que, segundo Elemar, tem tentado marcar reuniões com a Prefeitura desde o final do ano passado. “Já cancelaram três vezes. Não sei o que está acontecendo. Ninguém parece saber.”

Ao lado do Quiosque do Gianechini, uma das barracas se destaca pelo deque de madeira e a horta plantada. Seu proprietário, Renato Gomes, não abre nas segundas-feiras – prefere reservar o dia para a limpeza do local. “As pessoas acabam não chegando aqui na gente. Um ou dois corredores passam todos os dias e compram algo. Mas o fluxo está concentrado lá [no Gasômetro].” Renato, que também é membro da Associação, diz se sentir incomodado com a ausência de diálogo com a Prefeitura. “A última reunião foi programada para o dia 1º [de agosto]. Mas adiaram, de novo.”

“As pessoas acabam não chegando aqui na gente”, diz Renato Gomes. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Elemar conta que, depois que a transferência ocorreu, a maioria das barracas deixou de abrir todos os dias. “Quem tinha capital conseguiu sobreviver, quem não tinha, quebrou.” O comerciante conta que, de fato, três barracas acabaram fechando permanentemente. “Minha renda caiu mais de 50%”, afirma. Aos 40 anos, Elemar decidiu se mudar de Camaquã para Porto Alegre para tentar conseguir melhores oportunidades de emprego. “Mas, nessa idade, tu não consegue emprego em lugar nenhum”. Ele começou a trabalhar na Orla com uma caixa de isopor, vendendo água. O negócio cresceu: comprou um carrinho, contratou um ajudante, comprou outro carrinho – até chegar na barraca. Ele aponta para o carro estacionado no gramado. “Comprei um carro zero. Só trabalhando aqui. Meu sonho é voltar para a Orla para me manter trabalhando. Aqui, ficamos parados. Esquecidos.”

Não há garantia de retorno

Espaço reformado no Gasômetro, onde antes ficavam localizadas as barracas dos permissionários. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Entre o deque de madeira com bancos voltados para o Guaíba e o que será o Bar 4, estão 19 módulos quadrados que deverão ser ocupados por comerciantes de lanches na Orla do Guaíba. 19 também é o número de permissionários que permaneceram no Anfiteatro Pôr-do-Sol. No entanto, segundo o diretor de promoção econômica da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Luís Antônio Steglich, não existe garantia alguma de que os permissionários voltarão para as proximidades do Gasômetro. “Abriremos um processo de licitação para vários concorrentes. Eles poderão apresentar suas propostas em um processo que será justo para o cidadão.”

Steglich também diz que não houve qualquer interrupção de diálogo entre a Secretaria e os comerciantes. “Se eu caminho por ali, todos me chamam pelo meu nome. Há duas semanas atrás, tivemos uma reunião com todos os ambulantes da Orla”, afirma. Ele diz desconhecer qualquer falta de esclarecimento durante o processo de transferência e sobre o futuro dos permissionários. “O espaço não foi construído para eles, foi construído para a cidade”, pontua, acrescentando que os comerciantes deverão passar por um processo de adaptação, caso se mantenham no Anfiteatro. “Tu quer vender sanduíche pequeno na Rua da Praia ou tu quer vender sanduíche grande na Ponta Grossa?”.

De acordo com o diretor, não há previsão de data para a abertura da licitação. No entanto, reiterou que já foram definidos os permissionários dos quatro restaurantes construídos ao longo da Orla. O Bar 1 será o fast food Árabe in Box, que obteve a permissão por R$ 32.100. Os bares 2 e 3 ficarão sob responsabilidade dos restaurantes Bobab Piccon Pizzeria Ltda., com oferta de R$ 16.750 por valor licitatório, e do Bar do Espartano, que ofereceu R$ 18.650 pela permissão de uso. O último edital será o do Bar 4, que deve ser lançado nas próximas semanas. Os estabelecimentos têm até 60 dias para iniciar as operações após a assinatura dos contratos.

Para Romário, no entanto, isso sinaliza certa elitização da área. “Quem poderá pagar esses preços? Só sei que, se tivermos espaço, poderemos garantir atendimento de qualidade para todos.”

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora