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8 de maio de 2018
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10:53

Após Estado desistir de desapropriação, Saraí recebe ordem de despejo

Por
Luís Gomes
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Após Estado desistir de desapropriação, Saraí recebe ordem de despejo
Após Estado desistir de desapropriação, Saraí recebe ordem de despejo
Ocupação Saraí está sob ordem de reintegração de posse desde o final de abril | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Uma das maiores vitórias do movimento popular de habitação de Porto Alegre está com prazo contado para se transformar em mais uma derrota. Em decisão judicial emitida no dia 27 de abril, a juíza Maria Thereza Barbieri, da 19ª Vara Cível do Foro Central, concedeu a reintegração de posse à Risa Administração e Participações LDTA do prédio da Ocupação Saraí, localizado nas ruas Caldas Júnior, 11 e 21, e na Avenida Mauá, 899, bairro Centro. Coordenada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), a Saraí obteve, em 2014, um compromisso do então governo estadual de Tarso Genro (PT) para a desapropriação do imóvel, processo que acabou paralisado com a troca de governo no ano seguinte.

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A ocupação Saraí foi realizada no dia 28 de agosto de 2013. Antes, porém, o imóvel já tinha sido ocupado e reintegrado três vezes – 2005, 2006 e 2011. Originalmente, o prédio foi construído ainda durante a ditadura militar para servir de moradia popular, com financiamento do Banco Nacional de Habitação, mas nunca cumpriu seu destino. Depois de ser usado para escritórios da Caixa Econômica Federal, ficou abandonado por quase duas décadas sem propósito. Chegou a ser utilizado pelo crime organizado, em 2006, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) cavou um túnel no imóvel para tentar roubar uma agência do Banrisul.

Em sua decisão, Barbieri fez uma reconstituição do processo judicial iniciado com o pedido de reintegração de posse em 2013, detalhando que a Risa alegou no início da ação que adquiriu o imóvel em 12 de novembro de 2004, mediante a promessa de compra e venda firmada com a Caixa Econômica Federal, antiga proprietária. Em sua argumentação, o MNLM dizia que o imóvel não seria de propriedade da Risa, pois o contrato de promessa de compra e venda estaria desatualizado, o que impossibilitaria a comprovação da posse, e que o prédio encontrava-se abandonado no momento da ocupação, o que evidenciaria a “inexistência de posse anterior”. A justiça contudo, considerou que a Risa conseguiu comprovar a propriedade do imóvel.

Em 2014, o processo foi suspenso em razão das tratativas entre o governo do Estado e o movimento social para que o prédio fosse desapropriado. Na ocasião, o movimento convenceu o governo de que manter as famílias no prédio era uma alternativa melhor, e até mais barata, do que removê-las e designar para elas unidades habitacionais em condomínios do Minha Casa, Minha Vida na periferia.

Em 4 de julho de 2014, o Diário Oficial do Estado trazia um decreto assinado por Tarso Genro (PT) declarando o imóvel como bem de interesse social, abrindo as portas assim para a desapropriação do local, mediante a indenização do proprietário. Com a troca de governo, no entanto, o processo foi paralisado e o governo do Estado desistiu de adquirir o imóvel e repassar para as famílias.

Segundo Ezequiel Morais, da direção estadual do MNLM, o proprietário pediu ao Estado R$ 4,8 milhões pelo imóvel, enquanto o governo Tarso teria oferecido R$ 2,2 milhões. Contudo, em entrevista sobre uma possível reintegração em agosto de 2017, Ezequiel destacou que o MNLM realizou, quando ainda tratava-se da negociação de desapropriação, três propostas para ressarcir o Estado da compra do imóvel, elaboradas por um grupo técnico, composto por arquitetos e engenheiros, com estudo de viabilidade do prédio e previsão de reforma.

Essas propostas previam alternativas como o Estado adquirir o prédio e os moradores, através de uma cooperativa formada por eles, devolverem o dinheiro parceladamente a longo prazo ou o financiamento através do Minha Casa, Minha Vida – Entidades. Para viabilizar os pagamentos, estudavam a possibilidade de explorar comercialmente os espaços do andar térreo para arrecadar fundos para o pagamento do imóvel ou ceder este espaço para o Estado fazer a exploração como contrapartida pela desapropriação. Ele acrescentou que o MNLM até já tinha mantido conversas com a Caixa e que tinham se mostrado favoráveis. Contudo, o atual governo nunca se mostrou acessível a nenhuma das propostas, tampouco houve avanço na questão do Minha Casa, Minha Vida.

Imóvel foi ocupado três vezes antes da Saraí |  Foto: Maia Rubim/Sul21

Retomada do processo judicial

Barbieri destaca em sua decisão que o governo demonstrou “desinteresse em concretizar o ato de desapropriação” e que o proprietário tampouco teve interesse em buscar uma conciliação por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Consta nos autos o argumento apresentado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) que a desistência do processo se deu por opção política, “não havendo mais interesse em investir na edificação em razão do alto custo para aquisição e regularização das moradias, considerando o número de famílias beneficiadas”.

Com o desinteresse de duas das partes envolvidas, o processo foi retomado pela 19ª Vara e, em abril passado, a juíza considerou como procedente o pedido de reintegração de posse, dando prazo de 60 dias para a desocupação voluntária do imóvel, sob pena de, caso isso não ocorra, ser expedida uma autorização de uso da força policial para efetivar a reintegração. Barbieri, contudo, não condenou o MNLM e as famílias a pagar uma indenização de perdas e dano à proprietária, como pediu a Risa no processo, por considerar que não foram comprovados os alegados prejuízos, isto é, que a empresa deixou de lucrar com o imóvel durante o período da ocupação.

Ezequiel destaca que, na avaliação do movimento, o prazo só deverá correr a partir do momento em que as famílias forem notificadas, o que não ocorreu ainda. Questionado se o movimento acredita em alguma reversão judicial, ele é cético. “Eu acho muito difícil, por vários fatores. Na última reunião de conciliação, o proprietário nem quis ir. Não há possibilidade de diálogo entre ele e as famílias. Os únicos atores que poderiam provocar alguma coisa, seriam o governo do Estado ou o governo municipal”, diz.

Ele destaca que a expectativa do movimento agora decorre do fato que, na época das negociações para a desapropriação do imóvel, o MNLM chegou a firmar um acordo com a Prefeitura — então governada por José Fortunati (PDT, e atualmente no PSB) e o Estado no sentido de que, caso o processo não fosse adiante e a reintegração de posse viesse a ocorrer, ambos os executivos ficariam responsáveis por dar uma destinação às famílias, fosse pelo aluguel social ou pela inserção em outro programa social.

Contudo, nenhum dos dois governos atuais teria dado sinais de que cumpriria esse acordo. Ezequiel diz que uma reunião com o então secretário de Obras e Habitação do Estado, Fabiano Pereira (PSB), não resultou em nenhum encaminhamento prático para as famílias. Procurada, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esportes (SMDSE) da gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) diz que não tem conhecimento do acordo e que o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) não está tratando do assunto. Até o fechamento desta matéria, a reportagem não obteve um posicionamento do governo do Estado sobre a questão, onde o caso está sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação.

Ezequiel afirma que, das 20 famílias que atualmente ocupam o imóvel, pelo menos 11 não têm nenhuma alternativa e que, caso a reintegração seja confirmada, irão parar na rua. As demais estariam tentando encaminhar alguma situação que seja ao menos provisória.

Ezequiel Morais, da coordenação do MNLM | Foto: Maia Rubim/Sul21

Mais ocupações sob ameaça de despejo

Também coordenadora do MLNM, Ceniriani Vargas da Silva afirma que há pelo menos outras duas ocupações ligadas ao movimento sob risco iminente de desocupação em Porto Alegre em razão de recentes decisões de reintegração de posse. Uma delas, composta por cerca de 70 famílias, ocupa um imóvel que pertenceu ao INSS na Vila Maria, bairro Cavalhada, há mais de cinco anos. Ela aponta que se tentou realizar uma negociação com o município para a desapropriação do imóvel por causa de dívidas do INSS com o Previmpa, mas que as tratativas estão paralisadas na atual gestão.

A outra ocupação ameaçada se localiza na Av. Borges de Medeiros, no Centro, onde cerca de 60 famílias ocupam há quase duas décadas um imóvel pertencente ao IPE. Segundo Ceniriani, o MNLM está ajudando as famílias a se organizarem em uma cooperativa para facilitar a negociação pelo local, mas também sem avanços recentes e tendo contra uma decisão de reintegração de posse emitida neste ano.


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