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30 de agosto de 2017
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19:45

Após Estado desistir de desapropriação, ocupação Saraí teme ser próximo despejo no Centro

Por
Luís Gomes
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Ocupação Saraí está localizada na esquina da Caldas Júnior com a Mauá | Foto: Maia Rubim/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em 4 de julho de 2014, o Diário Oficial do Estado publicou um decreto assinado pelo então governador Tarso Genro (PT) declarando o imóvel da Ocupação Saraí, localizado na esquina da rua Caldas Júnior com a Av. Mauá, como bem de interesse social, abrindo as portas assim para a desapropriação do local. Na época, cerca de 20 famílias completavam dez meses de ocupação de imóvel. Antes, porém, o prédio já tinha sido ocupado e reintegrado três vezes – 2005, 2006 e 2011, além da atual, em 2013. Com a troca de governo, a desapropriação acabou nunca sendo confirmada e agora as 22 famílias que compõe a Saraí atualmente temem que serão as próximas a serem alvo de despejo no Centro de Porto Alegre.

“A gente tinha uma expectativa em relação a mediação. Aí já se percebeu que o proprietário não tinha interesse, até porque o governo do Estado recuou no posicionamento de tentar construir uma forma de negociação, até porque nós tínhamos todo um processo de desapropriação. Na realidade, nem permuta, nem dinheiro, o governo do Estado não quer estar nesse debate. Isso nos prejudicou muito e agora também, da mesma forma, o proprietário saiu e o que está colocado agora é a data de reintegração. A gente está aguardando o juiz encaminhar para nós algum tipo de notificação, nos oficializar, para poder daqui a pouco nos chamar para dialogar a nossa saída, nosso dia de despejo”, diz Ezequiel Morais, da direção estadual do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), que coordena a ocupação.

Originalmente, o prédio foi construído ainda durante a ditadura militar para servir de moradia popular, com financiamento do Banco Nacional de Habitação, mas nunca cumpriu seu destino. Depois de ser usado para escritórios da Caixa Econômica Federal, ficou abandonado por quase duas décadas sem propósito. Chegou a ser utilizado pelo crime organizado, em 2006, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) cavou um túnel no imóvel para tentar assaltar uma agência do Banrisul. Nessa época, o atual proprietário, a Risa Administração e Participações LTDA, já havia comprado o imóvel da Caixa Econômica Federal.

 

Ameaçada de reintegração, a Saraí conseguiu convencer o governo Tarso de que manter as famílias no prédio era uma alternativa melhor, e até mais barata, do que removê-las e designar para elas unidades habitacionais em condomínios do Minha Casa Minha Vida na periferia. O governo, no entanto, não fez o acerto financeiro com os proprietários na época, que pediam cerca de R$ 4,8 milhões, e o processo acabou paralisado com a troca de governo.

O decreto tem validade de cinco anos, mas, com a aparente desistência do Estado, a Risa voltou a buscar a reintegração de posse na Justiça. Em julho de 2016, a juíza Aline Santos Guaranha, da 19ª Vara Cível do Foro Central, intimou a Procuradoria Geral do Estado para informar se havia sido dado andamento a ação de desapropriação do prédio. Nos autos do processo disponíveis para consulta no site do Tribunal de Justiça (TJ-RS), não há informação sobre a resposta do Estado. Em 16 de junho deste ano, o processo foi remetido ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), órgão de mediação de conflitos fundiários do judiciário gaúcho, pela juíza Vanise Röhrig Monte, também da 19ª Vara Cível, suspendendo assim o andamento da reintegração de posse. No entanto, em 14 de agosto, a juíza Geneci Ribeiro de Campos, titular do Cejusc, em despacho, informou que a Risa disse que não tinha interesse em participar de audiências de conciliação. Diante disso, ela devolveu o processo à 19ª Vara. Essa foi a última decisão judicial tomada neste processo.

Ezequiel Morais, do MNLM, Ocupação Saraí reclama que as propostas do movimento foram ignoradas | Foto: Maia Rubim/Sul21

Ezequiel salienta que o MNLM realizou, quando ainda tratava-se da negociação de desapropriação, três propostas para ressarcir o Estado da compra do imóvel, elaboradas por um grupo técnico, composto por arquitetos e engenheiros, com estudo de viabilidade do prédio e previsão de reforma. Essas propostas previam alternativas como o Estado adquirir o prédio e os moradores, através de uma cooperativa formada por eles, devolvessem o dinheiro parceladamente a longo prazo ou o financiamento através do Minha Casa Minha Vida – Entidades. Para viabilizar os pagamentos, estudavam a possibilidade de explorar comercialmente os espaços do andar térreo para arrecadar fundos para o pagamento do imóvel ou ceder este espaço para o Estado fazer a exploração como contrapartida pela desapropriação. Ele acrescenta que o MNLM até já tinha mantido conversas com a Caixa e que essas seriam favoráveis. Ezequiel diz que, no entanto, o governo nunca se mostrou acessível a nenhuma das propostas, tampouco houve avanço na questão do Minha Casa Minha Vida.

Ele diz que, agora, diante da perspectiva da Justiça autorizar a reintegração de posse, o movimente pretende cobrar do Estado uma reabertura do diálogo e um posicionamento sobre a questão da desapropriação. Segundo Ezequiel, o proprietário pediu ao Estado R$ 4,8 milhões pelo imóvel, enquanto o Estado teria oferecido, ainda no governo passado, pouco mais de R$ 2 milhões. No entanto, defende que os valores de mercado já não seriam mais os mesmos, uma vez que, em 2014, Porto Alegre vivia ainda um período de valorização imobiliária. Ele pede que o Estado faça um novo estudo sobre o valor do imóvel.

A reportagem procurou a secretaria estadual de Obras, Saneamento e Habitação questionando o posicionamento atual do Estado sobre a questão, mas não obteve o retorno até o fechamento desta matéria. A posição anterior – e repassada ao MNLM – e de que, diante da crise financeira, não há disponibilidade de recursos para efetuar o pagamento da indenização ao proprietário do imóvel.

Atualmente, 22 famílias moram na ocupação, divididas em unidades habitacionais montadas nos seis primeiros andares do prédio, e haveria capacidade para mais quatro – inicialmente eram 18.


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