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29 de janeiro de 2020
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11:32

‘A gente precisa tomar alguma atitude’, diz secretário sobre pacote de Marchezan que reduz passagem de ônibus

Por
Luís Gomes
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‘A gente precisa tomar alguma atitude’, diz secretário sobre pacote de Marchezan que reduz passagem de ônibus
‘A gente precisa tomar alguma atitude’, diz secretário sobre pacote de Marchezan que reduz passagem de ônibus
Secretário extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello conversou com o Sul21 sobre o pacote de medidas para reduzir a tarifa de ônibus | Foto: Divulgação/EPTC

Luís Eduardo Gomes

A Prefeitura de Porto Alegre encaminhou na segunda-feira (27) um pacote de projetos à Câmara de Vereadores mudando as formas de financiamento do transporte público da cidade. A ideia do Executivo municipal é que cinco projetos possam ser votados entre quinta (30) e sexta-feira (31) desta semana e, em caso de aprovação, a passagem de ônibus poderia ser reduzida em R$ 1,00 em 2020 e, a partir de 2021, seria oferecido o passe livre para trabalhadores com carteira assinada, passagem geral de, no máximo, R$ 2,00, passe estudantil a R$ 1, 00 e isenção de vale-transporte para empresas.

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Para chegar nesses valores, o governo precisaria aprovar propostas que preveem criação de uma taxa no valor de uma tarifa por dia para carros com placas de fora de Porto Alegre que circulem na cidade — considerada uma espécie de pedágio urbano –, a aplicação de uma tarifa de R$ 0,28 por quilômetro rodado por empresas de aplicativos de transporte individual, o fim da taxa administrativa cobrada pela Prefeitura para fazer a gestão do sistema — chamada de Câmara de Compensação Tarifária (CCT) –, a redução gradual de cobradores — já proposta desde 2017 — e a criação de uma taxa por empregado com carteira assinada a ser cobrada das empresas.

O pacote configura a primeira proposta apresentada pela atual gestão de financiamento do transporte público que não impacte apenas o usuário pagante, uma mudança de rumo considerada importante por especialistas. No entanto, é um projeto que ainda deixa muitas dúvidas e terá pouco tempo para debate. Na tarde desta terça-feira, o Sul21 conversou com o secretário extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Rodrigo Tortoriello, que explica a origem da proposta e defende a forma como o pacote foi apresentado. Confira a íntegra a seguir.

Sul21 – Secretário, como surgiu a ideia para o pacote na EPTC e na Prefeitura?

Rodrigo Tortoriello: Nós estamos discutindo formas de mudar o transporte coletivo desde quando o prefeito começou a conversar comigo, me convidando para trabalhar aqui. Nas entrevistas que foram feitas, pelo Skype e depois presencialmente, quando da seleção… eu não sei se vocês têm essa informação de que houve um processo seletivo.

Sul21 – Isso foi em abril do ano passado, não é?

Rodrigo Tortoriello: Em abril do ano passado eu vim trabalhar, mas em janeiro começaram os contatos. Começamos a discutir e, quando eu cheguei aqui, o prefeito me passou algumas tarefas. ‘Olha, você tem a missão de mudar algumas coisas no transporte público, não dá para continuar como está’. ‘Eu tenho a intenção de reduzir o valor da passagem, o que a gente pode fazer para tornar mais acessível, melhorar a qualidade do transporte coletivo?’ Enfim, todos esses problemas que a gente já têm identificados, que vocês conhecem bem também de acompanhar o dia a dia da cidade, ele tinha o mapeamento deles e pediu que esses assuntos fossem tratados. Nós começamos a investir tempo e estudo em diversas medidas. Aí vai desde a implantação do GPS, o incremento das faixas exclusivas, a criação da delegacia especializada para o combate ao crime em transporte público. São medidas complementares que vão se somando e fazendo com que a gente possa dar um pouco mais de qualidade e mais velocidade ao transporte coletivo. Então, passa por esse sentido de buscar alternativas, fazer um pouco diferente do que a gente tem feito, para que o transporte melhorasse de qualidade.

Sul21 – O que surpreendeu é que é uma mudança de rumo da atual e das últimas gestões em Porto Alegre, que vinham trabalhando muito na questão dos subsídios e como tornar mais racional a operação das empresas, mas se evitava discutir propostas que tocassem em outras fontes de recursos para financiar o sistema, como está sendo proposto com a taxação de aplicativos, com o chamado pedágio urbano, a criação de uma taxa para as empresas. Em que momento a Prefeitura percebeu que buscar essas outras fontes é a única forma de financiar o transporte público?

Rodrigo Tortoriello: Olha, primeiro já tinha um dado inicial que Porto Alegre não tinha, em seu orçamento, espaço. Nós percebemos que não tinha condições de tirar ‘x’ milhões de reais do orçamento e aportar no transporte público. E aí, sendo bem franco, vamos botar tarifa zero? Não tem R$ 800 milhões, o que precisa é de dinheiro novo para poder fazer o sistema funcionar e tentar desonerar o cidadão que anda de ônibus. A partir daí, com essa premissa de que não tem dinheiro, você tem que sair buscando o que é feito. A gente começou a consultar quem tem algum tipo de financiamento, como funciona e qual é a origem desse recurso. E aí nós fomos buscar essas experiências no mundo inteiro. Então, quando a gente fala da taxa de mobilidade urbana, ela é inspirada no transporte da França. Quando a gente fala em tarifa de congestionamento, ela é inspirada nas tarifas de congestionamento de Cingapura, de Estocolmo, de Milão, enfim, experiências internacionais que tratam exclusivamente de congestionamento. Quando a gente fala de um modelo similar no Brasil, não tem para o transporte público, mas existe para outra finalidade como as finalidade ambientais. Bombinhas, aqui perto mesmo, ela tem uma tarifa para acessar a região das praias. Fernando de Noronha cobra uma taxa de permanência diária. Ubatuba agora tem um sistema em que a placa do carro vai se lidar muito similar ao que a gente está propondo. Mas é uma taxa ambiental, é um outro tipo de lógica. Aqui é a primeira cidade do Brasil que estará destinando recursos para o transporte coletivo.

Sul21 – Nesse sentido, como isso seria implementado? Seria por um sistema eletrônico ou seria um pedágio informal com cancelas?

Rodrigo Tortoriello: Seria um pedágio eletrônico, com leitura de placas. Mal comparando, a gente poderia usar como parâmetro o sistema de área azul de Porto Alegre, onde você insere lá tua placa, tem os créditos no aplicativo, ali você diz que vai usar e ele debita a tarifa do teu crédito. Então, pode ser isso, pode ser um sistema em que a pessoa compra crédito antecipado ou ela paga posteriormente. Enfim, essa parte do desenvolvimento do sistema em si ainda está em elaboração, mas nós já temos ideia de como ele pode funcionar e já existe tecnologia para isso.

Sul21 – Uma discussão muito forte que se criou na imprensa e nas redes sociais desde ontem é a questão do prazo para discussão desses projetos, que são mudanças profundas no sistema de mobilidade de Porto Alegre. Te parece que é possível aprovar os projetos nesse prazo? Não seria melhor realizar mais discussões, audiências públicas e dar mais prazo para a Câmara debater esses temas?

Rodrigo Tortoriello: Nós temos alguns projetos de lei que ficaram parados na Câmara durante anos e anos, sempre com essa lógica de que ‘deve haver uma discussão’. Eu acho que a gente precisa tomar alguma atitude. O cidadão que está lá, que paga caro pelo transporte, que tem como única opção de transporte o ônibus, eu não sei quanto tempo esse cara pode ficar esperando a gente debater. Eu acho que o debate é importantíssimo, o debate tem que ser realizado. Agora, não pode durar a vida inteira. Então, a nossa proposta é que esse debate seja travado de forma boa, de forma ordeira, de forma respeitosa, mas que também não fique só no debate e a gente possa sair para ação.

Sul21 – Secretário, a gente fez uma série de matérias no ano passado em que especialistas alertaram que, do jeito que estava o sistema de Porto Alegre, com constantes aumentos e com a perda de usuários na casa de milhares, dezenas de milhares por ano, ia ficar insustentável. A Prefeitura tem a percepção de que precisa ser feito algo radical ou o sistema entra em colapso?

Rodrigo Tortoriello: Sim, porque isso é uma coisa matemática. O modelo que nós temos, que única e exclusivamente considera o cidadão que usa o ônibus como a única fonte de custeio da tarifa e a tarifa é o custo total sobre o número de pagantes, toda vez que reduzir o número de pagantes a gente vai aumentar a tarifa. Não faria sentido ficar vindo aqui todo ano só para dizer: ‘ah, reduziu pagante, agora eu preciso subir a tarifa’. Aí, ano que vem, reduz pagante de novo, sob a tarifa de novo e esse custo ficar insustentável. Então, precisava de uma atitude que pudesse fazer diferente, propor coisas novas. E, como toda coisa nova que é proposta, ela causa polêmica, causa dúvidas, mas é isso que a gente precisa promover e não ficar se escondendo ou se esquivando do problema e não enfrentando de frente.

Sul21 – Nenhum projeto exige alguma contrapartida das empresas operadoras do sistema. Tem alguma questão que a EPTC esteja trabalhando de contrapartida das empresas?

Rodrigo Tortoriello: O que nós temos que ter é um sistema que respeite o contrato. Já que foi concedido e existe um contrato em andamento, que ele seja respeitado para a melhor prestação de serviços para o cidadão. Porque, pelo sistema vigente, tudo entra no cálculo tarifário. Então, o que temos que fazer é ter um serviço de qualidade a um preço acessível e construir caminhos políticos.

Sul21 – Em passando esse projeto, reduzindo a tarifa, a expectativa que se tem é que isso vá aumentar muito a demanda para o transporte público. As empresas estão preparadas para absorver a demanda, porque uma das principais críticas dos usuários hoje é sobre a qualidade dos ônibus?

Rodrigo Tortoriello: Sim, nós temos que mudar essa panorama e, através desse monte de medidas, do GPS, entre outras, a gente vai mudando esse cenário. E, para chegar à tarifa a R$ 2,00 e ao passe livre para o trabalhador, nós temos o ano de 2020 todinho para adaptar as condições e poder preparar para um aumento de demanda, caso ele ocorra.

*Inicialmente, a matéria identificava Rodrigo Tortoriello como diretor-presidente da EPTC, quando ele é secretário extraordinário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre. A informação foi corrigida e a matéria foi atualizada por volta das 10h desta quarta-feira (29). 


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