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28 de janeiro de 2020
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20:26

Como especialistas receberam o projeto de Marchezan que reduz tarifas de ônibus em Porto Alegre

Por
Luís Gomes
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Como especialistas receberam o projeto de Marchezan que reduz tarifas de ônibus em Porto Alegre
Como especialistas receberam o projeto de Marchezan que reduz tarifas de ônibus em Porto Alegre
Tarifa de ônibus na Capital hoje é de R$ 4,70. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A Prefeitura de Porto Alegre apresentou nesta segunda-feira (27) um pacote com cinco projetos para reduzir a passagem de ônibus da Capital. Entre as propostas, estão a criação de uma taxa no valor de uma tarifa por dia para carros com placas de fora de Porto Alegre que circulem na cidade — considerada uma espécie de pedágio urbano –, a aplicação de uma tarifa de R$ 0,28 por quilômetro rodado por empresas de aplicativos de transporte individual, o fim da taxa administrativa cobrada pela Prefeitura para fazer a gestão do sistema — chamada de Câmara de Compensação Tarifária (CCT) –, a redução gradual de cobradores — já proposta desde 2017 — e a criação de uma taxa por empregado com carteira assinada a ser cobrada das empresas.

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Com a aprovação dessas medidas, a Prefeitura diz que conseguiria reduzir em R$ 1,00 a tarifa de 2020 e, a partir de 2021, oferecer passe livre para todo trabalhador formal, passagem de no máximo R$ 2,00 para o usuário geral, passe estudantil a R$ 1,00 e isentar as empresas do vale-transporte. O Sul21 conversou com especialistas em mobilidade urbana para compreender o impacto que os projetos podem ter no transporte público da Capital.

Para o professor de Arquitetura e Urbano e consultor em Transporte e Mobilidade, Emilio Merino, à primeira vista, as medidas propostas pela Prefeitura são positivas. “Acho que todo o técnico de transporte e todo gestor público busca isso, que a tarifa possa baixar”, diz.

No entanto, Merino avalia que o projeto deve ter dificuldades para ser aprovado porque trata de medidas impopulares para determinados setores da população, como a retirada de cobradores, a proposta de pedágio urbano e a taxação de aplicativos. Nesse sentido, acredita que as propostas deveriam ter mais tempo para ser discutidas — os projetos foram encaminhados para serem votados em convocação extraordinária entre quinta (30) e sexta-feira (31) na Câmara de Vereadores.

“Se tivesse todos os estudos que validam cada uma dessas propostas, tudo bem, poderia ser em regime de urgência. Mas, sem esse subsídio, acho que é uma medida precipitada, é tentar forçar a aprovação de algo que não sabemos se vai dar certo ou não”, diz o professor.

Merino acredita que um projeto desse escopo deveria ser bastante discutido por meio de audiências públicas, especialmente porque, na sua avaliação, parecem ser muito genéricos e ainda não podem ser analisados de forma técnica que permita prever seus impactos e resultados. “Ao não existir dados, ao não existir análises de avaliação de impacto de cada uma dessas medidas, tudo fica num mero sentimento ou desejo de que isso vai funcionar. Não é assim que devem ser tomadas decisões de políticas públicas. O que o governo deveria fazer nesse momento é começar a detalhar, aprimorar os dados e os estudos para que a sociedade possa se inteirar do que significaria esse tipo de coisa”.

Rafael Calabria, pesquisador em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), também acredita que, de forma geral, o pacote é importante, porque se trata de uma necessidade urgente das cidades buscar outras formas de financiar o transporte coletivo além do usuário e, segundo ele, as próprias operadoras do sistema já perceberam que não é possível continuar do jeito que está, porque isso resulta em déficits e perdas de passageiro.

Em nota encaminhada à reportagem, a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) diz que é “favorável a todas as discussões que buscam promover novas alternativas e fontes de receita para a sustentabilidade do serviço de transporte coletivo da cidade”, considerando ainda que o debate é essencial para a sobrevivência e qualificação do sistema.

Calabria destaca que um elemento interessante do pacote é que não coloca todas as fichas em uma medida só, dividindo o peso dos subsídios entre diversas fontes. “Se ele colocasse só no aplicativo, só no Uber, 99 ou Cabify, ia ser uma taxa muito cara sobre os aplicativos. Se ele colocasse só pedágio urbano, ia ficar muito caro. Então, você criando várias fontes de recursos, você distribui o custo e, além de tudo, é um fundo mais robusto, porque tem várias pernas. Se uma tiver uma crise, ele tem outra. Então, a estratégia é bastante correta eu diria”, diz.

O pesquisador do Idec também expressa preocupação com o curto prazo para apreciação dos projetos na Câmara. “É uma medida gigantesca, de impacto enorme, positivo, mas, na nossa visão, isso precisa de uma discussão com um pouco mais de calma, mostrar dados, fazer audiências. Tem que ter um contexto de discussão e tentar resolver em uma semana é bastante esquisito, até ruim, porque poderiam aparecer novas propostas, aprimorar as propostas que ele colocou. Enfim, não é porque a medida é boa que ele deve sair atropelando assim”, diz.

Merino questiona ainda o fato de que não há nenhuma proposta que imponha contrapartidas às operadoras do sistema, como, por exemplo, a readequação de horários e linhas. “É muito empurrado para a demanda e nada para a oferta”, diz.

Pedágio Urbano

Uma das medidas que mais chama a atenção no pacote é a que cria uma espécie de pedágio urbano para circular em Porto Alegre, com todos os veículo com placas de fora da cidade tendo que pagar uma tarifa diária de congestionamento. Para Merino, essa é uma medida extrema, que é tomada quando não há outras alternativas a serem adotadas.

Ele diz que um dos grandes exemplos de cidade em que foi implementado um pedágio urbano foi Cingapura, mas com outra realidade e outro foco. “As medidas de pedágio urbanos implementadas ali e em outras cidades da Europa, como Paris e Londres, têm um foco na taxação ecológica, buscando a reduzir a contaminação ambiental desses centros urbanos”, diz.

Merino afirma que, para implementar um pedágio urbano, seria necessário aprovar uma série de medidas de regulamentação, de tecnologia, de cobrança, que não são tão fáceis de colocar em vigor. “Então, o que a gente vê é um pacote de medidas interessantes sem nenhuma sustentação técnica. Pode ser interpretado como uma medida política em um ano de eleições e não tem maior sustento”, afirma.

Calabria alerta ainda que a questão do pedágio urbano pode ser bastante regressiva para populações de menor renda que moram na Região Metropolitana e trabalham na Capital. “Tributar os aplicativos é excelente, várias cidades estão buscando isso, adaptar o VT é muito bom. Mas essa questão do pedágio, é bem grave. Ela é a única injusta, porque, quem mora longe faz percursos piores e mais demorados, usa o ônibus metropolitano, então às vezes usa carro por falta de opção. E aqui a periferia é de baixa renda, então a população que tem pior ônibus, que não tem opção, acaba caindo no uso de carros simples. Além disso, essa população paga o metropolitano, então o benefício para eles é só parcial, só quando eles já entraram na cidade”, avalia Rafael.

Exemplos de outras cidades

Ao apresentar o projeto na segunda-feira, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) afirmou que, no mundo inteiro, quem transporta majoritariamente os passageiros são os ônibus e as cidades que são referência em mobilidade possuem formas de auxílio ao cidadão no valor da passagem — uma mudança sintomática de discurso em relação aos primeiros anos de sua gestão. Ele destacou o exemplo de Cascais, em Portugal, que implementou o passe livre em 1º de janeiro para trabalhadores e estudantes em troca da taxação de veículos e estacionamentos.

Calabria cita como um precedente de projeto similar ao apresentado pelo prefeito uma proposta da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, do início da década de 1990, quando ela propôs zerar a tarifa em troca de aumento do IPTU e de impostos sobre as empresas. “Foi absolutamente afundado pelas elites, pelas empresas, os donos de imóveis criticaram profundamente a medida e acabou que não conseguiu avançar, diz.

Há, porém, cidades de menor porte no Brasil que já operam com passe livre, como Vargem Grande Paulista, município de cerca de 50 mil habitantes que zerou a tarifa em outubro passado a impor uma taxa a ser paga pelas empresas. “É uma das pernas do que o Marchezan fez, mas é uma cidade muito menor”, diz Calabria.

Além disso, há cidades como Agudos (SP) e Maricá (RJ) que há anos têm tarifa zero bancada por recursos do tesouro municipal. Maricá, por exemplo, utiliza royalties do petróleo para esse fim. A própria capital paulista, apesar de não ter tarifa zero, subsidia 38% do custo da passagem, mas Calabria diz que faz isso de forma confusa, com parte de recursos oriundos do tesouro.

“A boa prática, digamos o ideal, seria que a Prefeitura criasse um fundo de transportes, porque aí você tem, além de tudo, uma contabilidade independente. Você consegue puxar no site da Transparência e ver direitinho de onde entrou o dinheiro e para onde foi. Mas, pelo que eu estou entendendo, ele não vai fazer, vai entrar tudo para o orçamento do EPTC. Isso ainda não está claro”, diz Calabria.


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