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5 de novembro de 2020
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12:17

‘Sensação de abandono’: lideranças apontam descaso de últimas gestões com a periferia de Porto Alegre

Por
Luís Gomes
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Juntos, quatro bairros somam cerca de 17% da população de Porto Alegre
Juntos, quatro bairros somam cerca de 17% da população de Porto Alegre

A cada quatro anos é a mesma coisa: quando chega o período eleitoral, as atenções dos candidatos a prefeito e a vereadores se voltam para a periferia de Porto Alegre. Afinal de contas, é lá que estão os bairros mais populosos da Capital. Somados, Rubem Berta e Sarandi, na zona norte, Lomba do Pinheiro, na zona leste, e Restinga, na zona sul, reúnem aproximadamente 17% da população da Capital (censo de 2010).

De acordo com levantamento do Matinal, em 2016, Sebastião Melo (MDB) foi o candidato preferido pelo eleitores dos quatros bairros no primeiro turno, obtendo 26,88% dos votos válidos na Lomba do Pinheiro, 26,37% no Sarandi, 22,49% na Restinga e 21,58% no Rubem Berta. Em todos, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que seria eleito em segundo turno, ficou em segundo lugar. Em 2012, o então prefeito José Fortunati (PDT), que venceu a disputa ainda em primeiro turno, obteve mais de 50% dos votos nos quatros bairros. Ele obteve 61,28% dos votos válidos na Restinga, 58,48% no Sarandi, 52,23% no Rubem Berta e 51,34% na Lomba do Pinheiro.

Às vésperas de a cidade eleger um novo prefeito, a reportagem do Sul21 conversou com quatro lideranças comunitárias, uma de cada bairro, para entender o que eles consideram ser as principais demandas das regiões em 2020 e o que avançou nas últimas gestões.

Quarto bairro mais populoso de Porto Alegre, a Lomba do Pinheiro abriga 51.415 moradores, segundo o Censo de 2010, espalhados por diversas vilas e comunidades menores. Moradora da região das vilas Santo Antônio e Morada da Colina, a líder comunitária Isabel Adriana Klein destaca que o principal problema da Lomba do Pinheiro é, historicamente, o abastecimento de água. “Todo o Pinheiro sofre com a falta d’água, tanto no inverno, quanto no verão, só que no verão é pior. Tem casos em que famílias saem de casa, principalmente nessas datas de final de ano, porque não têm água. É uma semana, duas, às vezes até um mês”, afirma.

 

Má qualidade das vias está entre os problemas enfrentados pela comunidade que reside na Lomba do Pinheiro. Foto: Claudio Fachel/Palácio Piratini

Ela conta que, em diversos momentos ao longo das últimas décadas, os moradores organizaram protestos ou foram cobrar diretamente na Prefeitura e no Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE), mas ficaram sem resposta. “Tu faz protocolo, tu faz panelaço, tu faz tudo que está dentro das tuas possibilidades e não tem solução. Já fomos até o DMAE, conversamos com o responsável, não resolveu. Fomos na Prefeitura, fomos recebidos com gás de pimenta, então é bem complicado”, afirma.

Outro problema grave que ela aponta é o não cumprimento da tabela de ônibus, especialmente após os horários de maior locomoção de trabalhadores, pela manhã. “Aqui, os ônibus, nas primeiras horas, eles andam dentro do horário. Passando das 8h30, 9h, tu já não pode contar com ônibus. Se tu tiver um trabalho no turno intermediário ou de noite, tu tá ferrada, porque tu não pode contar com as linhas de ônibus.”.

Isabel aponta ainda como problemas do bairro a má qualidade das vias, com comunidades que sofrem com ruas esburacadas e não pavimentadas, a falta de recursos humanos em postos de saúde e a falta de segurança no bairro. “Segurança, para nós aqui, é como caviar. Nunca vi, só ouço falar. É aquela coisa, só vem quando já mataram”, diz. “O nosso posto tem hoje um agente de saúde para um número bem significativo. Não daria conta, porque é uma região bem extensa, que é a Mapa. Estamos numa época de pandemia e não tem esse respaldo para que as pessoas não se desloquem até o posto, sendo que o agente teria essa função de fazer a ponte entre o usuário e o posto. Não temos esse trabalho, que seria essencial, porque a gente entende que a precaução faz toda a diferença”.

 

Pronto atendimento da Lomba do Pinheiro. Foto: Robson da Fontoura/CMPA

A líder comunitária também avalia que pouca coisa avançou na Lomba do Pinheiro em razão de políticas públicas da Prefeitura ao longo das últimas gestões. “Dentro da minha comunidade, a única coisa que eu vi que progrediu foi ter entrado luz e água, porque foi batalhado pelas lideranças anteriores. O esgoto é a céu aberto, não temos uma creche dentro da nossa comunidade. Passa um mandato, entra outro e continua a mesma situação. Tanto é que estou há 20 anos em Porto Alegre e estou sofrendo com a mesma deficiência com relação à água, o que para gente é o que mais pega”, conclui.

De acordo com dados do Censo de 2010, o bairro Restinga tinha 51.569 habitantes, fazendo dele o terceiro em população na cidade de Porto Alegre. Moradora da Quinta Unidade, a líder comunitária Cláudia Maria da Cruz avalia que os moradores do bairro foram esquecidos pelas últimas gestões, especialmente pelo atual prefeito. “Marchezan fez muitas promessas na Restinga, teve muita gente que votou nele aqui, mas o que aconteceu? As ruas estão esburacadas, não temos luz nas ruas, isso implica muito na falta de segurança, falta de manutenção onde tem ruas, ruelas, os acessos, como chamam, tem muito arvoredo, é muito escuro. A minha rua é completamente escura. Aqui, passava o ônibus da Quinta Unidade, mas deixou de passar porque a Secretaria Municipal de Transportes (extinta no governo Marchezan) alegou que a rua não comportava ônibus por estar esburacada. Mas, se tá esburacada, quem tem que arrumar é a Prefeitura. A gente deixou de ter esse ônibus passando aqui dentro e estamos tendo que ficar em paradas que não têm abrigo. Tem que ir até a faixa pegar ônibus, o que, para quem trabalha à noite ou tem que levantar muito cedo, se torna até perigoso, especialmente se tratando de mulheres. Uma parada fica em frente a uma área verde”, exemplifica.

 

Restinga é um dos maiores bairros da Capital. Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Claudia pontua que a comunidade espera há anos resposta para várias demandas feitas por meio do Orçamento Participativo. “Em 2005, quando o Fogaça assumiu, ele já começou a engessar o OP. Não acabou com o OP, mas engessou, porque começou a fazer várias alterações sobre as demandas e muitas acabaram, de pouco em pouco, deixando de ser cumpridas”. A líder comunitária conta que, quando Marchezan assumiu, ele fez uma reunião com os conselheiros do OP para promover um levantamento das demandas antigas e atuais, com o intuito de verificar o que era considerado como prioritário e responder ao que tinha ficado para trás. “Só que nenhuma foi cumprida, nem as que ele pediu que fossem priorizadas, nem as que foram demandadas depois. Daí mesmo que se estagnou o OP”, afirma.

Representante da comunidade no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), Cláudia também aponta como um problema do bairro a precarização dos serviços na área. Ela destaca que, na gestão anterior, a Prefeitura havia firmado um convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social para a construção de uma sede para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Quinta Unidade, região do bairro em que mora, mas que a verba que estava garantida pelo governo federal acabou sendo perdida. “Por uma incompetência do governo municipal, entre 2014 e 2015, perdemos um valor do MDS porque não havia um engenheiro na Prefeitura que pudesse assinar o projeto e enviar para o governo federal. Então, nós perdemos um valor para ser construído um CRAS na Quinta Unidade da Comunidade da Restinga, que hoje está, provisoriamente, num espaço que chega a ser insalubre no verão e não tem o menor distanciamento possível, diante dos protocolos que a gente está vivendo na pandemia”, afirma.

 

Hospital da Restinga está entre as demandas conquistadas com a luta dos moradores. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ela também destaca que outra verba federal havia sido garantida para a construção de uma nova sede da Unidade de Saúde Castelo, que hoje está localizada no mesmo terreno do Hospital da Restinga, mas que o montante também foi perdido. Segundo ela, a unidade seria necessária porque o hospital é distante para muitas famílias que têm a unidade como referência de saúde. “As pessoas deixaram de ter atendimento próximo das suas casas e aí, quem não tem condições de pegar uma condução, tem que vir a pé, cerca de três quilômetros ou mais”, diz.

Por outro lado, destaca que, nos últimos anos, o bairro ganhou melhorias como o próprio Hospital da Restinga, inaugurado em 2014, o Campus Restinga do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, ambas obras construídas com verbas majoritariamente do governo federal, e a escola municipal Nossa Senhora do Carmo, que atende a região da Quinta Unidade. “Nós tivemos algumas conquistas na região, mas isso se deve também à luta comunitária, ao fato de lideranças comunitárias encabeçarem uma luta, brigarem e não permitirem, não esmoreceram perante as dificuldades. Foi uma batalha muito grande, mas a gente conquistou as lotações, o instituto federal, o Hospital da Restinga, a própria escola Nossa Senhora do Carmo, que antes era três pavilhões de madeira e contrariou a ideia do Fogaça que não via como necessária a obra. Tudo isso foi uma luta comunitária”, afirma.

Vizinhos na zona norte, os bairros mais populosos de Porto Alegre, Rubem Berta e Sarandi, somavam 147.074 habitantes segundo o Censo de 2010 — 87.367 e 59.707, respectivamente –, o que representava cerca de 10% dos 1.409.351 moradores da cidade. Para Jesse James Selistre, líder comunitário nascido no Sarandi, o maior problema da região é a falta de segurança pública. “Nós solicitamos uma melhora na segurança em relação ao Parque dos Maias, a reabertura do posto da Brigada em parceria com a Guarda Municipal e com a Polícia Civil para um posto de apoio. Os índices de assalto aumentaram muito de 2016 pra cá, justamente por não ter sido efetuado esse tipo de ação”, afirma.

 

Falta de segurança está entre os principais problemas apontados por liderança do Rubem Berta. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ele avalia que a segurança pública foi mal planejada para quem mora no subúrbio de Porto Alegre, principalmente para os moradores do Parque dos Maias e Leopoldina, que fazem fronteira com outros municípios. “O cercamento eletrônico não é o suficiente porque um veículo furtado, até a pessoa fazer o registro de ocorrência, já passou para Alvorada, por exemplo”. O cercamento eletrônico da cidade é outra pauta que avançou neste ano eleitoral e consiste, basicamente, na instalação de câmeras de monitoramento em pontos considerados estratégicos pelo poder público na tentativa de evitar furto e roubo de veículos.

Outros problemas apontados por lideranças da região são a falta de limpeza e manutenção de esgotos e bocas de lobo e de reposição asfáltica das ruas. “No Rubem Berta, os núcleos não têm asfalto, as entradas ainda são de terra e a maioria delas ainda não foi concretizada. A situação do esgoto, tem vários lugares que é a céu aberto. Agora que a Prefeitura está mandando uma lista onde falam ‘tal’ rua vai ter tapa-buraco, ‘tais’ lugares terão iluminação, agora, nesse ano, próximo às eleições. Mas tudo ficou pendente, desde 2016″, diz Carmen Lopes, representante comunitária do Rubem Berta.

Jesse James ressalta ainda as enchentes e os alagamentos causados pelas cheias do Arroio Feijó e do Arroio Sarandi. “A atual Prefeitura perdeu muitos milhões do governo federal que seriam destinados para as bacias de contenção e para as casas de bombas e as pessoas continuaram perdendo as suas casas e seus móveis devido aos alagamentos”, diz.

 

No Sarandi, alagamentos são uma preocupação recorrente. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ele reitera que a única questão que foi resolvida, nos últimos anos, foi a ampliação do horário de atendimento do Posto de Saúde Ramos, que na proposta de campanha do prefeito Marchezan era para funcionar por 24 horas. “Ele não se tornou um posto 24 horas, mas teve um pequeno avanço. Claro, o ano de pandemia foi atípico, mas os anos anteriores foram muito ruins. Não veio nenhum projeto social consistente na área dos esportes, não teve uma oficina cultural, não tivemos subsídios para fomentar os educadores sociais da região. Sinceramente, uma sensação de abandono”, completa.

A falta de atenção da Prefeitura aos populosos e periféricos bairros da cidade faz que muitos moradores pleiteiem a emancipação das regiões. Jesse James Selistre é um dos organizadores de um estudo sobre a viabilidade da criação de um novo município a partir dos bairros Sarandi e Rubem Berta. Segundo ele, isso seria justificado porque, juntos, os bairros somam 10% da população, mas acabam não recebendo o percentual equivalente de investimentos.

Ele destaca que a região abriga, por exemplo, o Porto Seco, que tem uma posição geográfica estratégica para o transporte de mercadorias por fazer fronteira com Alvorada, Cachoeirinha e Canoas. “Se 10% da arrecadação da Prefeitura ficasse nessa região, seria um lugar com muito mais harmonia e serviços”, afirma.

A emancipação da Restinga também é um tema que já foi pautado por lideranças comunitárias nas últimas décadas, apesar de não ter avançado.

 

Parte da comunidade vê emancipação como alternativa para grandes bairros da Capital. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

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