Últimas Notícias > Política > Eleições 2020
|
19 de novembro de 2020
|
21:03

Levantamento aponta 30 pessoas trans eleitas no País; 3 no RS: ‘Nossos corpos são políticos’

Por
Luís Gomes
[email protected]
Lins Robalo e Regininha e Yasmin Prestes, vereadoras das cidades de São Borja, Rio Grande e, Entre-Ijuís respectivamente, eleitas no último domingo. Montagem: Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em 2016, oito pessoas trans foram eleitas vereadoras e vereadores em todo o País. Nas eleições do último domingo (15), foram 30, um aumento de 275%, segundo aponta levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Leia mais:
‘O Legislativo precisa de mim’: Porto Alegre tem recorde de candidaturas trans com propostas diversas

Entre os que assumirão em 2021, estão dois homens trans e 28 travestis e mulheres trans, das quais sete candidatas foram as campeãs de votos em suas cidades: Linda Brasil (Aracaju-SE), Duda Salabert (Belo Horizonte-MG), Dandara (Patrocínio Paulista-SP), Tieta Melo (São Joaquim da Barra-SP), Lorim de Valéria (Pontal-SP), Titia Chiba (Pompeu-MG) e Paullete Blue (Bom Repouso-MG).

O pleito de domingo também trouxe a eleição de primeira pessoa intersexo — quem nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição típica de sexo feminino ou masculino — do País, Carolina Iara, eleita co-vereadora pela Bancada Feminista de São Paulo.

No Rio Grande do Sul, foram três mulheres trans eleitas. Lins Robalo (PT), que fez 678 votos em São Borja, sendo a única vereadora eleita pelo partido na cidade e a 12ª mais votada em geral; Regininha (PT), que fez 930 votos em Rio Grande, a 14ª mais votada da cidade; e Yasmin Prestes (MDB), que fez 260 votos e foi a 6º mais votada em Entre-Ijuís, município de cerca de 9 mil habitantes na região das Missões.

Travestis podem ser mais

A luta de Maria Regina da Conceição Moraes, mais conhecida como Regininha, não é de hoje. Começou a militar no movimento LGBTQI+ em 2010. Ela conta que, à época, sequer tinha completado o Ensino Fundamental, e que o processo de militância a ajudou a ter “outro olhar” para as vivências e existências da população trans e travesti.

“A minha história não é diferente da história da maioria das travestis e mulheres trans do nosso Brasil”, diz. “Esse movimento social acendeu em mim uma vontade de dialogar e debater de igual para igual”.

Voltou a estudar, concluiu o ensino fundamental, concluiu o ensino médio. Achou que era pouco, e, em 2015, fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Foi aprovada para o curso de Artes Visuais, mas viu que não era o que queria. Em 2018, ingressou no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), com previsão de formatura em 2021.

“Esse movimento social que fez esse resgate, que trouxe essa transformação social. E aí eu começo a minha luta de uma forma coletiva e não mais individual e acabo me tornando a primeira presidente trans da associação, em 2014. Até então, nós tínhamos tido somente homens gays presidentes”, diz.

Regininha conta que, a partir da chegada à presidência da associação, ela passa a ter uma atuação com maior visibilidade local e a ser convidada para participar de congressos e seminários. Passa também a fazer parte da Antra, onde começa a conhecer a militância trans organizada em outras parte do País e a perceber que precisaria se envolver mais em política para que sua voz fosse ouvida e pudesse promover políticas públicas para a população LGBTQI+ de Rio Grande. “Os corpos de travestis ainda buscam direitos e políticas públicas. Então, esses corpos são políticos”, diz.

Em 2016, candidatou-se pela primeira vez a vereadora, fazendo 488 votos, uma votação ainda insuficiente, mas feita com uma campanha que, ao todo, custou R$ 1 mil. “Ali acendeu uma grande luz, a gente viu que era possível”.

Quatro anos mais tarde, com um pouco mais de recursos — recebeu R$ 3,5 mil do partido e quase outros R$ 3 mil em doações individuais –, conquistou o dobro de votos.

“Essa eleição só foi possível porque a nossa população se organizou coletivamente para que eu pudesse colocar o meu nome e me colocar na Câmara. Então, essa é uma vitória coletiva de pessoas que pensaram juntas sobre essa política e acredito que não teria sido possível sem essa união. Essa cadeira não é minha, ela é de todos, todas e todes”, afirma.

Para Regininha, a importância de as pessoas trans chegarem aos espaços de poder é permitir que as populações marginalizadas tenham uma voz nesses locais e possam se ver representadas.

“A população LGBT, durante muito tempo, foi marginalizada, os corpos de mulheres trans foram hiperssexualizados e as mulheres trans e travestis não tinham outras possibilidades que não fosse a prostituição. Então, a importância da minha eleição é essa, é buscar políticas públicas para que a gente possa mudar a realidade da nossa população e de todos e todas que também são jogados à margem por não serem inclusos nessa sociedade que muitas vezes é machista, sexista, branca, cis, heterormativa, classe média, classe média alta, e que realmente exclui grande parte da população”, afirma. “Então, o meu corpo na política é um corpo que vem para empoderar mulheres negras, jovens periféricos, mulheres e homens trans, a população LGBTQI+, os povos indígenas, aquelas e aqueles que a gente julga como minoria. É para que essas pessoas possam se ver em mim e que eu possa me tornar um espelho, para que essas pessoas também possam se empoderar e, a partir do próximo pleito, também ocupar esse espaço de poder”.

Ela avalia ainda que o País se acostumou a ter bancadas evangélicas, do boi e da bala e que, a partir desse pleito, também passará a se acostumar com pessoas trans e travestis fazendo parte da política. “A gente vive no País que mais mata travestis no mundo, então é para lutar por uma nova realidade, é para conquistar uma nova realidade, é para que possamos juntos e juntas construir uma sociedade, de fato, justa, igualitária e que olhe a todos e todas”, afirma Regininha.

Não eu, nós

Lins Robalo diz que a sua candidatura vem sendo construída de forma conjunta há, pelo menos, cinco anos dentro do movimento Girassol, amigos da Diversidade, do qual faz parte e que atua na região oeste do Rio Grande do Sul há 13 anos. “A gente trabalha com as pautas LGBTQI+, com a questão da igualdade racial, do direito à cidade, do direito à alimentação e questões ligadas à defesa da mulher e periferia. Trabalhando numa defesa intransigente dos direitos fundamentais e dos direitos humanos”, explica.

Ela conta que o movimento começou a participar de ações de formação política desde o ano passado. Nesse momento, não havia ainda a definição de quem seria a candidata ou candidato da entidade, o que foi decidido apenas após a definição de que a candidatura teria cinco pilares: mulheres, periferia, trabalhadores, diversidade e igualdade racial.

Lins destaca que a ideia do movimento era pensar a interseccionalidade de cada um desses pilares com outras dez categorias de luta, que incluem questões como saúde, assistência, educação, esporte, cultura, lazer, etc.

“A gente diz que essa candidatura não é sobre uma pessoa, não é sobre a Lins Roballo, embora seja a que esteja na frente. Na verdade, é uma candidatura sobre pessoas, sobre luta social, sobre indignação de falta de representatividade e, dentro dessas perspectivas que versam sobre os nossos cinco pilares, a gente então materializar essa luta nesse corpo trans, nesse corpo travesti, e, a partir disso, passar a construir esse projeto e a conectá-lo a outras pessoas”, diz.

Apesar de ser a primeira mulher trans eleita na história da cidade e uma das três eleitas no Estado neste pleito, Lins diz que, por todo o processo de construção coletiva da candidatura, o resultado não a surpreendeu. “O resultado esperado era da vitória, porque a gente trabalhou anteriormente, vem montando e estruturando isso”, afirma.

Confira a lista das pessoas trans eleitas no último domingo:

Thabatta Pimenta – PROS – Canauba do Dantas/RN

Linda Brasil – PSOL – Aracaju/SE

Duda Salabert – PDT – Belo Horizonte/MG

Maria Regina – PT – Rio Grande/RS

Lins Roballo – PT – São Borja/ RS

Benny Briolly – PSOL – Niterói/RJ

Erika Hilton – PSOL – São Paulo/SP

Gilvan Masferre – DC – Uberlândia/MG

Thammy Miranda – PL – São Paulo/SP

(Co-Vereadora)Carolina Iara – Bancada Feminista do PSOL – São Paulo/SP

Kará – PDT – Natividade/RJ

Filipa Brunelli – PT – Araraquara/SP

Isabelly Carvalho – PT – Limeira/SP

Anabella Pavão – PSOL – Batatais/SP

Paulette Blue – PSDB – Bom Repouso/MG

Regininha Lourenço – AVANTE – Araçatuba/SP

Lorim de Valéria – PDT – Pontal/SP

Tieta Melo – MDB – São Joaquim da Barra/SP

Paulinha da Saude – MDB – Eldorado dos Carajás/PA

Rebecca Barbosa – PDT – Salesópolis/SP

Titia Chiba – PSB – Pompeu/MG

‪(Co-vereadora) Samara Santana – PSOL – Quilombo Periférico – São Paulo/SP ‬

Brenda Ferrari – PV – Lapa/PR

Dandara – MDB – Patrocínio Paulista/SP

Yasmin Prestes – MDB – Entre-Ijuís/RS

Myrella Soares – DEM – Bariri/SP

Lari Camponesa – REP – Rio Novo do Sul/ES

(Co-vereador) Heitor Gabriel – PODE – Dialogue – Araçatuba/SP

(Co-vereadora) Rafa Bertolucci – PODE – Dialogue- Araçatuba/SP

Fernanda Carrara – PTB – Piraju/SP


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora