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12 de novembro de 2020
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11:18

Candidaturas coletivas unem ativistas e minorias para furar ‘bloqueio’ na disputa por vagas na Câmara de Porto Alegre

Por
Luís Gomes
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Porto Alegre tem ao menos sete candidaturas coletivas participando da disputa | Foto: Divulgação
Porto Alegre tem ao menos sete candidaturas coletivas participando da disputa | Foto: Divulgação

Em 2018, as eleições parlamentares tiveram como grande novidade no campo da esquerda o surgimento das candidaturas coletivas, aquelas em que um grupo de pessoas se juntam para realizar uma única campanha. Esse modelo resultou em duas vitórias eleitorais, da Bancada Ativista, para a Assembleia Legislativa de São Paulo, e do coletivo Juntas, para a Assembleia Legislativa de Pernambuco, ambas eleitas pelo PSOL. Em 2020, o formato se espalhou por todo o Brasil e serão ao menos sete* candidaturas coletivas na disputa por vagas na Câmara de Vereadores de Porto Alegre: três pelo PSOL, três pelo PCdoB e uma pelo PT.

Candidata à vereadora em 2016, quando fez 1.199 votos, e atual suplente do senador Paulo Paim, Reginete Souza Bispo encabeça a única candidatura coletiva do Partido dos Trabalhadores, chamada de “Vamos Juntas com Reginete Bispo”, que também é composta por Josiane França, Thayna Brasil, Iya Nara de Oxalá e Karina Ellias.

Militante histórica do movimento negro na Capital, Reginete relata que a ideia da candidatura coletiva é inspirada pelos exemplos das eleições de 2018 e que começou a ser discutida em meio às aulas do curso de formação política “Dandaras — Construindo o Pensamento Crítico e Promovendo Formação Política com Mulheres Negras no RS”, ministrado ao longo de 2019. “No início deste ano, chamamos uma reunião com as Dandaras para discutir a formação de uma candidatura coletiva. Ali que iniciou o debate”, diz.

Segundo Reginete, as cinco mulheres que participam da disputa defendem pautas que incluem a luta antirracista, a defesa das religiões de matriz africana e contra a intolerância religiosa, a defesa de uma cidade mais acessível para pessoas com deficiência — Josiane França é cega –, e a capacitação das mulheres negras para geração de renda e empreendedorismo na periferia.

“As candidaturas coletivas surgem inicialmente com as mulheres negras e com candidatos LGBTQI+. Elas surgem como uma estratégia de constituir força política para superar o bloqueio que está colocado e nos impede de chegar nessas estruturas de poder. Acho que isso com certeza está colocado. A gente se une a partir de um projeto comum que tem força política para romper esse bloqueio”, afirma.

Atualmente, a Câmara de Vereadores conta com apenas uma vereadora negra, Karen Santos (PSOL), e um vereador negro, Cláudio Conceição (PSL), ambos eram suplentes no início da legislatura. Ao longo da história, apenas uma mulher negra foi eleita vereadora titular para um mandato de quatro anos, Tereza Franco (PTB), entre 1997 e 2000. A legislatura atual também não conta com vereadores que tenham como bandeira a defesa das populações LGBTQI+.

Giovani Culau (centro) encabeça a candidatura do Movimento Coletivo | Foto: Divulgação

Ex-integrante do Diretório Central dos Estudantes da UFRGS, Giovani Culau foi candidato a deputado federal em 2018, quando fez 8.517 votos. Dessa vez, é o nome dele que estará na urna, mas a campanha toda é voltada para o Movimento Coletivo, que, além de Giovani, é composto por Gerusa Pena, Tássia Amorim, Fabíola Loguercio, Gabriela Silveira, Vivian Ayres, Airton Silva, Paolla Borges e Alessandro Varela. Os oito carregam como bandeiras os direitos da população LGBTQI+, a luta antirracista, o direito à saúde pública, entre outras pautas.

Giovani explica que a ideia da candidatura coletiva foi instigada pela candidata do PCdoB à Prefeitura de Porto Alegre, Manuela D’Ávila. “Nas discussões junto com a Manu, nós fomos amadurecendo a centralidade das eleições de 2020 como palco de luta contra o bolsonarismo. E, assim que a Manu confirma a candidatura dela à Prefeitura de Porto Alegre, ela que nos desafia a, junto com ela, construir uma candidatura coletiva para a Câmara de Vereadores”, afirma.

Além do Movimento Coletivo, o PCdoB também tem as candidaturas do Coletivo de Mulheres Negras, liderada pela municipária Luciane Pereira da Silva, a Cuca Congo, e de Roberto da Bancada Ativista, liderada por um dos coordenadores da Parada de Luta LGBTQI, Roberto Seitenfus.

O PSOL também terá três candidaturas coletivas à Prefeitura: Jaque da Tinga, que representa o coletivo Mulheres de Luta, Nós Mandato Coletivo Laís e Mandato Coletivo Tiago dos Santos.

Jaque da Tinga (centro) encabeça a chapa das Mulheres de Luta | Foto: Divulgação

Jaqueline de Castro, que encabeça a primeira dessas candidaturas explica que a “chapa” é composta por cinco moradoras da ocupação Vida Nova, localizada nas proximidades do Hospital da Restinga, e que atuam na luta pela regularização fundiária da cidade. Além dela, são representadas pela candidatura Clarice Silva, Rosane Pereira, Zoé Braz e Kathielly Pereira.

Ela diz que a inspiração para a candidatura vem da Bancada Ativista, de São Paulo, e da Juntas, mandato coletivo em atuação na Assembleia Legislativa de Pernambuco. “A ideia era uma de nós participar das eleições, mas fomos nos informar sobre a possibilidade de uma candidatura coletiva. Aí, como a gente viu que era legal, a gente sentou, viu o que cada uma ia fazer e quem ia encabeçar a chapa”, diz.

Jaqueline, que é integrante do Conselho Regional pela Moradia Popular (CRMP), diz que a ideia das moradoras da Vida Nova era construir uma candidatura que saísse da periferia e desse a “cara a tapa”, chegando à conclusão de que adotar a proposta de coletivo traria mais força para a disputa. “Somos cinco vozes e um eco. Um candidatura normal é uma pessoa tentando e buscando ajuda, enquanto uma coletiva são cinco pessoas tentando com um intuito só. A gente pensou assim, todas temos o mesmo ideal e a mesma luta, então são cinco vozes, não uma só. Para cada projeto montado, não vai ser só a minha cabeça, vão ter mais quatro companheiras comigo buscando a voz da comunidade”, afirma.

Jaqueline diz que a “novidade” tem sido bem recebida na Restinga, bairro que tem concentrando a campanha delas. “O pessoal tem entendido que, enquanto uma pode estar sentada na cadeira do parlamento, as outras podem estar assessorando nas comunidades, buscando a voz do povo, o que aquela comunidade está precisando”. “A gente tem sido bem recebido, especialmente dentro da Restinga”, que é o foco da campanha.

Para Giovani, a grande sacada das candidaturas coletivas é subverter a lógica atual de representação política, buscando alternativas que sejam menos personalistas. No caso do Movimento Coletivo, ele diz que os oito candidatos a “covereador” representam diferentes regiões da cidade e diferentes bandeiras, que vão desde a militância estudantil, militância pelos direitos LGBTQI+, luta antirracista, pela qualificação dos serviços na periferia, entre outras pautas. “Acho que a gente ganha com esse espírito da ampliação de participação da democracia”.

Já Reginete avalia que as candidaturas coletivas são uma estratégia política que, além de nascer de populações que estão excluídas dos parlamentos, buscam também trazer um espírito mais coletivo para a política. “Esse caráter coletivo está muito próximo daquilo que as nossas comunidades, principalmente as mulheres negras, têm construído ao longo da história do nosso País. As alternativas são sempre coletivas, são sempre solidárias. Acho que a grande jogada das candidaturas coletivas passa por isso, resgatar no plano da política uma prática que é cotidiana nas nossas vidas”, afirma.

Vamos Juntas com Reginete Bispo (centro) é a candidatura coletiva do PT | Foto: Divulgação

A Bancada Ativista, hoje conhecida como Mandata Ativista, ocupa atualmente a liderança do PSOL na Alesp. Coordenador da liderança, Frederico Henriques avalia que há dois tipos de candidaturas coletivas. A primeira ocorre quando um grupo de pessoas com pautas diferentes se une para somar forças em uma única disputa. Já a segunda é quando ocorre uma espécie de “jogada de marketing”, em que um candidato se junta a pessoas que já são seus aliados e dá contornos de coletivo para uma “chapa”. “Você fala que é uma bancada coletiva, mas sabe que tem ali alguém que é o vereador ou a vereadora e junta os assessores. Como jogada de marketing, funciona”.

No caso da Mandata Ativista, apesar de Mônica Seixas ser a deputada e responder oficialmente pelo mandato, ele diz que o que ocorreu foi uma junção de pessoas que não necessariamente se conheciam antes da disputa de 2018. “Era cada um de um canto diferente”, diz. Ainda assim, o resultado foi acima do esperado: 149.844 votos, a décima maior votação entre todos os deputados estaduais paulistas e a segunda da bancada do PSOL, que elegeu 4 deputados estaduais. “O mais otimista nosso esperava metade. Eu era mais pessimista, achava que a gente ia bem, mas não ia dar para competir com o establishment do partido. Mas estourou. Acho que por uma confluência de fatores, sendo o principal a renovação política”, diz.

Contudo, Frederico avalia que ganhar a eleição foi a “parte mais fácil”. Mesmo todas as pautas sendo consideradas igualmente importantes entre os codeputados, há, naturalmente, aquelas que atraem mais visibilidade e acabam chamando mais atenção do que as outras. “Quando a gente entrou, a gente queria dividir o mandato e abarcar todos os ativismos ali dentro. Todo mundo recebendo proporcionalmente o mesmo salário, todo mundo tendo assessorias para trabalhar em todas as áreas. O problema é que, formalmente, existe uma deputada”, diz, salientando que os demais componentes atuam como assessores de Mônica Seixas.

O regimento da Alesp permite, por exemplo, que apenas Mônica fale no plenário da Casa como representante do mandato, mas, após um primeiro ano de “aprendizado de todos”, ele diz que os codeputados acabaram achando formas de driblar as restrições e garantir que todos participassem do exercício do mandato. “Nós colocamos os assessores nas comissões referentes à pauta de cada um. Quando é para falar da pauta, a Mônica fala: ‘agora o meu codeputado vai falar aqui’. Aí a gente exibe um vídeo, porque você pode exibir vídeo no plenário”.

Caso o Movimento Coletivo seja eleito, Giovani diz que o objetivo é realizar encontros mensais com toda a equipe, mas que também sejam abertos para todos os interessados em participar das discussões e das tomadas de decisão de um eventual mandato. “No intervalo desses encontros mensais, nós oito seremos a coordenação do mandato e também cada um de nós irá liderar o trabalho em diferentes frentes de atuação”, afirma.

Ele explica que, pelo regimento atual da Câmara, só ele poderá ocupar um espaço na tribuna em plenário, mas ressalta que tem o objetivo de promover a discussão sobre o próprio regimento da Casa, pegando o exemplo da própria Mandata Ativista, de São Paulo, para que os outros integrantes do movimento também possam participar, por exemplo, das comissões temáticas.

 

*Levantamento realizado a partir de dados disponibilizados pelos partidos.


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