Favorecidos pela lei eleitoral, Facebook e Google já receberam quase R$ 200 mil de candidatos à Prefeitura de Porto Alegre

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Luís Gomes
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Plataformas de comunicação e redes sociais estão levando fatia de investimento dos candidatos à Prefeitura. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A legislação eleitoral tem passado por uma série de mudanças ao longo dos últimos anos, impactando a forma como os candidatos fazem campanha. Uma das alterações mais significativas nesse período foi a redução do tempo de campanha e do horário eleitoral gratuito, que passou de 30 minutos para 10 minutos diários em rádio e televisão. Por outro lado, a lei passou a permitir, em 2017, o impulsionamento de conteúdo pago na internet.

Com esta última medida, a legislação acabou favorecendo as grandes plataformas de comunicação e redes sociais, como Google e Facebook, que têm abocanhado uma parte relevante dos gastos de campanha em 2020. Isso acontece, em grande medida, porque passou a ser permitida a publicidade paga na internet em sites e perfis próprios de candidatos, partidos e coligações, o que inclui as redes sociais, mas exclui todos os outros sites, como, por exemplo, veículos de mídia, mesmo aqueles que recebem publicidade paga em meio impresso.

Um levantamento feito pela reportagem do Sul21 a partir de dados disponibilizados no site DivulgaCand do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que informa despesas e receitas de todos os candidatos do País, aponta que, até esta terça-feira (27), nove dos 12 candidatos à Prefeitura de Porto Alegre já haviam declarado à Justiça Eleitoral despesas com impulsionamento de conteúdo no Facebook ou no Google, totalizando R$ 189.443,38.

O que diz a lei

O regramento para a propaganda eleitoral na internet foi estabelecido pela Lei nº 13.488, de 2017, que permite a publicidade em prol de um candidato em sites próprios, do partido ou de uma coligação; por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação; por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações. Pessoas que não sejam candidatas podem fazer propaganda eleitoral nestes canais, mas não podem impulsionar conteúdo.

A legislação eleitoral veda qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, com a única exceção do impulsionamento de conteúdos contratado por partidos, coligações e candidatos. Neste sentido, a lei proíbe a veiculação de propaganda eleitoral paga em sites de terceiros, o que inclui todos os veículos de imprensa.

O impulsionamento é permitido durante o período de campanha eleitoral e deve trazer o CNPJ do partido ou candidato ou o CPF do responsável financeiro da campanha, bem como trazer a identificação na postagem de que se trata de uma propaganda eleitoral e não pode ter caráter anônimo. A lei diz ainda que o impulsionamento deve ser contratado diretamente com com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo proibido o uso da ferramenta para “ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação”, o que configura crime eleitoral.

Os disparos de mensagens eletrônicas por WhatsApp, que marcaram a eleição presidencial de 2018, estão proibidos. É permitido apenas o envio de mensagens para eleitores cadastros gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação, e com concordância prévio do eleitor, bem como é obrigatório que seja apresentada a ele uma opção de descadastramento.

Assessora técnica do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), Marília Medeiros Piantá ressalta que é obrigatória a identificação das postagens impulsionadas como propaganda eleitoral e que o impulsionamento precisa ser declarado como gasto de campanha, sendo que as plataformas são obrigadas a comunicar todos as postagens que foram impulsionadas durante o período eleitoral. “Toda vez que houver o impulsionamento de conteúdo, tem que ter, de maneira legível, o número do CNPJ do responsável e a expressão ‘propagando eleitoral’. Depois, a Justiça Eleitoral faz o cruzamento. Tudo tem que ser bem identificado na publicidade”, diz.

“Opção mais barata”

Coordenador da campanha de Jilmar Tatto (PT) à Prefeitura de São Paulo, o deputado estadual paulista José Américo avalia que a legislação atual acaba direcionando recursos eleitorais para as grandes plataformas de comunicação como Google, Twitter e Facebook, que também é proprietária do Instagram, outra aplicação utilizada pelos candidatos. “Deveria ser mais aberto. Você tem hoje muitas publicações que estão na internet, porque você não pode anunciar nelas?”, questiona.

Apesar da crítica à centralização de recursos nestas plataformas, José Américo avalia que, no cenário atual, não seria possível não investir neste tipo de ferramenta, sob o risco de deixar os espaços serem ocupados exclusivamente por adversários. “Aqui é impossível não fazer isso, porque os outros fazem. Então, como é que você se comporta? Por conta da pandemia, as pessoas ficaram em casa. Aquele famoso corpo a corpo entre os candidatos e os eleitores, que antecipavam as grandes campanhas, você não teve dessa vez. Foi direto no horário eleitoral. Só que o horário eleitoral não é suficiente, então por isso que estamos nas redes sociais, disputando com os outros”, afirma.

Ele destaca também que, em comparação ao gasto com a publicidade tradicional, o investimento em impulsionamento de conteúdo pode ser considerado algo “muito barato”, o que estimula as campanhas a apostarem nessa ferramenta. “Um partido que quer ir bem na rede, ele aplicaria no Facebook, no Instagram, alguma coisa em torno de 10 mil reais por dia no último mês. Isso é 300 mil reais. É uma quantia para uma campanha, numa cidade como São Paulo, modesta. Uma pesquisa em São Paulo custa 125 mil reais. Tem campanha de vereador que chega a 1 milhão”, afirma.

Por outro lado, Américo avalia que as campanhas pela internet ainda estão longe de ter o mesmo peso da TV, estimando que apenas 20% a 25% da decisão de voto passe pelas redes sociais. “Aqui em São Paulo, o campeão da internet é o Boulos. O Boulos vem bem nas pesquisas, mas, depois dele, vem quem? Mamãe Falei. Arthur Do Val. Aí tem a Joyce [Hasselmann]. Eles têm mais de 1 milhão de seguidores, mas não estão bem nas pesquisas. A Joyce não sai de 1% e o Mamãe tem 1, 2%, só para ti ver que não tem um peso tão grande, porque, se tivesses, eles estavam estourando. Onde estava a diferença da campanha do Bolsonaro? No impulsionamento por whatsapp, não é exatamente rede social e é criminoso”, afirma.

Até terça-feira (27), o site DivulgaCand registrava que a campanha de Jilmar Tatto havia feito três declarações de gastos com impulsionamento de conteúdo. Duas ações no Facebook, nos valores de R$ 100 mil e R$ 30 mil, e uma no Google. de R$ 30 mil, totalizando R$ 160 mil até o momento, o que representava 2,2% de todo o gasto declarado até então. Contudo, vale ressaltar que a declaração de gastos com impulsionamento indica recursos que já foram efetivamente aplicados até o momento. A biblioteca de gastos com anúncios do Facebook informa, nesta terça, que a página de Tatto havia gasto R$ 71,477 com postagens impulsionadas.

Facebook disponibiliza os gastos já efetivados pelos candidatos na plataforma por meio da Biblioteca de Anúncios. Na imagem, despesas da campanha de Jilmar Tatto | Foto: Reprodução

Maroni, Fernanda e Fortunati lideram anúncios em Porto Alegre

Em Porto Alegre, a candidatura que mais declarou gastos com impulsionamento de conteúdos até terça-feira foi a de Fernanda Melchionna (PSOL), com quatro registros nos valores de R$ 700, R$ 10 mil, R$ 40 mil e R$ 10 mil, feitos por meio da empresa DLocal Brasil, totalizando R$ 60,7 mil, dos quais R$ 29 mil já haviam sido efetivamente gastos com a compra de anúncios do Facebook, segundo a biblioteca da plataforma. O impulsionamento de conteúdo representava 21% do total de gastos da campanha de Fernanda até o momento.

Em resposta encaminhada à reportagem do Sul21, a campanha de Fernanda destacou que, diante da redução de debates nas grandes emissoras, as rede sociais contribuem para que as propostas da coligação cheguem a mais pessoas. “É muito grave o que estamos vivendo. Sem debate, e ainda com pouco tempo de televisão, já que o sistema favorece os grandes partidos, as redes sociais surgem como aliadas principalmente da juventude, que procura e pesquisa boas propostas. As redes estão sendo indispensáveis para quebrarmos a bolha imposta pela política tradicional”.

Contudo, de acordo com a biblioteca de anúncios do Facebook, Rodrigo Maroni (PROS) é o candidato que mais gastou com impulsionamento de conteúdo na rede social até o momento, R$ 52,260 até esta terça-feira. À Justiça Eleitoral, ele já declarou cinco ações de impulsionamento feitas por meio da empresa Adyen do Brasil no valor de R$ 10 mil cada, totalizando R$ 50 mil, o que representa 33% dos gastos já declarados de sua campanha. Além disso, Maroni é o candidato que mais direcionou recursos para a mídia impressa, tendo declarado gastos de R$ 35.123,40 com publicidade em jornais da RBS e R$ 9,8 mil no Correio do Povo, que somam R$ 44.923,40, o que representa 29,5% do total de gastos da campanha até o momento.

Também segundo a biblioteca de anúncios do Facebook, José Fortunati (PTB) era o segundo candidato que mais havia gasto com o impulsionamento de conteúdos até esta terça, R$ 25.810. Ao contrário de Fernanda, contudo, ele ainda não declarou parte do montante já gasto — o que ainda pode ser feito ao longo da campanha. De acordo com o site DivulgaCand, ele já declarou despesas com impulsionamento no Facebook nos valores de R$ 10 mil, R$ 184,50 e R$ 10 mil, feitos por meio da empresa Adyen do Brasil, e que representam 14% do total de gastos já declarados da campanha de Fortunati.

Coordenador de redes sociais da campanha do ex-prefeito, Beto Andrade diz que a pandemia e o isolamento mudaram de forma radical a forma com que os candidatos se relacionam com os eleitorais, o que acabou levando a um foco maior na campanha pelas redes. “Inicialmente, priorizamos uma forte aproximação do candidato aos seus públicos apoiadores, focando no contato direto pelos perfis, páginas e canais pessoais e de campanha. Ali consolidamos ideias e propostas que são eixos conceituais da campanha. O passo seguinte, em andamento, é fazer para um público bem maior a defesa do grande legado de realizações deixado por Fortunati aos porto-alegrenses. Para isso usamos impulsionamento de postagens e ativamos nossos grupos de apoio no WhatsApp”, afirma Andrade, destacando ainda que a campanha tem tentado integrar os programas de rádio e TV com os conteúdos publicados na internet, como o uso de transmissões ao vivo diárias durante o horário eleitoral noturno na TV.

Na outra ponta, Manuela D’Ávila (PCdoB) é uma das candidaturas que ainda não tem apostado no impulsionamento de forma prioritária. De acordo com a biblioteca de anúncios do Facebook, apenas R$ 157 foram efetivamente gastos até o momento pela página de Manuela. Até esta segunda, o DivulgaCand registrava dois gastos com ações de impulsionamento, nos valores de R$ 25,88 e R$ 5 mil, o que representa menos de 0,3% de todos os gastos já declarados pela campanha.

Em resposta ao Sul21, a campanha de Manuela informou que o impulsionamento seria utilizado, principalmente, para combater a propagação de notícias falsas, as chamadas fake news, contra a candidatura. “Nós estamos sendo muito atacados por fake news e, se for necessário a gente patrocinar alguma coisa para estar esclarecendo as pessoas a respeito desse assunto, a gente fará”, afirma Marina Lopes, que coordena as redes sociais da campanha de Manuela.

Apenas os candidatos Valter Nagelstein (PSD), Julio Flores (PSTU) e Montserrat Martins (PV) ainda não declararam gastos com impulsionamento e também não têm gastos registrados pela biblioteca de anúncios do Facebook.

Confira a lista de gastos declarados com impulsionamento de conteúdo online pelos candidatos à Prefeitura de Porto Alegre:

Fernanda Melchionna: R$ 60.700,00
Rodrigo Maroni: R$ 50.000,00
Sebastião Melo: R$ 22.500,00
José Fortunati: R$ 20.184,50
Nelson Marchezan Júnior: R$ 12.000,00
João Derly: R$ 10.003,00
Juliana Brizola: R$ 8.000,00
Manuela D’Ávila: R$ 5.025,88
Gustavo Paim: R$ 1.030,00
Total de gastos com impulsionamento já declarados pelos candidatos à Prefeitura de Porto Alegre: R$ 189.443,38


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