Entrevista com Sebastião Melo: ‘Fui um vice leal, mas nunca tive a caneta na mão’

Por
Luís Gomes
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Entrevista com Sebastião Melo: ‘Fui um vice leal, mas nunca tive a caneta na mão’
Entrevista com Sebastião Melo: ‘Fui um vice leal, mas nunca tive a caneta na mão’
Sebastião Melo (dir.) e Ricardo Gomes participam da convenção que confirmou a chapa para a disputa do Paço Municipal | Foto: Divulgação/MDB

Luís Eduardo Gomes 

Sebastião Melo (MDB) está em sua segunda disputa à Prefeitura de Porto Alegre. Em 2016, liderou uma coalizão formada por 13 partidos em que defendeu o legado da gestão de José Fortunati (PTB), de quem foi vice-prefeito. Chegou ao segundo turno, mas foi derrotado pelo atual prefeito, Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Dessa vez, pretende mostrar que a população escolheu o nome errado, mas terá seu ex-companheiro de governo entre os adversários.

Em uma conversa de aproximadamente uma hora com o Sul21, que abre a série de entrevistas com todos os candidatos e candidatas à Prefeitura de Porto Alegre, Melo aborda a relação com o ex-prefeito e argumenta em quê sua candidatura se diferencia da dele, bem como da candidatura de Juliana Brizola (PDT), que concorreu ao seu lado há quatro anos.

“Eu fui vice, mas eu não fui prefeito. Eu não tive a caneta na mão. Fui um vice leal, levantei cedo, dormi tarde, respondi pelas minhas funções. Eu e o prefeito Fortunati nunca brigamos. Nem ele comigo, nem eu com ele. E penso que, quando um prefeito e o vice brigam, quem perde com isso é a cidade, quem perde com isso é o serviço, quem perde com isso é a boa gestão. Eu e o Fortunati temos as nossas diferenças? Temos. Até porque você não se aliança com os que pensam igual. Os diferentes se aliançam”, diz Melo.

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O candidato também aborda uma série de propostas que irá apresentar à cidade durante a campanha eleitoral, destacando o foco que dará à desburocratização dos processos para a abertura de novos negócios. “Eu pretendo, juntamente com o Ricardo Gomes, que é o nosso vice, implantar de imediato, se for escolhido prefeito, a Lei da Liberdade Econômica. O que é essa lei? É uma lei federal, replicada nos estados e municípios, que facilita muito, acelera muito a abertura de negócios. Acaba com alvará para pequeno porte de negócios, faz o auto licenciamento, que é uma coisa muito importante que nós queremos fazer para os médios e pequenos. Hoje, a pessoa tem uma peripécia para pegar um licenciamento na Prefeitura”, afirma.

Melo destaca também que, se eleito, irá priorizar a reabertura de todas as atividades econômicas que ainda permaneceram fechadas em razão do enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. “Eu penso o seguinte: foi grave e continua sendo grave a pandemia. Nos trouxe muitas dores, muitas perdas, a nossa solidariedade a todos que perderam seus entes queridos. Mas a pandemia não termina agora. Eu acho que a cidade, eu não vou discutir o passado, não tô aqui para jogar pedra em ninguém, acho que houve muitas contradições do governo local. Esse efeito sanfona de abre e fecha. As incoerências de abrir mercado e não abrir Mercado Público. As obras públicas todas funcionando a todo vapor e as obras privadas nenhuma funcionando. Agora, eu pretendo, se nós ganharmos a eleição, fazer a cidade voltar a funcionar na sua normalidade a partir do dia 1º de janeiro”.

Confira a íntegra da entrevista com o candidato Sebastião Melo.

Sul21 – O senhor chegou ao segundo turno em 2016 como candidato da situação, mas foi derrotado pelo atual prefeito, Nelson Marchezan. O que muda na sua plataforma de lá para cá? O que muda na sua campanha de 2016 para 2020?

Sebastião Melo: Primeiro, eu acho que tenho um pouco mais de experiência, até porque tendo passado pela vice-prefeitura, voltei à advocacia, estando aí na deputação e continuando a vida intensamente na cidade, acho que tenho um pouco de experiência. Mas eu continuo acreditando naquilo que defendi na eleição passada, que é fazer a cidade funcionar bem, melhorando os seus serviços no seu sentido mais amplo. Eu acho que o primeiro dever de uma gestão pública é fazer uma cidade estar funcionando na saúde, na educação, no trânsito, na limpeza, no recolhimento do lixo, na boa água, nas praças bem cuidadas. E, esses serviços, para eles melhorarem, você tem que fazer mudanças na gestão. Na entrada, que é o 156, que eu acho que tem uma tecnologia que precisa ser muito aperfeiçoada, porque hoje é uma tecnologia atrasada. E ela precisa integrar também os serviços da cidade através das secretarias, que hoje não se conversam muito. A reforma administrativa que foi feita pelo atual governo prejudicou muito o serviço público. Então, nós vamos ter que fazer um rearranjo rapidamente nisso. E a tecnologia tem que estar muito presente para melhorar os serviços da cidade. Tem que ter um selo de qualidade para aqueles que prestam serviço. Hoje, os prestadores de serviço deixam muito a desejar em muitas áreas. Bom, eles ganham dinheiro, têm os seus contratos e têm que prestar bons serviços. Esse é o primeiro desafio, melhorar os serviços.

Mas acho também que nós precisamos facilitar a abertura de negócios em Porto Alegre. Eu venho da iniciativa privada, os cargos que exerci na vida pública foi ser vereador, vice-prefeito e hoje deputado, e eu sempre fui do lado de cá do balcão e eu sei o quanto é difícil hoje no Brasil empreender. Tem imposto alto, burocracia grande, o cidadão fica sempre correndo atrás do poder público. Deveria ser o contrário, o poder público que deveria ir ao encontro do cidadão para ele empreender, para as coisas funcionarem. Eu pretendo, juntamente com o Ricardo Gomes, que é o nosso vice, implantar de imediato, se for escolhido prefeito, a Lei da Liberdade Econômica. O que é essa lei? É uma lei federal, replicada nos estados e municípios, que ela facilita muito, acelera muito a abertura de negócios. Acaba com alvará para pequeno porte de negócios, faz o auto licenciamento, que é uma coisa muito importante que nós queremos fazer para os médios e pequenos. Hoje, a pessoa tem uma peripécia para pegar um licenciamento na Prefeitura. Mas também tem que cuidar dos empreendimentos acima dos médios e grandes. Nós temos que unificar, temos que ter uma lei que possibilite o credenciamento de empresas que façam projetos, para que a Prefeitura receba esses projetos prontos e aceite os projetos dessas empresas credenciadas.

E também nós estamos pensando, num plano de recuperação da cidade, usar os instrumentos fiscais que a Prefeitura tem, o ISS e o IPTU. O ISS é de 2% a 5% e nós estamos avaliando como vamos usar esse instrumento, talvez emergencialmente, podendo diminuir de alguns setores, podendo diminuir para aqueles que mantêm os empregos na cidade. A questão do IPTU, nós estamos trabalhando, nesse plano de emergência, para que os aumentos que têm pela frente, são cinco ainda para a maioria dos porto-alegrenses. No comercial, por exemplo, nós estamos vendo fechamento, fechamento e fechamento. Então, se esse IPTU continuar nessa área, sinceramente eu penso que nós vamos ter muito mais negócios fechados. Nós estamos pensando em suspender esses aumentos do IPTU, tanto comercial quanto residencial, mas especialmente comercial. E o microcrédito com qualificação profissional. Não basta ter microcrédito, você tem que ter qualificação para as pessoas, quando pegarem o crédito, saberem o que fazer com o crédito. Porque, se tu fizer um microcrédito sem qualificação, você pode estar entregando dinheiro para quem não vai usar bem e, portanto, a inadimplência vai ser grande. Esse microcrédito também tem que ter um cuidado de ter um fundo garantidor para poder emprestar para aqueles que hoje teriam dificuldade nas suas fichas cadastrais.

A terceira questão que eu queria dizer é que a cidade tem muitos desafios na sua infraestrutura. Precisa melhorar a captação de água, especialmente em duas estações. Uma aqui na boca da Jacuí e outra no extremo-sul. A cidade precisa resolver a questão do acesso norte no nosso Porto Seco, que é uma obra necessária para que as cargas entrem e saiam com mais facilidade. Isso é custo que eleva para os transportadores e, consequentemente, para os consumidores. Nós temos o Plano Diretor pela frente, que precisa ser revisado e, portanto, aí a infraestrutura da cidade pode ser um pouco compensada de como você revisa esse plano. Você tem as obras inacabadas da cidade, algumas que são muito importantes, como a Severo Dullius, como a Tronco e outras que também são necessárias para a infraestrutura da cidade. A Rodoviária de Porto Alegre, que é uma obra do governo do Estado e está sendo licitada, mas o entorno é fundamental para poder facilitar e melhorar o ambiente. O Aeroporto Salgado Filho depende do papel da Prefeitura de reassentar o restante das famílias para que a pista se torne mais extensa e possa fazer exportações. Quer dizer, tem desafios de infraestrutura enormes na cidade.

Eu queria dizer também que a questão do Cais Mauá tem no mínimo 20 e poucos anos que é o mesmo discurso. É uma área pública, delegada para o governo do Estado, uma área da Antac [Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído]. Eu penso que, se a nossa chapa for escolhida, eu vou ter uma conversa com o governador Eduardo Leite dizendo: ‘governador, eu sentiria muita firmeza se o senhor pudesse passar esse empreendimento para a Prefeitura de Porto Alegre, porque eu acho que a gente tem aí uma forma caseira de enfrentar, resolver e fazer com que ele funcione e entregue esse espaço urbano para milhares de pessoas’. Porque, talvez a obra de maior autoestima que a cidade fez nos últimos 30 anos, eu não tenho dúvida, foi o um quilômetro da Orla. Essa cidade mudou a autoestima para melhor. O reencontro do rio com a cidade é um negócio fantástico.

E, por fim, a proteção social. O governo está discutindo aí a Renda Cidadã, que vai usar o dinheiro de cá ou de lá, e esse é um tema importante. Nós temos que alinhar os programas municipais com os federais e nós vamos ter que ter uma atenção muito especial com restaurantes populares, reforçando as equipes de saúde da família para atenção básica, que é uma coisa muito importante, especialmente na área da saúde mental, que tem hoje muitas consultas represadas, quase 6 mil. E tem uma doença mental muito forte em função da pandemia. Tô pensando, inclusive, que a gente vai poder credenciar médicos nos seus consultórios para poder atender SUS. Então, a proteção social, o combate à drogadição, que é uma coisa que a Prefeitura deve fazer na prevenção, deve fazer na conscientização, que é um papel da Prefeitura, começando pela rede municipal. Tem desafios enormes na área social. Então, o Melo que volta para essa eleição, volta junto com uma aliança liderada também pelo Ricardo Gomes, e com muita determinação de fazer uma Prefeitura que melhore a vida das pessoas e a vida da cidade.

Sul21 – O prefeito eleito certamente terá de conviver com os reflexos da pandemia e do pós-pandemia nos primeiros anos de mandato. O senhor já falou de instrumentos fiscais, de microcrédito. O que mais o senhor está pensando para a recuperação da cidade?

Melo: Vamos falar um pouco da questão da saúde, que é fundamental. Por exemplo, a vacina. Ela é, com certeza, uma demanda do País e vai ser patrocinada pelo governo federal. Mas, com certeza, os municípios têm um papel nisso, então eu acho que nós temos que ter uma atenção muito especial para que a vacina chegue na nossa cidade. Não somos egoístas, queremos que ela chegue no País, mas que ela chegue em Porto Alegre também. A segunda questão é criar um mutirão — eu não gosto de mutirão, mas na excepcionalidade você tem que ter — na questão do apoio psicológico para as famílias de Porto Alegre. A terceira questão é atendimento de saúde que envolve mutirões de cirurgia. Tem muitas cirurgias que estavam marcadas nesses seis meses, não foram feitas e elas precisam ser feitas. Aqui, nós vamos ter que sentar com aqueles que operam a saúde em Porto Alegre, da rede pública, da rede privada, da rede conveniada e encontrar uma solução de fazer esses mutirões. Nós precisamos usar a tecnologia para melhorar tudo na cidade, mas eu vou pegar o caso da saúde. Lá no final de 2016, todos os postos da assistência básica tinham o prontuário do paciente. O que é o prontuário? A vida médica do cidadão está ali no prontuário. Bom, não basta isso estar no posto de saúde, tem que estar interligado com todos os postos da rede básica, precisa estar ligado com a rede pública conveniada e com os particulares. Por quê? Porque quando esse cidadão vai para uma segunda consulta, muitas vezes o médico vai dizer: ‘o senhor fez um exame há duas semanas, porque está pedindo um exame aqui de novo?’ Entendeu? Você vai melhorar a saúde, em geral, e vai gastar menos. Então, a tecnologia para melhorar o atendimento na saúde

A outra coisa que veio para ficar é a telemedicina. A Prefeitura vai ter que ter uma atenção muito forte para a telemedicina. Porque muitas pessoas vão entender que vale mais a pena ter o seu atendimento pela telemedicina. E, dentro da questão da tecnologia, eu quero dizer que não dá mais, no século 21, quando o mundo é digital, para você fazer com que as pessoas fiquem em fila para marcar consulta. A Procempa [Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre] tem que responder rapidamente. Aliás, a Procempa é uma empresa pública que precisa atender o seu cliente naquilo que ele precisa e o cliente precisa de rapidez para melhorar a vida da cidade. Não é possível que você ainda tenha que se submeter a filas para marcar consultas, sendo que você tem uma empresa de tecnologia e ela ainda não criou até agora um aplicativo para isso.

Nós estamos pensando em criar uma central de videoconferência onde você pudesse ter os professores dando aulas num centro tecnológico e, lá na sala de aula, onde faltar professor, ter monitores que pudessem tirar a dúvida dos alunos

Uma outra questão desse plano emergencial, você precisa recuperar as aulas. Você tem aí uma rede pública que tem 50 mil alunos entre o infantil e o fundamental, uma rede que atende uma camada social lá da periferia, que tem enormes dificuldades, que precisa de muita transversalidade. Então, nós estamos pensando em criar uma central de videoconferência onde você pudesse ter os professores dando aulas num centro tecnológico e, lá na sala de aula, onde faltar professor, ter monitores que pudessem tirar a dúvida dos alunos. Quer dizer, o aluno tá na sala de aula, o professor de matemática está numa central dando a aula e os monitores vão tirando as dúvidas. Porque, vamos combinar entre nós, a Prefeitura, como o resto da máquina pública, não tem mais como contratar servidores. Então, você tem que fazer uma engenharia para atender as demandas da sociedade. Eu penso que a educação, no nosso governo, é prioridade. Nós estamos discutindo muito de ter um Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] medido em cada escola, até para fazer um comparativo. Abrir para a comunidade escolar, não há escola boa sem comunidade escolar aberta, não existe isso, não tem essa possibilidade.

E, do ponto de vista dos restaurantes populares, nós temos que usar o que tem na cidade. Tem Cozinheiros do Bem, tem banco de alimentos, tem várias iniciativas. A Prefeitura tem que se somar e não inventar a roda, trabalhar firme para que ninguém passe fome na nossa cidade. Então, são desafios que estão postos, mas eles se potencializaram e, portanto, precisam ter uma atenção especial agora no pós-pandemia.

Sul21 – A reabertura já ocorreu na maioria dos setores. Indústria, comércio e serviços já estão praticamente abertos, ainda que com restrições. Mas há setores, como de eventos e cultural, que estão praticamente parados. O senhor tem algum projeto para esses setores que vão continuar com restrições por mais tempo?

Melo: Eu penso o seguinte: foi grave e continua sendo grave a pandemia. Nos trouxe muitas dores, muitas perdas, a nossa solidariedade a todos que perderam seus entes queridos. Mas a pandemia não termina agora. Eu acho que a cidade, eu não vou discutir o passado, não tô aqui para jogar pedra em ninguém, acho que houve muitas contradições do governo local. Esse efeito sanfona de abre e fecha. As incoerências de abrir mercado e não abrir Mercado Público. As obras públicas todas funcionando a todo vapor e as obras privadas nenhuma funcionando. Agora, eu pretendo, se nós ganharmos a eleição, fazer a cidade voltar a funcionar na sua normalidade a partir do dia 1º de janeiro. Eu não vejo porque os restaurantes têm que abrir só até às 22h. Não concordo com isso. Acho que, quanto mais tempo eu tiver o comércio aberto, menos gente vai ter. O sujeito vem num carro com cinco pessoas, lotado, três no banco de trás, dois na frente, juntinhos. Quando chega no restaurante, aí tem mesa separada. Por favor, né. Não pode ser tratado assim. Segundo, os restaurantes não poder abrir aos domingos é um absurdo. Quer dizer, o vírus só sai de casa no domingo a partir de sete horas da manhã? Não pode ser assim. E aí, junto com isso, os setores de eventos, turismo e gastronomia são transversais. Quando o teatro funciona, a cafeteria funciona, o restaurante do lado funciona, o aplicativo pega a pessoa em casa, a pessoa sai para jantar, a livraria fica aberta o sujeito compra um livro. Uma coisa depende da outra. Então, esses setores precisam voltar a funcionar. Nós, com os protocolos que o mundo já construiu em milhares de cidade, todos os setores vão voltar a funcionar. Todos, todos, todos. Não tem nenhuma restrição. Nós vamos ter que conviver com a pandemia, a sociedade precisa levantar o seu astral, reerguer a cidade. A cidade ainda tem mais um ou dois meses de recebimento de verba do governo federal, que tá repondo as perdas dos impostos municipais, as perdas dos impostos estaduais, mas não existe mais dinheiro daqui a dois meses. Então, você vai ter uma perda de arrecadação muito grande e a cidade precisa voltar a funcionar, porque a morte é sim da saúde, mas a morte pode ser pela cabeça, pela fome, pela miséria. Então, nós precisamos dar uma condição de dar um passo adiante. Nossa cidade é de serviços, setenta, oitenta por cento da cidade é de serviços e os serviços têm que funcionar e vão funcionar.

Eu pretendo, se nós ganharmos a eleição, fazer a cidade voltar a funcionar na sua normalidade a partir do dia 1º de janeiro

Sul21 – O senhor falou em protocolos. Em quais protocolos o senhor está pensando para essa retomada?

Melo: Olha, eu vou seguir o que a saúde já botou no mundo, no Estado e em Porto Alegre. Não vou inventar a roda. Os que não puderem trabalhar, que tiverem comorbidades, não vão trabalhar. Os testes tão aí. Os que podem trabalhar, vão trabalhar com distanciamento, álcool gel, máscara. Então, os protocolos estão aí, não vamos inventar a roda.

Sul21 – Nesse sentido, talvez uma das principais críticas que se faz à atual gestão desde o início da pandemia é em relação à testagem. A gente teve um período longo no início da pandemia de que só quem tinha sintomas poderia ser testado e isso ignorava todo um contingente, por exemplo, de familiares assintomáticos que se sabe que transmitem o vírus. Não seria necessário, inclusive para manter os estabelecimentos abertos, fazer um reforço na testagem? E que seja permanente, porque ela não pode ser ignorada mesmo quando estiver diminuindo o número de casos.

Melo: Deixa eu te dizer o seguinte. A coisa que eu não vou fazer com o vírus é politizá-lo. Eu penso que o senhor governador Eduardo Leite e o senhor prefeito municipal, mesmo que eles tenham em suas lives, em suas entrevistas, reafirmado que as decisões deles eram baseadas em ciência, eu quero contestá-las. Eu acho que eles decidiram na política. Eles decidiram na pesquisa. Primeiro, amedrontaram a população. E depois de amedrontar a população, a população apoiou o isolamento e aí, consequentemente, na medida em que apoiavam o isolamento, o governo fechou. Depois, quando houve a pressão, o governo foi abrindo, não pela ciência. Vamos combinar, quando o comércio reabriu aqui em Porto Alegre tinha mais covid do que quando fechou. Então, me desculpem, não teve coerência nisso. Eu penso que um governo precisa ter uma mesa de infectologistas, de pessoas que são da área, porque a ciência é ciência, mas o governo também precisa ter uma mesa com os setores produtivos da cidade. Eu não farei nenhum decreto, se for prefeito, sem conversar extensamente, longamente, com qualquer setor que venha a ser atingido. Nunca farei isso, porque entendo que não tem ninguém melhor para responder, para construir um decreto do que aqueles que são atingidos. No caso do Rio Grande do Sul, tu emitia um decreto no final de semana e aí permitia que os prefeitos recorressem. Não, tem que ser o contrário. Os prefeitos têm que ser consultados antes de fazer o decreto. Então, os instrumentos que a Prefeitura tem, nós vamos utilizar todos, mas a cidade vai voltar a funcionar. Bom, vamos fazer mais teste? Vamos fazer mais teste, não tem problema nenhum. Acho, aliás, que esse é um dinheiro muito bem aplicado. O prefeito tem dito que tem feito muitos testes, acho que ele soma os testes feitos no particular, nos hospitais, na rede pública, pelo governo federal, ok. Não tem problema nenhum. Nós queremos que a cidade funcione, não estamos aqui para olhar para trás. Acho que a cidade perdeu muito tempo, tem pressa de se recuperar e tem que ter muita cautela com a saúde. Nós não vamos fazer nada que não seja com a observação da saúde. Agora, o mundo já enfrentou isso. As cidades estão dosando essa questão. Hoje [a entrevista foi realizada no dia 1º de outubro], por exemplo, eu vi que a Espanha deu um passo atrás em algumas cidades, como Madri. O governo tem que ter muita sensibilidade. Agora, do jeito que está, alguns setores já não voltam mais, muitos comércios já não voltam mais, outros estão fechados para ver como é que fica. E tem outros setores, como por exemplo, clubes, quadra de futebol, meus amigos, quadra de futebol faz um bem danado para a cabeça, o cara jogar um futebol, o clube funcionar na sua inteireza, essas coisas precisam funcionar na cidade. Eu não vejo razão de ter essa restrição, acho que a cidade tem que voltar, com as cautelas, a funcionar na sua inteireza.

Sul21 – Ainda na questão da saúde. Desde o ano passado, há um imbróglio judicial relacionado à situação do Imesf [Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família]. Houve uma decisão do STF que considerou irregular a existência da entidade como fundação de direito privado e o prefeito decidiu demitir os trabalhadores e contratualizar os serviços com a rede privada. Mas existe ainda uma disputa judicial, os trabalhadores têm se movimentado para pressionar pelo entendimento de que a decisão do STF não permitiria a contratualização, mas sim que fosse realizado concurso público. Como o senhor enxerga o tema e pretende resolvê-lo?

Melo: Em primeiro lugar, eu sou um gestor que acredita muito nas parcerias. Acho que o serviço público pode ser prestado pelo público, mas pode ser prestado também pela parceria público-privada. Nós temos belíssimos exemplos em Porto Alegre na saúde. Por exemplo, o Hospital Vila Nova atende hoje na Vila Nova, o Hospital da Restinga e muitos postos da saúde básica, e atende muito bem. O Divina Providência atende o Hospital Independência, que é ortopedia, e atende muito bem. Bom, o que o governo faz? Ele tem um contrato com essas entidades, repassa o dinheiro e elas fazem o atendimento. O cidadão não está preocupado se é público ou privado, ele quer saber se o serviço existe. Então, eu reafirmo, em primeiro lugar, que eu não tenho nenhum problema com parceria. O Imesf não foi invenção de Porto Alegre. Dezenas de prefeitos, naquela época, construíram aquela alternativa de você ter uma fundação pública de direito privado, que permitia, através de prova de seleção, você fazer as contratações das equipes. Eu considero que as equipes contratadas pelo Imesf, não só prestaram um bom serviço, como melhoram muito a saúde de Porto Alegre. Se tu olhar o índice de melhoria da assistência básica, ela tem um antes do Imesf e um depois. Então, eu considero que foi um bom atendimento. O que aconteceu? O Supremo, toda a vez que ele se mete, o judiciário quando se mete na administração, na maioria das vezes é para atrapalhar, mas ele foi provocado por sindicatos irresponsáveis. Porque os sindicatos ganharam perdendo. Essa decisão saiu porque vários sindicatos peticionaram ao judiciário, ao Ministério Público, dizendo que não poderia ser uma fundação pública de direito privado e que tinha que ser uma contratação via concurso e não seleção de prova, e deu no que deu. O prefeito poderia até ter recorrido, acho que tinha ali um fôlego jurídico, acabou não fazendo. Então, hoje, você não poder deixar a Dona Maria, o Seu José, o Seu Pedro sem um médico. As parcerias fazem parte da cidade e são uma realidade, então eu tenho que conviver com elas. Estou aberto a discutir, acho que tem esse time com mais de mil profissionais, muito qualificados, que, se puderem ser aproveitados nessa parceria, acho que é tudo de bom. Agora, vamos discutir abrir uma empresa pública? Não sei se é o caminho. Sinceramente, não sei se é o caminho. Eu quero dizer que o serviço não vai faltar. Bom, se ficar provado na mesa que a empresa pública vai fazer um melhor serviço para atender a saúde de Porto Alegre, eu estou aberto a isso. Agora, se eu tenho um parceiro privado que me produz o serviço público e isso custa menos para o município, eu vou ter que tomar uma decisão e a decisão já está tomada, eu vou ficar com a parceria. Essa análise nós temos que fazer com muita responsabilidade, tenho conversado com muita gente do Imesf, eles não têm culpa do que aconteceu, essas pessoas, com certeza, na sua esmagadora maioria, não foram elas que peticionaram a Justiça, mas foram os sindicatos que provocaram essa decisão. Senão, o Imesf estava até aí funcionando muito bem.

Sul21 – Voltando à questão política. O senhor está concorrendo com dois ex-colegas de chapa, o prefeito José Fortunati e a deputada Juliana Brizola, que foi sua candidata a vice em 2016. Qual é a diferença da sua candidatura para estas duas? Especialmente em relação ao prefeito Fortunati.

Melo: Primeiro, eu considero todas as candidaturas legítimas. Estamos vivendo a primeiro eleição que não vai ter coligação proporcional, isto elevou muito o número de candidaturas majoritárias e fez com que hoje a cidade tenha 13 candidaturas, legítimas e competentes. E a população vai fazer uma escolha. É uma eleição em dois turnos, não tem, na minha avaliação, eleição em primeiro turno. A população vai escolher duas propostas e, no segundo turno, vai ter uma proposta vitoriosa. Eu entro na campanha, junto com o meu vice, Ricardo Gomes, olhando para frente. Eu fui vice, mas eu não fui prefeito. Eu não tive a caneta na mão. Fui um vice leal, levantei cedo, dormi tarde, respondi pelas minhas funções. Eu e o prefeito Fortunati nunca brigamos. Nem ele comigo, nem eu com ele. E penso que quando um prefeito e o vice brigam quem perde com isso é a cidade, quem perde com isso é o serviço, quem perde com isso é a boa gestão. Eu e o Fortunati temos as nossas diferenças? Temos. Até porque você não se aliança com os que pensam igual. Os diferentes se aliançam. Veja eu e o Ricardo agora, nós temos uma aliança. O Ricardo é uma pessoa mais liberal do que eu, é um liberal convicto. O Melo é um liberal, mas não é um liberal tão convicto quanto o Ricardo. No entanto, nós vamos defender a liberdade econômica com a proteção social. Então, isso tem uma ideia.

Bom, a eleição passada, eu trabalhei muito para que eu fosse o candidato do governo, porque eu acho que representava ali a vice-prefeitura. Infelizmente, nós não conseguimos ter ali um candidato do governo. Nós tivemos mais duas candidaturas. Tivemos a candidatura do PTB, que também era governo, e nós tivemos o PP, que acabou apoiando o atual prefeito, e era da base do governo. Penso que as duas candidaturas na época, tanto a do PTB quanto a do PP, foram incentivadas pelo prefeito Fortunati. Então, nós estamos disputando a eleição disputando ideias, disputando propostas. A Juliana foi a escolhida pelo PDT, que deu a vice, inclusive, no primeiro momento, o PDT escolheu o Mauro Zacher, depois acabou escolhendo a Juliana. Tenho muito respeito por ela, convivemos na eleição, mas temos posicionamentos diferentes do ponto de vista de gestão, sobre vários temas, e a campanha vai acabar colocando isso com muita naturalidade. Então, muito tranquilo, não vejo nenhuma contradição nisso, o eleitor vai fazer a sua escolha e vai decidir para que rumo ele vai levar a eleição, espero estar no segundo turno, vamos trabalhar muito para isso, mas sempre com os pés no chão e respeitando muito os concorrentes.

Eu não tive a caneta na mão. Fui um vice leal, levantei cedo, dormi tarde, respondi pelas minhas funções. Eu e o prefeito Fortunati nunca brigamos. Nem ele comigo, nem eu com ele. E penso que quando um prefeito e o vice brigam quem perde com isso é a cidade, quem perde com isso é o serviço, quem perde com isso é a boa gestão. Eu e o Fortunati temos as nossas diferenças? Temos. Até porque você não se aliança com os que pensam igual

Sul21 – O seu partido, o MDB, começou o governo Marchezan atuando de forma independente, mas entrou para dentro da base em 2019 e inclusive ajudou a aprovar o IPTU. Depois o prefeito acabou perdendo o apoio e o próprio MDB acabou perdendo vereadores (três membros da bancada deixaram o partido em 2020). Como o senhor avalia a participação do partido no governo? Olhando para trás, foi um erro ou foi um acerto?

Melo: Primeiro, nesse aspecto, eu sou antigo na política. Sou atualizado, sou um político das redes sociais, me atualizei em todas as áreas, mas, quando se trata de questões de aliança, eu sou muito antigo. Acho que quem ganha governa, quem perde fiscaliza e contribui. Acho que foi um equívoco do MDB estar no governo Leite e eu não estou no governo Leite. Minha posição sempre foi pública, não tenho nenhuma participação no governo, no entanto não deixei de votar todos os temas que o governador mandou para a Assembleia que eu entendia como importantes para o Rio Grande do Sul. Vou dar exemplos. Votei a questão que envolvia as privatizações da CEEE, da CRM e da Sulgás, votei o Código Ambiental, votei a reforma administrativa, aliás acho que o MDB deu uma colaboração para salvar muitas coisas ali de direitos adquiridos dos servidores, acho que o MDB fez esse processo com muita responsabilidade. E, da mesma forma, eu penso que foi um equívoco do MDB ter entrado no governo Marchezan. Eu não participei de nenhuma reunião disto, nunca fui chamado para isso e não participaria disto. Eu acho que o MDB poderia ter dado apoio em todas as áreas importantes para melhorar a vida da cidade, você não precisa estar dentro de um governo para ter posições políticas e ajudar a sua cidade, o seu estado e o seu país. Correto? Esta foi a minha posição lá atrás e quem acompanha a política sabe. Agora, o MDB entrou nos dois governos, mas não foi minha posição política. Nós convivemos internamente, o partido tem suas posições e respeita posições diferentes, mas eu não participo do governo Leite e muito menos sentei em qualquer mesa para poder decidir a entrada no governo Marchezan. Mas acho que o partido poderia, sim, ter apoiado muitos dos temas. Acho que essa questão do IPTU, faça-se Justiça, a Câmara aprovou, mas é uma proposta do prefeito. O prefeito se elegeu dizendo que não aumentava imposto e aumentou. O prefeito disse que a EPTC era uma indústria de multa e triplicou a indústria de multa aqui. O prefeito disse que o Ideb de Porto Alegre era baixo, que ele iria melhorar e o Ideb não melhorou. Eu poderia citar uma série de contradições que aconteceram entre aquilo que ele defendeu na eleição e o exercício do mandato. Agora, a população é que vai julgar esse processo na eleição, se aquilo que ele disse e fez tudo o contrário, se ela concorda com isso ou não. A decisão é com a população.

Sul21 – Pegando o gancho do Ideb, vamos falar de educação. O atual prefeito, quando começou o mandato, promoveu uma grande reformulação das grades de horários, comprou brigas com os professores, com os diretores de escolas. Mas, desde então, não apresentou muita coisa para a área. Já a gestão passada tinha como uma das bandeiras a promessa de universalização do turno integral, não conseguiu fazer. Passados quatro anos estamos muito longe dessa universalização. Temos um contraturno que não é bem turno integral. O senhor já falou um pouco no início, mas queria ouvir um pouco mais sobre o que está pensando para a educação de Porto Alegre.

Melo: Bom, primeiro, o turno inverso acabou no governo atual, não tem turno inverso mais. Tem em quatro ou cinco escolas, precariamente. Hoje, lamentavelmente, 50% dos alunos que encerram o Ensino Fundamental no Brasil não sabem ler e não sabem escrever. O Rio Grande e Porto Alegre está dentro desse contexto. E o Ideb, que é feito de dois em dois anos, é medido pelo conhecimento e pela evasão escolar. E a evasão escolar em Porto Alegre, não só aqui, é muito alta. Nós queremos criar um programa de tolerância zero com a evasão escolar. Como tu faz isso? Chamando as famílias para dentro da escola. É botando o Ministério Público como colaborador desse processo, bem como todos os demais órgãos que possam contribuir. Porque tu não vai, por decreto, fazer aluno voltar para a escola, ela tem que ser atrativa para ele permanecer ou para voltar. Nós vamos ter que fazer aquilo que eu chamo de salas de mediação. Hoje, os professores não conversam com o secretário, o secretário não conversa com os professores, eles não conversam com o prefeito, é uma disputa terrível e quem está perdendo esse jogo é o aluno. Acho que a escola é o espaço para todas as ideias, para todos os partidos, para tudo, mas os professores, os colaboradores da saúde, o gestor, o secretário, prefeito, comunidade, têm que fazer a escola ensinar o aluno e trazer para a rede uma escola mais empreendedora, mais digital, mais atual. Eu penso, por exemplo, que no turno inverso tem que ter cadeiras de boas práticas, para preparar para a vida. O que acontece? A escola tem que preparar o cidadão para a vida. Tem que ser educado, tem que respeitar o próximo, tem que saber que o teu direito vai até onde começa o do outro. Aí tem algumas coisas que eu penso que dá para fazer na rede municipal e dá para poder ampliar isso na própria rede estadual. Eu pretendo criar cadeiras no turno inverso, por exemplo, que ensinem o aluno a separar lixo. Não pode o DMLU ir lá uma vez por ano, tem que ser uma coisa rotineira. Uma cadeira que diga para o aluno que, ao passar numa avenida de um lado para o outro, ele tem que passar na faixa de trânsito, que ele não pode passar fora disso, tem que esperar a sinaleira fechar. E, portanto, educação no trânsito é fundamental para salvar milhares de vidas. Tu vai na Santa Casa, meu amigo, vai encontrar milhares de pessoas aguardando doação de órgãos e não tem. Sabe por quê? Porque as pessoas não estão conscientizadas de que doar órgão é salvar vidas. Então, essas cadeiras nós queremos implementar, da boa prática, para ensinar o jovem para a vida.

Hoje, os professores não conversam com o secretário, o secretário não conversa com os professores, eles não conversam com o prefeito, é uma disputa terrível e quem está perdendo esse jogo é o aluno

Bom, e aqueles alunos que o professor identifica que ele tem tino para isso, vamos dar passagem para esse aluno ser empreendedor, vamos encontrar uma forma, uma qualificação profissional para ele. E não adianta querer qualificar o cara da Restinga no Centro, porque ele não vem. A qualificação tem que ser descentralizada. E criar um Ideb por escola. Cada escola tem que contratualizar com a Prefeitura a melhoria do seu Ideb, a melhoria da escola. E agora tem um fato novo. A lei nacional do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], que os congressistas votaram, diz que o Fundeb não pode mais pagar aposentados. Então, você vai poder melhorar as escolas da rede, que têm as mesmas dificuldades que as escolas estaduais. Têm goteira, têm problema de infraestrutura, têm problema de campo de futebol, têm problema de quadra, faltam equipamentos, então nós vamos também ter que ter um inventário muito rápido para que a gente possa equipar, porque uma escola tem que ser um espaço agradável. O aluno tem que sentir que ali é um espaço diferenciado e, portanto, tem que sentir confortável. E integrar a comunidade escolar. Uma escola desintegrada é uma escola que não dá certo. E acho que tem um programa muito interessante que foi adotado no governo Sartori, que é das Cipaves [Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar], aquelas comissões de combate à violência, de mediações. Eu acho que é uma coisa interessante, mas muito interessante mesmo, em toda e qualquer escola, seja a nível municipal, estadual ou federal.

Sul21 – Porto Alegre convive há anos com um sistema de transporte público caro, ineficiente e não sustentável, que não agrada a população e também não dá o retorno que os empresários do setor desejam. O atual prefeito encaminhou uma série de projetos para o setor no início do ano, que ficaram parados, muito pelo fato de estarmos em ano eleitoral. O que o senhor pensa desses projetos e quais a sua proposta para evitar o colapso do sistema?

Melo: Primeiro, eu quero dizer que o nosso governo, se o povo escolher, não terá pedágio. Nem nas entradas da cidade e muito menos no Centro. Isso é a primeira questão, não é a forma que nós vamos encontrar para enfrentar a dificuldade do transporte urbano. Eu penso que o futuro gestor tem que se articular com os demais 25 prefeito das Regiões Metropolitanas do Brasil, mais o governo do Distrito Federal, e acampar no Planalto para que o governo federal, que é detentor do poder político e econômico nesse País, crie um fundo nacional de mobilidade urbana nos moldes do SUS, para financiar aqueles que não podem pagar. E eu penso que aqui nós temos que abrir uma agenda com responsabilidade e ver se tem espaço para revisar isenções de determinadas categorias que poderiam pagar. Por exemplo, a Constituição Federal diz que quem tem 65 anos está isento. Para mim, a isenção nunca pode ser pela idade, tem que ser pela necessidade. Acho que o Congresso Nacional poderia mudar essa lei. Ok, 65 anos, sim, comprovando a necessidade. Será que carteiros e oficiais de Justiça, que hoje estão isentos, será que está correto isso? Então, nós temos que revisar algumas isenções.

Segundo, nós temos também que, junto lá no governo federal, dizer: ‘presidente Bolsonaro, para baixar a passagem, nós precisamos tirar todos os impostos que têm da cadeia do transporte’. Que impostos são esses? As folhas de pagamento das empresas têm um peso muito grande. Se tu tira a desoneração disso, você diminui o valor da passagem. Se você tirar os impostos, o IPI, por exemplo, da carroceria, do pneu, você diminui a passagem. E aí o governo estadual tem que fazer uma coisa que não fez até agora, e queria fazer o contrário, queria aumentar o ICMS do diesel de 12% para 17%. Tem que tirar o ICMS do diesel. Porque o diesel, cada vez que o ônibus encosta na bomba, 12% daquele diesel você tem que pagar de ICMS e isso significa um aumento na passagem.

A terceira questão, eu vou criar a escola de mecânicos e motoristas. Não tem como continuar com os cobradores na maioria das linhas. Isso diminui a passagem. Agora, eu não posso chegar para um cobrador, que está há 20, 30 anos sustentado a sua família, vivendo de cobrador, e dizer ‘agora o senhor vai embora amanhã ou depois’. Acho que o governo demorou demais para tratar disso. Esse assunto tinha que ser tratado, vai ser tratado tardiamente, mas você tem que criar uma escola em que, cada motoristas que sair ou cada mecânico que sair, quem vai ocupar essa vaga é o cobrador que passou por reciclagem, passou pelo teste e está habilitado a isso.

Eu vou criar a escola de mecânicos e motoristas. Não tem como continuar com os cobradores na maioria das linhas. Isso diminui a passagem. Agora, eu não posso chegar para um cobrador, que está há 20, 30 anos sustentado a sua família, vivendo de cobrador, e dizer ‘agora o senhor vai embora amanhã ou depois’

Outro tema muito importante é integrar o transporte metropolitano. Não tem fundamento não ter integração do sistema. Hoje, tem dezenas de ônibus que entram pela Assis Brasil, pela Farrapos, pela Bento, e vão encontrando passageiros dessas avenidas, mas os ônibus podem estar vazios e não podem transportar os passageiros. O sistema precisa ter uma autoridade metropolitana que coordene. Vou conversar com o governador sobre isso, a Metroplan é uma empresa que faliu, não tem mais planejamento urbano. Ela precisa tratar do planejamento urbano e, dentro disso, tem que tratar a questão do transporte de forma integrada. Tem solução? Tem, mas não passa por pedágio. Pedágio, o nosso governo não terá. E quero dizer também que vou dar aos táxis o mesmo tratamento que é dado hoje aos aplicativos. Não pode os táxis estarem aí a quarenta, cinquenta anos, ter duzentas taxas e os aplicativos não terem nenhuma. Aos taxistas, nós vamos dar o mesmo tratamento que é dado aos aplicativos. E vamos rever a questão da lei das lotações. Cada vez que sobe o transporte em Porto Alegre você tem que subir o valor das lotações. Será que tá correto isso? Será que uma lei de 20, 30 anos, tem que continuar desse jeito?

O sistema tem que ser rearranjado, tem que botar carros menores em alguns lugares. Não precisa botar um carro com cinquenta lugares onde só tem 10, 20 passageiros. Essa licitação de 2015 tem que ser reaberta, rediscutida, com muito diálogo com os operadores. A Carris tem que vir para essa discussão. A Carris é uma empresa deficitária hoje, que tem que estar nesse contexto de discussão. Tem que integrar as lotações. Quer dizer, não tem uma medida única para melhorar o transporte urbano, mas, do jeito que está, não dá mais. Do jeito que está, ele vai colapsar. Hoje ele está sustentando porque os empregados estão encostados através da medida provisória que deu essa condição. A partir de janeiro, não tem mais isso e vai ter, no máximo, 70% dos passageiros que tinha antes da pandemia. Então, o sistema não funciona mais.

Sul21 – O senhor é tido, e se apresenta dessa forma, como alguém que conhece bem a cidade de Porto Alegre. Mas uma crítica que se faz é que há muitos anos a Prefeitura volta quase a totalidade de suas obras para a região central e para uma área que vai da Perimetral para o Guaíba, deixando a periferia a margem. Qual o seu projeto para desenvolver e ampliar a oferta de serviços na periferia? O senhor terá um olhar especial para as regiões que estão há muito tempo carente de grandes obras e de desenvolvimento?

Melo: Eu penso que a cidade errou muito em ter expandido urbanisticamente para lugares longínquos, mas isso não tem mais volta. Eu penso que, no Plano Diretor, nós temos que ter como centralidade essa discussão. Eu sou favorável a colocar mais pessoas morando aonde já tem equipamentos públicos. Ou seja, adensar a cidade onde tem escola, onde tem posto de saúde, onde tem creche, rede de água, rede de esgoto. Esse é o meu conceito de urbanismo para fins de Plano Diretor. Não há dinheiro para grandes obras nas próximas gestões. Então, você vai ter que encontrar parcerias e o Plano Diretor é um instrumento para isso. O que é uma operação consorciada urbana? Ela tá no Estatuto da Metrópole e estabelece um jeito de fazer, usando o Plano Diretor para você captar recursos e melhorar o espaço urbano. Por exemplo, eu tenho lá uma região em que é permitido 12, 14, 18 andares. Se a operação urbana permitir que, naquele caso concreto, naquele traçado daquela região, eu passar para 24, para 28 andares, eu estou criando uma mais-valia no terreno do cidadão. Porque, se eu ia fazer 200 apartamentos, eu posso fazer 300. Então, você hoje tem instrumentos de aferição, pode fazer isso pela Bolsa, e você pode vender esse sistema e, com o dinheiro arrecadado, botar em infraestrutura. Exemplo, Porto Seco. Porto Seco está caindo de maduro uma operação consorciada, que você pode enfrentar duas grandes obras ali. O acesso norte do Porto Seco, que custa R$ 35 milhões, e a pista de eventos. Não tem dinheiro público para fazer pista de eventos. Quem disser isso vai estar falando uma grande mentira. Não há dinheiro público para isso, mas há um largo espaço para construir uma parceria público-privada para uma pista de eventos que não seja apenas para o carnaval, mas também para o carnaval. A outra operação consorciada urbana que cai de madura chama-se 4º Distrito. Eu tenho que ter um plano de negócios para o 4º Distrito. Não basta ter um Masterplan de desenho, eu tenho que ter um plano de negócios, nada se sustenta se não tiver um plano de negócios. Então, o Porto Seco é um exemplo, o 4º Distrito é outro exemplo. E vou pegar a cidade da Restinga, que hoje é maior que 90% ou 95% dos municípios do Rio Grande do Sul, tem 120 mil habitantes se eu pegar a Grande Restinga, ali nós também vamos ter que ter um tratamento especial. Tô citando esses três exemplos. Então, a cidade cresceu para as periferias, isso é uma realidade, os serviços públicos são péssimos, começando pelo transporte público, e nós vamos ter que trabalhar com essa realidade. Penso que lá atrás faltou planejamento, faltou esse olhar, o terreno lá era mais barato para levar as pessoas para lá, tudo isso aconteceu. Então, nós temos que reavaliar tudo isso do planejamento urbano, não tem uma saída fácil para isso.

Sul21 – Para o senhor, qual é a vocação da cidade de Porto Alegre?

Melo: Nossa cidade tem vocação, sim, para a Medicina, atende muito bem, e ela tem que ser potencializada. A nossa cidade tem vocação para o comércio, vestuário, muito grande, e faz muito bem e tem que ser potencializada. A nossa cidade tem vocação e tem potencialidade para aumentar o seu turismo, e isso é um tema que é central para o desenvolvimento da nossa cidade. Mas a nossa cidade também tem uma grande potencialidade da economia criativa e da inovação tecnológica. Então, estou te citando aqui cinco potencialidades enormes da nossa cidade e que nós vamos potencializá-las muito, usando os instrumentos fiscais, parceria público-privada e a facilitação de abertura de novos negócios. No nosso governo, é abrir, abrir e abrir. Não tem que fechar. O sujeito para fechar aqui vai ter muita dificuldade, porque vai ter um prefeito e um vice batendo lá na porta dele e dizendo: ‘não vai fechar, o que está faltando para tu continuar aberto?’ Se depender o poder público, o senhor não vai fechar, porque uma empresa fechada é gente desempregada, é gente na sinaleira, é gente pedindo esmola. A melhor inclusão social de um país não é dar o peixe, é dar oportunidade.

Sul21 – Considerações finais?

Melo: Eu quero te agradecer, Luís, a possibilidade de estar contigo aqui. Me preparei para ser prefeito, fui vice-prefeito, fui vereador, fui presidente da Câmara, sou deputado de Porto Alegre, tenho uma boa experiência de gestão pública e tenho como centralidade o diálogo. Acho que a cidade precisa voltar a ter paz, ter diálogo com todos os setores, pensar diferente é da riqueza da política e não da pobreza. É com esse espírito que eu e o Ricardo Gomes fizemos uma aliança e lideramos mais cinco partidos. E vamos fazer uma campanha sem desconstruir ninguém, sem jogar pedra em ninguém, vamos olhar para frente e apresentar as nossas propostas.


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