Contra Bolsonaro, antipetistas declaram voto em Haddad

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Mesmo sem simpatizar com o PT, eleitores não concordam com ideias preconceituosas de Bolsonaro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

“Eu vivi mais de 30 anos com um pensamento político voltado ao que, popularmente, chamam de direita. Eu era contra cotas, a favor da meritocracia e, principalmente, anti-PT”. Assim começa o depoimento de Ivan Guevara, nascido em Pelotas e criado na cidade de Arroio Grande, no interior do Rio Grande do Sul, que abriu voto para Fernando Haddad (PT) publicamente em seu Facebook. Mesmo sem nunca ter votado no Partido dos Trabalhadores antes, Ivan é uma das pessoas que consideram a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) uma ameaça e, principalmente por isso, estão apoiando o candidato petista.

No texto, Ivan justifica seu voto principalmente pelo caráter homofóbico e preconceituoso do candidato do PSL. “Um cara como o Bolsonaro, que prega as barbáries que prega, sem um plano decente pra tirar o Brasil do buraco e com objetivos claros de tirar os poucos direitos que o Judiciário (não foram nem os políticos) deram aos LGBTQ+, jamais vai ter meu voto e meu apoio”, afirma.

“Nunca votei no PT. Não defendo o PT. Mas eu ainda tenho um pouco de bom senso de saber que qualquer opção vai ser melhor pro meu futuro do que votar no cara do 17”, diz Ivan. Ele compara Bolsonaro com o palhaço vilão do filme It – A Coisa, que se alimenta do medo. “A diferença é que o Bolsonaro, além de se alimentar do medo, se alimenta também da ignorância e da falta de empatia das pessoas, usando muitas vezes a religião como pano de fundo e o ódio contra a ‘esquerda’”.

Homossexual, Ivan tem postado fotos em que aparece junto ao namorado com a bandeira LGBT e colocado filtros no Facebook demonstrando apoio a Haddad. Para ele, o maior risco que se corre com a eleição de Bolsonaro é que “dentro dos apoiadores dele existem muitas pessoas que guardam todo o preconceito como racismo, homofobia, xenofobia, etc. dentro do armário”. Com a eleição, elas podem se sentir autorizadas a materializar esse preconceito. “Essas pessoas irão sim ver no Bolsonaro um líder que defende o que elas acreditam”, lamenta.

Ivan com o namorado Gabriel em foto que postou no Facebook, com o filtro de apoio a Haddad | Foto: Reprodução/ Facebook

Ivan não é o único a pensar dessa forma. A empresária Bruna Kessler, que se coloca como uma pessoa liberal, a favor de privatizações e de menos intervenção estatal, também decidiu apoiar Haddad pensando no aspecto social e humano das eleições. “O PT, além de ser corrupto, tem uma ideia muito diferente de governo [da minha]. Nunca votei no PT, nunca me imaginei votando. Mas para mim, certamente não existe nada pior do que machismo, homofobia e desigualdade social”, afirma.

Ela relata estar convicta de seu voto, o qual defende “com unhas e dentes” e divulga em qualquer oportunidade, mesmo dizendo que a maioria dos seus colegas de profissão não compartilham de suas opiniões. “Não está sendo fácil assumir a decisão e o voto, mas hoje tenho certeza da minha escolha. Meus colegas de profissão, os empresários, não têm a mesma posição que eu, na maior parte, alguns se abstém do voto”, diz.

O médico Mauricio Lutz também foi criado em um ambiente familiar em que o antipetismo reinava, assim como Ivan. “Eu já era anti-PT mesmo antes do primeiro governo Lula, sem nem saber exatamente porque. Sempre me identifiquei com partidos de centro, particularmente com a social-democracia. Mais um órfão do Fernando Henrique”, conta. Em 2015, foi para as ruas pedir o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT), protestando na avenida Goethe, em Porto Alegre, com uma bandeira do Aécio Neves (PSDB), candidato derrotado por ela nas urnas.

Ele relata que sua mudança de pensamento começou a se dar com o início do governo de Michel Temer (MDB), após a queda de Dilma. “Percebi que [o impeachment] não era contra corrupção ou pedaladas, era sobre um antipetismo que as pessoas, como eu, tinham e nem sabiam porque. Comecei a perceber também que as pessoas ao meu lado não defendiam o mesmo que eu. Assim que tiveram voz, demonstraram todos os seus preconceitos e conservadorismo”.

No primeiro turno, Mauricio votou em Ciro Gomes (PDT), mas afirma que poderia ter votado em Marina Silva (Rede) ou Geraldo Alckmin (PSDB) sem problemas, dependendo da conjuntura. Agora, apoia Haddad, “na esperança de que ele seja a nova cara do PT”, mencionando também achar o candidato um intelectual progressista, que fez uma ótima gestão em São Paulo.

Eleitores criticam declarações que incitam violência contra LGBTs| Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para além disso, Mauricio destaca que seu voto é, também, contra Bolsonaro. “Contra todo o racismo, homofobia e misoginia que ele representa. Como judeu, estudei incansavelmente os horrores do Holocausto nazista. Que pena que o brasileiro médio não estudou os horrores da ditadura militar brasileira na mesma proporção”.

De forma semelhante, Nathaly Maciel, que é paulista, conta ter começado a se identificar com ideias consideradas do campo da esquerda recentemente. Até 2014, ela votava no PSDB, mas no primeiro turno dessas eleições, escolheu Guilherme Boulos (PSOL). “Fui de coxinha para comunista”, brinca a jovem, que mora na Irlanda há três anos e considera que a experiência no país europeu a ajudou a abrir os olhos para questões políticas.

“Eu gosto do Haddad, mas sou anti-PT por toda a corrupção e principalmente pela cara de pau do Lula de sempre negar tudo. Os fãs dele também me irritam. Mas ainda que fosse o Lula nesse segundo turno, eu votaria nele”, garante. Ela conta ter sido contra o impeachment de Dilma, mas a favor dos protestos contra ela, por acreditar que a população tem direito de se manifestar, mas, ao mesmo tempo, não se deve violar a escolha da maioria.

Moradora de São Paulo à época em que Haddad era prefeito (2013-2016), Nathaly aponta a gestão dele na cidade como um dos fatores que trouxe simpatia pelo candidato. “O que me levou a votar no Haddad no segundo turno foi, em primeiro lugar, o adversário e, em segundo, as propostas dele e a pessoa. Não concordo 100% com tudo, mas, como disse, gosto do Haddad e sei que foi um bom prefeito para São Paulo. Poderia sim ter sido melhor, mas ele fez o que deu, o país entrou em crise no meio da gestão dele”, pondera.

Haddad na época em que era prefeito de São Paulo em inauguração de ciclovia na cidade | Foto: Fábio Arantes/Secom SP

Ela menciona que sempre se identificou com a direita na política devido à questão econômica, mas atualmente acha difícil colocar esse aspecto à frente do social. Esse ponto também é levantado por Victor Ferreira Alonso, que em postagem no Facebook conta que mudou o voto de Bolsonaro para Haddad. A publicação recebeu mais de 23 mil curtidas e 28 mil compartilhamentos. Victor chegou a votar no político do PSL no primeiro turno, mas depois disso, “não conseguiu fechar os olhos” durante a noite, arrependido da decisão.

“Ia de [João] Amoêdo (Novo), mas escolhi ajudar a ‘liquidar a fatura’ no 1º turno. Acreditei que era o melhor a se fazer. E na noite de ontem não consegui fechar os olhos, me revirando na cama enquanto amargurava minha decisão. Acordei mal, com dor no corpo inteiro, dor de cabeça, garganta ruim. Minha consciência me deu uma verdadeira surra moral e física essa noite”, refletiu ele, em texto escrito na segunda-feira passada (8).

Ele resume: “não consegui votar no Bolsonaro e dormir tranquilo depois”. Victor conta que, mesmo não concordando com o programa de Haddad e com o fato de o PT estar na presidência há mais de uma década, não repetirá o voto em Bolsonaro. “Não concordo com a corrupção e com o estadismo que o PT prega. Sou um liberal, e realmente acredito que esse é o caminho. Mas, se ser liberal significa apoiar aquele que representa a tortura, o preconceito e o que de pior existe dentro de nós… então estadista eu serei”, diz, finalizando com um “Haddad e Manuela, 13”.

A empresária Mara Soares, de Santa Maria, também cita a corrupção do PT como um dos motivos que a levaram a rejeitar o partido ao longo de sua vida. Em sua primeira eleição, votou em Fernando Collor, mas foi a favor de seu impeachment em seguida. Nas eleições subsequentes, apoiou o PSDB e, no primeiro turno de 2018, escolheu João Amoêdo. Ela conta ter convivido com muitos militantes petistas em sua cidade e ter participado da Pastoral da Juventude Estudantil (PJE) do município de Camobi, quando teria concluído que o PT “não era um partido que se preocupava com o povo”.

Desrespeito à população LGBT é um dos motivos que eleva a rejeição de Bolsonaro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mara afirma sempre ter sido contrária a cotas e benefícios como o Bolsa Família. “Eu sou solteira e não tenho filhos, nunca consegui um auxílio do governo, paguei cada centavo da minha faculdade, porque, para o governo PT, eu posso me sustentar sozinha, não faço parte de nenhuma das classes que eles tanto adoram ajudar”, ironiza. Mara foi a favor do impeachment de Dilma e afirma que gostaria que todos os políticos corruptos, independente de partido, fossem punidos.

Por isso, a rejeição a Bolsonaro é o único motivo que a leva a votar em Haddad neste momento. “Somente irei votar no Haddad para que um boçal como o Bolsonaro não ganhe a eleição. Não tenho medo da volta da ditadura, pois acredito que, nos dias de hoje, isso seria impossível de acontecer. A internet, os meios de comunicação mudaram muito, mas tenho medo dos apoiadores do Bolsonaro e do que essas pessoas podem pensar que devem fazer em nome dos ‘bons costumes’”, diz.

Licenciada em História, com pós-graduação em Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e outra em História e Cultura Afro-Brasileira, ela acredita que o país irá retroceder “mil anos” caso Bolsonaro seja eleito. “Não acho que o Haddad irá mudar muita coisa, mas acredito que, no momento, é o melhor para todos nós”, afirma.

Nos últimos dias, personalidades conhecidas por serem contrárias ao PT, como Reinaldo Azevedo, têm se mostrado também críticos a Bolsonaro. O apresentador Luciano Huck, que chegou a ser cotado para concorrer à presidência, afirmou que “Bolsonaro se tornou conhecido propagando ideias retrógradas, sectárias, preconceituosas e belicistas. Tudo aquilo de que não precisamos na atual conjuntura”. Sem declarar apoio a nenhum dos candidatos, em texto para o jornal Folha de S. Paulo, Huck afirmou temer que “o discurso de ódio ou de desprezo pelo diferente na boca de um mandatário eleito pela maioria legitime violência e discriminação”.


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