Política
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9 de maio de 2021
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12:25

Maternidade na política: a importância de ocupar espaços para reduzir desigualdades

Por
Luís Gomes
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Manuela D'Ávila, Juliana Brizola, Laura Sito e Talíria Petrone falam sobre o papel das mães na política | Foto: Sul21/Reprodução/Facebook.
Manuela D'Ávila, Juliana Brizola, Laura Sito e Talíria Petrone falam sobre o papel das mães na política | Foto: Sul21/Reprodução/Facebook.

Nesta semana que passou, o Rio Grande do Sul disponibilizou doses de vacinas contra a covid-19 para imunizar todas as gestantes e puérperas — mulheres no pós-parto — com mais de 18 anos. A antecipação da vacinação destas mulheres foi determinada por uma nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde no dia 26 de abril, que orientou que elas fossem incluídas no grupo prioritário. Contudo, foi uma luta travada anteriormente no Congresso pelas deputadas federais Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Talíria Petrone (Psol-RJ) e pela senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), que apresentaram projetos, um em cada casa legislativa, para garantir a antecipação da vacinação delas.

A vacinação contra a covid é um exemplo de debate político relacionado à maternidade que foi promovido por parlamentares que são mães. Neste caso, Talíria foi mãe em 2020, Sâmia está grávida e a senadora Daniella Ribeiro é mãe de três filhos. Neste Dia das Mães, a reportagem do Sul21 conversa com mulheres que partem das próprias vivências para ajudar a fomentar debates e políticas públicas envolvendo o tema.

Mãe de Moana, que está prestes a completar o primeiro ano, Talíria avalia que o papel das mães na política é essencial para a promoção de pautas relacionadas à maternidade e que isso ficou ainda mais claro na pandemia de covid-19. “Quando a gente pensa o quanto a pandemia sobrecarrega nós mulheres mães, e quando pensamos que a questão sanitária impacta de forma muito dura as mulheres gestantes, e o Brasil demorou a reconhecer e a enfrentar esse quadro, a gente pensa que essas questões todas têm que estar visibilizadas na política institucional. E nada melhor do que a gente ter representadas nesses espaços mulheres mães, porque essas mulheres vivenciam na pele o que são essas questões todas e, por isso, tendem a priorizar esses desafios”, diz Talíria.

A deputada federal defende ainda que os temas relacionados à maternidade deveriam ser centrais para a política, mas acabam sendo invisibilizadas. “É fundamental que a gente visibilize as pautas que envolvem as mulheres em geral, mas que envolvam nós mães, que envolvam maternidade. Para a vida no mundo funcionar, há sempre uma mãe fazendo a roda girar. Uma mãe levando o filho na escola, uma mãe cozinhando, uma mãe se desdobrando em dupla, tripla, jornada de trabalho. Ao mesmo tempo, a gente tem uma violência no aspecto mais amplo que atinge nós mães, seja a violência da licença maternidade, que é ínfima, seja uma violência expressa na invisibilidade da violência obstétrica, da mortalidade materna, inclusive, seja a violência do não entendimento de que o trabalho doméstico, de que o trabalho reprodutivo, é também trabalho”, diz.

Talíria Petrone e a filha Moana durante sessão da Câmara em fevereiro | Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Para a ex-deputada e ex-candidata a vice-presidente Manuela D’Ávila (PCdoB), mãe de Laura, 6 anos, a elaboração de políticas públicas para a maternidade deveria ser tratado como um dos elementos centrais para a compreensão da desigualdade no Brasil, mas é uma discussão que constantemente é invisibilizada. Ela destaca, por exemplo, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que aponta que mais de 70% das mães negras de crianças de 0 a 3 anos não trabalham.

“Não existe como imaginar um Brasil que se desenvolva e que enfrente a maternidade sem construir um espaço e um destaque para o lugar político que a maternidade ocupa na construção dessa desigualdade”, diz, argumentando que “não é a troco de nada”, que duas das políticas mais exitosas dos governos Lula e Dilma tiveram as mães como sujeitos centrais para a elaboração, o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. “A lógica da política é a lógica dos homens brancos e também da forma como os homens brancos vivem a paternidade, sem nenhum senso de responsabilidade com a estrutura de cuidado. Então, a gente que disputa para que a política seja um lugar da diversidade, precisa entender que um dos elementos que a atravessa é a maternidade, senão não vai dar certo”, complementa.

Mãe de dois filhos, a deputada estadual Juliana Brizola (PDT) era vereadora de Porto Alegre em primeiro mandato em 2009, quando nasceu o primogênito, José Inácio. Ela contra que, após tirar licença-maternidade de quatro meses, passou a levar o bebê para o trabalho, inclusive para a campanha eleitoral do ano seguinte, quando se elegeu deputada estadual pela primeira vez. “Eu tive esse privilégio, porque eu sei que a maior parte das mães não têm. Eu podia levar ele para o meu gabinete, me dividia no plenário, voltava e amamentava. Mas ele se deu muito bem com esse esquema e assim eu fui carregando”, diz.

Quando Angelina nasceu, há seis anos, ela achou que poderia adotar a mesma prática e, agora deputada, levar a menina para a Assembleia Legislativa. “Só que ela não se adaptava, chorava desde a hora que entrava até a hora de sair. E aí eu comecei um drama que muitas mulheres vivem, que eu percebi porque aconteceu comigo. Eu percebi que o momento mais difícil para a mãe, sobretudo a mãe trabalhadora, não era a gestação, não era a amamentação, por mais que em alguns momentos tenha algum tipo de dificuldade, mas o pior momento para a mãe era esse momento de separação do seu bebê. Não só por ficar separada de um bebê tão novinho, de quatro meses, ter que deixar ele ou numa creche ou com alguém, mas o fato do aleitamento materno”, diz.

Juliana Brizola com os filhos José Inácio e Angelina | Foto: Divulgação

Juliana conta que começou a se sentir culpada por não conseguir amamentar Angelina em livre demanda, isto é, quando a bebê queria. Ao se deparar com a dificuldade, a deputada procurou especialistas no tema do aleitamento materno que lhe informaram que, em outros países, está ganhando força a prática de empresas terem espaços nos locais de trabalho que sejam reservados para que mulheres possam retirar o leite e armazenar. Essa conversa deu origem a dois projetos de lei apresentados em 2015 que buscavam tornar obrigatória a existência destas salas em repartições e empresas públicas e empresas privadas com mais de 200 funcionários.

“Eu achando que esse seria um tema extremamente fácil, porque quem é que não vai apoiar a mãe que se separa do seu bebê. Mas enfrentei muitas dificuldades na Assembleia Legislativa, até hoje não consegui aprovar os projetos”, diz Juliana.

A deputada conta que, desde a apresentação, o projeto já teve vários relatores, todos homens, e ainda permanece parado. Cansada da demora na tramitação, ela decidiu neste ano aproveitar um mecanismo previsto no regimento da Casa que permite que um projeto seja encaminhado diretamente pelo colégio de líderes para votação em plenário.

Ela conta que, a partir disso, passou a ser procurada por federações empresariais que argumentavam que o projeto iria prejudicar a contratação de mulheres. Apesar de defender que isso não é verdade, que a medida poderia aumentar a tranquilidade das mulheres trabalhadoras e, consequentemente, sua produtividade, ela acabou mudando no projeto o caráter da implantação de obrigatório para opcional.

“Eu dialoguei muito com elas, mas acabei percebendo que, para aprovar esse projeto, eu teria que botar opcional. Tá bom, a gente entende que, num primeiro momento, pode ser que seja opcional, vamos criar um selo de incentivo às empresas que aderirem ao programa, até o selo vai se chamar ‘Empresas Amigas do Peito’. E eu estou tentando, então, levar a plenário agora neste mês de maio esses dois projetos. Mas, para isso acontecer, eu tive que ceder, no sentido de não ser mais obrigatório, e tive que fazer muitas conversas para demonstrar o quão atrasada esta é a mentalidade sobre este momento pelo qual muitas mulheres passam, que é a gravidez, o parto e o aleitamento materno”, afirma a deputada.

Juliana reconhece que só foi possível compreender a importância de uma medida como esta após ter enfrentado, ela mesma, a falta destes espaços em seu local de trabalho. “Esse é um exemplo do que aconteceu comigo e eu percebi que poderia ser transformado em uma política pública de apoio às mães trabalhadoras. Aí talvez venha um exemplo do quanto é importante a participação da mulher na política, porque a gente talvez tenha maior conhecimento, vivência, do nosso dia a dia, aquilo que nos aperta o sapato, e aí elaborar uma política pública que efetivamente atinge a mulher trabalhadora”, afirma.

Mãe desde o dia 13 de abril passado, quando nasceu Pedro, a vereadora Laura Sito (PT) é uma das mães no puerpério que foi vacinada em Porto Alegre. Assim como Juliana, ela conta que também foi a percepção que teve da sua realidade após engravidar que a motivou a apresentar dois projetos de políticas públicas para a maternidade neste ano. O primeiro deles buscando regulamentar os espaços de órgãos públicos de Porto Alegre para que sejam garantidos locais para o aleitamento materno.

Servidora pública do setor administrativo do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Laura diz que percebeu que o almoxarifado do DMLU não tinha nenhum local para amamentação. “Onde é que eu poderia fazer a minha ordenha? No meio das clorofilas, no meio da papelada? Aquela estrutura do DMLU da Azenha não tem um espaço. E assim a gente percebeu que vários órgãos da Prefeitura de Porto Alegre têm espaços precários”, diz. “Uma questão que é de simples organização do espaço de órgãos públicos, mas que, se não tem uma mulher propondo, passa despercebido”. Talvez eu mesma, se não fosse mãe, não tivesse essa sensibilidade”, complementa.

O outro projeto que apresentou é sobre a regulamentação do trabalho de doulas, pessoas que trabalham como assistentes de parto, na cidade. “Esse é um tema bem polêmico, com o sindicato médico especialmente, porque ele fala sobre o poder sobre o corpo da mulher, fala sobre a visão de mercado do momento do parto. Ele fala de um conjunto de questões que não são debatidas na sociedade. Primeiro, porque nós não temos de fato uma educação que fala sobre a autonomia das mulheres sobre seus corpos. Então, muitas mulheres sofrem violência obstétrica e não compreendem que sofrem”, diz.

Laura Sito foi vacinada no último dia 5 por ainda estar no puerpério, período que vai até 45 dias após o parto | Foto: Foto: Reprodução/Facebook

A vereadora Laura afirma que, com a maternidade, ficou muito mais clara para ela a importância das mulheres na política. “Há um conjunto de pautas, uma agenda política, que é completamente invisibilizada. Talvez, não porque os homens não compreendam a importância de uma agenda de politicas públicas para as mulheres, mas porque quem não vivencia, não sente, muitas vezes tem dificuldade em mensurar a importância de algumas ações”, diz.

Ela explica que a regulamentação das doulas já foi proposta em duas oportunidades anteriores, pelos ex-vereadores Jussara Cony (PCdoB) e Professor Alex (PSOL), mas em ambas ocasiões acabaram não prosperando. Ao chegar na Câmara, ainda grávida, ela diz que decidiu conversar com profissionais da área e movimentos sociais para reconfigurar a proposta e reapresentá-la. “A gente vai apresentar quantas vezes for necessário até que a gente possa acumular forças para fazer esse enfrentamento”, afirma.

Para Manuela D’Ávila, há vários elementos que dificultam a aprovação de políticas públicas voltadas para a maternidade. Um deles é o fato de que a maior parte dos espaços políticos são ocupados por homens que não têm responsabilidade na estrutura de cuidado das crianças. Para ela, isso fica explícito até mesmo pelo horário de funcionamento dos parlamentos. “Por que as sessões começam às 16h e terminam às 2h da manhã? Porque, num país desigual, como o nosso, além de não terem responsabilidade na estrutura de cuidado, esses homens não buscam filhos na escola”, diz.

Um segundo elemento é a própria natureza do capitalismo. “A gente vive numa sociedade que quer perpetuar a invisibilidade dessa estrutura de cuidado. A pandemia deixou isso muito evidente. O único espaço que existe de cuidado institucionalizado de crianças, isto é, que divide responsabilidade com as mulheres, não são os homens, é a escola. O único equipamento público de divisão de responsabilidade é a escola. O parlamento é um lugar de manutenção dessa sociedade e a nossa disputa é para transformá-la”, afirma.

Por fim, destaca que o preconceito ainda pesa muito na falta de políticas para a maternidade. “Por que a gente tem esse dado da pesquisa de desemprego materno de 0 a 3 anos? Porque, no Brasil, essa faixa etária não é protegida pelo sistema educacional. A partir dos 4 anos é que é obrigado, o que a gente chama de educação infantil. Não é uma coincidência o desemprego de mulheres, é porque essas mulheres são desprotegidas conscientemente pela legislação brasileira. É preconceito, mas é manutenção da sociedade como ela é”, diz.

Juliana Brizola avalia que uma parte do problema da falta de políticas públicas para a maternidade vem do desconhecimento da maior parte dos colegas, em sua grande maioria homens, das necessidades das mães. Contudo, também pondera que pesa o fato da política ainda ser um ambiente muito masculinizado. Na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas nove dos 55 parlamentares são mulheres.

“Eu já tive que levar os meus filhos para plenário, já tive que amamentar em reuniões partidárias e muitas vezes recebi olhares negativos. ‘Aqui não é local para você amamentar’. Ou mesmo se eu não estou amamentando, quando o meu filho está por ali, está correndo. ‘Ah, aqui não é lugar de trazer as crianças’. Então, a política ainda é extremamente masculinizada e isso se reflete nos projetos, com certeza. Os homens muitas vezes não têm essa noção. Claro que não são todos”, diz. “Acho que falta eles perceberem também exemplos que existem fora do Brasil e são exitosos em termos econômicos. Acho que aí passa por uma questão de desinformação. E o preconceito de se estar tratando de uma questão que também ainda é tabu. O aleitamento materno ainda é visto como tabu. Ainda há um preconceito muito grande em temas relacionados à política pública para a mulher, em todos esses sentidos”, complementa.

Manuela e a filha Laura durante as eleições municipais de 2020 | Foto: Divulgação

Manuela D’Ávila diz que viver a maternidade no meio da disputa política é um dos elementos mais importantes da sua militância política. “Eu me dei conta, fazendo na prática, que talvez as coisas mais militantes que eu tenha feito em toda a minha militância política tenha sido mostrar que a maternidade tem impacto na nossa vida e na nossa rotina. Não mentir, não me esforçar para fazer de conta que era tudo igual a antes, porque não era. Eu me dei conta disso estando e não estando com a minha filha. Na verdade, as pessoas, em geral, só enxergam quando ela está. Mas as mulheres que são mães enxergam quando ela não está e quando está. Porque também poder não estar com ela é um gesto de respeito num mundo que impõe que mulheres tem que estar o tempo inteiro com os seus filhos. Então, cada vez que eu apareço publicamente sem ela é porque ela está com o meu marido, e isso também é libertador para as mulheres”, afirma.

Para Juliana, usar a própria vivência como exemplo também é uma forma de ajudar a promover pautas e políticas públicas para a maternidade. “Isso é algo que todas as mulheres têm orgulho, mas, em algum momento, pode ser uma trava na carreira delas e a gente não pode deixar que isso aconteça. A sociedade tem que absorver, tem que proteger e nós temos que ter políticas públicas para auxiliar essas mulheres, que são uma mão de obra qualificadíssima. Está comprovado que as mulheres estudam muito mais anos do que os homens, nós somos a maioria, e não podemos ficar de fora das decisões, seja no parlamento, no executivo ou no judiciário, por conta que temos a maternidade no meio do caminho”, diz. “E é aquilo, a política, para melhorar, para ser para todo mundo, tem que ser lugar para todo mundo. Tem que ser lugar par aos negros, para os índios, para as mulheres e crianças também. Se o ambiente não é propício para crianças, é porque aquilo ali não tá bom, então eu não vejo problema nenhum, nunca vi problema em carregar meus filhos para reuniões na Assembleia, justamente porque temos que humanizar a política. Não pode ser uma coisa para homens brancos e héteros, é lugar para todo mundo”.


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