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31 de janeiro de 2020
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00:52

Sob clima de revolta, deputados aprovam novo plano de carreira dos militares: ‘boa coisa não ocorrerá’

Por
Sul 21
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De costas, policiais militares e bombeiros protestam contra projeto aprovado nesta quinta (30). Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Velleda

Os apelos veementes e emocionados de policiais militares e bombeiros que lotaram a galeria do plenário da Assembleia Legislativa, nesta quinta-feira (30), foram insuficientes para sensibilizar a base aliada do governo de Eduardo Leite. Por 37 votos favoráveis e 16 contrários, o parlamento aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLC) 6/2020, que alterou salários e a carreira dos servidores da Brigada Militar (BM).

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A partir de agora, a remuneração dos bombeiros e policiais ocorre por meio de subsídio, pondo fim aos triênios e adicionais de 15% e 25% por tempo de serviço. O projeto acaba com o posto de soldado de 1ª e 2ª Classe e cria três níveis de graduação de soldado, além de aumentar para 10 anos o tempo necessário para progressão do nível 3 para o nível 2, e de 20 anos para o alcançar o nível 1 — até então, o tempo de progressão do soldado de 2ª Classe para 1ª Classe era de cinco anos, tendo passado para sete anos durante o governo de José Ivo Sartori (2015-2018).

Para os militares presentes no Plenário 20 de Setembro, tais mudanças já eram um problema sério do projeto, mas não o mais grave. O pior mesmo, segundo os policiais e bombeiros, foi a desproporcionalidade dos aumentos concedidos para os diferentes postos da carreira militar. Enquanto para um coronel, tenente-coronel e major, o projeto aprovado aumenta em 60,7% o salário, para os soldados da agora extinta 1º e 2º Classe, não houve nada de reajuste, 0%. Um coronel, por exemplo, que hoje recebe R$ 17.367, passará a ganhar R$ 27.919. Já o soldado de 1ª Classe, que atualmente tem salário de R$ 4.689, equivalente a 27% do salário do coronel, continuará ganhando o mesmo valor, porém o novo soldo representará apenas 16,8% dos vencimentos de um coronel, aumentando assim a distância entre os postos.

Enquanto na matriz atual um soldado de 1ª Classe, com 15 anos de serviço, receberia R$ 6.564,92, a partir de agora, esse soldado será enquadrado no nível 2 e receberá R$ 5.392,61, uma perda de 17,9%. No novo plano de carreira, os atuais soldados ativos e inativos de 1º Classe serão reenquadrados conforme o tempo de carreira – nível 3, para quem tem menos de 10 anos de serviço; nível 2 para quem tem entre 10 e 20 anos de atividade; e nível 1 para quem tem 20 anos ou mais de carreira.

Clima era de revolta nas galerias da Assembleia nesta tarde. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Infelizmente, o governo não adotou a mesma condição aos postos e graduações abaixo dos tenentes. O governo adotou uma medida de secção nas carreiras militares, deu mais para quem tem mais, e não contemplou, pelo contrário, deu menos, para quem sustenta a segurança da sociedade”, afirmou o coronel Ederson Franco, coordenador da Associação de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Abergs).

Inconformado, criticou o fato de a maioria da Assembleia Legislativa ter alterado o projeto de lei aprovado em 2014, que instituiu a chamada lei da verticalidade na carreira dos militares. “E agora eles não colocaram em prática essa lei, fazendo com que o nível médio, de tenente a soldado, não fosse contemplado com a verticalidade na sua íntegra”.

O coordenador da Abergs definiu como “extremo descontentamento” a disparidade nos aumentos concedidos entre os postos e graduações. “Os Bombeiros e a Brigada Militar são instituições centenárias. A oficialidade sempre esteve junto com a sua tropa, entretanto, hoje tivemos uma separação entre oficiais da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros em relação aos demais da tropa, no que se refere a vencimentos. Infelizmente, hoje estamos tendo duas corporações, onde o Estado deu um tratamento para uma parte dessas instituições, e segregou a outra. Infelizmente, não houve a igualdade nesse processo”, lamentou. Para ele, na medida em que a maioria dos deputados votaram a favor do projeto, “boa coisa não ocorrerá no Estado”.

Sentimento semelhante demonstrou José Clemente da Silva Corrêa, presidente da Associação Beneficiente Antonio Mendes Filho da Brigada Militar (Abamf), após a aprovação do projeto do governo Leite.

Houve tensão na votação dos projetos envolvendo a segurança pública. Foto: Luiza Castro/Sul21

“É uma profunda tristeza levar a informação aos policiais militares e aos bombeiros do que ocorreu hoje na Assembleia Legislativa, capitaneada pela governo do Estado. Um processo de desvalorização e desconstituição das estruturas e carreiras de servidores de nível médio das instituições militares do Estado, um processo em que o governo ignora a função e os riscos das atividades desses servidores”, exclamou, também criticando o achatamento dos salários, que privilegiou somente uma parte da categoria dos militares estaduais. “Isso separa a Brigada Militar e separa o Corpo de Bombeiros, e isso é perigoso para a sociedade gaúcha, onde há uma tropa desmotivada, sem reconhecimento, que diuturnamente enfrenta todo o tipo de situação defendendo a nossa sociedade, inclusive pagando com as nossas vidas.”

O presidente da Abamf chamou de “demagogos e hipócritas” os recorrentes discursos do governo e de parlamentares em defesa da valorização da segurança pública. “Estamos de luto pelo o que ocorreu hoje. Vimos um governo que nunca buscou o diálogo, sempre que foi chamado por representantes das categorias militares, nos apresentavam documentos já prontos. Essa desconsideração e desrespeito que o governo fez hoje, certamente ele sabe o preço que deverá pagar por isso.”

Saída pelos fundos

Ao contrário da última quarta-feira (29), quando após aprovar o novo plano de carreira do magistério, o líder do governo Leite na Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP), concedeu entrevista coletiva no centro do plenário e saudou o que chamou de“acordo histórico”, o final da sessão desta quinta-feira (30) foi bem diferente.

Ao longo de toda a tarde, o inconformismo vindo da galeria do plenário com as atitudes da base aliada do governo, criou uma atmosfera tensa no ar. Enquanto os deputados da oposição — e mesmo alguns que normalmente apoiam o governo Leite, como Dr. Thiago Duarte (DEM), Edson Brum (MDB) e o Tenente Coronel Zucco (PSL) — subiam na tribuna e se manifestavam contrários ao projeto eram ovacionados, o silêncio dos parlamentares favoráveis às mudanças era duramente criticado.

‘Saída pelos fundos’ para quem votou a favor do governo Leite. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Não adianta depois se solidarizar quando morre um soldado, como muitos vêm aqui depois fazer”, criticou a deputada Juliana Brizola (PDT), em referência ao tradicional discurso de defesa da Brigada Militar propalado por muitos parlamentares.

“É o momento decisivo. Os deputados vão mostrar no painel eletrônico se defendem mesmo a Brigada Militar”, afirmou Luciana Genro (Psol), autora de uma emenda que restabelecia a proporcionalidade salarial entre os postos da polícia militar. A emenda nem sequer foi à votação, derrubada antes pela base aliada do governo.

Quando o placar então revelou a aprovação do novo plano de carreira, os policiais e bombeiros presentes se viraram de costas para o plenário e entoaram o hino do Rio Grande do Sul. Ato contínuo, muitos gritos de desabafo e decepção com o resultado final. O clima esquentou e seguranças da Assembleia entraram em ação para conter os mais revoltados.

Tão logo se encerrou, formalmente, a convocação extraordinária, nada de coletiva à imprensa do líder do governo ou de qualquer outro deputado que deu o seu sim para o novo plano de carreira dos militares. Pelo contrário. Em fila, calados, um a um foram se retirando por uma porta situada atrás da mesa de onde o presidente da Assembleia comanda os trabalhos. A passagem leva diretamente ao gabinete da presidência da Casa, onde os parlamentares então encontrariam o governador Eduardo Leite e receberiam dele os parabéns pelo resultado alcançado.

Outros projetos

Ainda nesta quinta-feira (30), a Assembleia Legislativa aprovou outros dois projetos: o que fixa o subsídio mensal para o quadro do Instituto-Geral de Perícias (IGP), com valores entre R$ 4,8 mil e R$ 19,3 mil, e o que dispõe sobre a aposentadoria especial para policiais civis e agentes penitenciários.

O Projeto de Lei Complementar (PLC) 4/2020, por exemplo, que estabeleceu a remuneração para o Quadro de Cargos de Provimento Efetivo do Instituto-Geral de Perícias (IGP), foi aprovado por unanimidade, com 53 votos favoráveis.

Por 49 votos favoráveis e apenas 3 contrários, a Assembleia também aprovou a aposentadoria especial de policiais civis e agentes penitenciários. O projeto estabelece a paridade e a integralidade dos servidores que ingressaram na carreira entre 2003 e o início da previdência complementar, em 2015, e era uma reivindicação da categoria.

Foto: Luiza Castro/Sul21

 


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