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4 de dezembro de 2019
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12:09

Relator da ONU no Brasil recebe denúncias sobre gestão ambiental do governo Bolsonaro

Por
Luís Gomes
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Relator da ONU no Brasil recebe denúncias sobre gestão ambiental do governo Bolsonaro
Relator da ONU no Brasil recebe denúncias sobre gestão ambiental do governo Bolsonaro
“Uma das verdades que virão à tona é o estrago econômico que tem sido causado pela intoxicação do planeta”, afirmou Baskut Tuncak, da ONU | Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Cristiane Sampaio
Do Brasil de Fato

A questão do vazamento de óleo na costa do Brasil foi destaque em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (3), com a presença do relator especial da ONU na área de “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos”, Baskut Tuncak.

Em missão oficial no Brasil até o dia 13, o emissário esteve na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Casa para ouvir relatos e receber dados de parlamentares e especialistas sobre o tema.

Em meio ao drama que afetou, até agora, a costa de 11 estados brasileiros, o coordenador da comissão externa da Câmara que acompanha as investigações sobre o vazamento de óleo, deputado João Daniel (PT-SE), destacou que o problema foi identificado em 30 de agosto e chegou a um total de 866 localidades em 127 municípios, segundo o último boletim do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais).

“Não temos, até hoje, nenhuma comprovação da origem do óleo. O governo federal em nenhum momento atuou sobre o caso sem antes ter havido uma denúncia ou cobrança por parte da sociedade, da Câmara Federal, do Senado e, em especial, das comunidades atingidas”, relatou o parlamentar.

O problema dos resíduos tóxicos se desdobra também em outras questões, que foram levadas ao relator da ONU também por operadores do sistema de Justiça e integrantes de movimentos populares.

“Suspensão de direitos”

A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, titular da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), compartilhou diferentes preocupações, entre elas atuação de empresários do agronegócio e de outros ramos que dificultam demarcações de áreas para a reforma agrária, indígenas e quilombolas. Ela afirmou que o Brasil vive um quadro de “suspensão de direitos”.

“Nós temos um quadro de irresponsabilidade empresarial, apesar de o direito brasileiro trazer uma legislação muito interessante sobre responsabilidade nas empresas, especialmente no campo ambiental, e de a Suprema Corte ter decidido, em mais de um caso, que as empresas têm compromisso tal qual o Estado de observar, proteger e promover direitos humanos”, completou, ao mencionar ainda a atuação de mineradoras.

A ação predatória de empresas de mineração também foi lembrada pelo geraizeiro Adair Nenzão, da comunidade Vale das Cancelas (MG), que resgatou os casos de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), cidades devastadas pelo rompimento de barragens da companhia Vale.

“Não aceitamos mais mineração em Minas e pedimos a imediata interdição dessas empresas. É preciso que haja senso de humanidade e respeito pelo povo de Minas Gerais e do Brasil”, apelou, ao pedir auxílio da ONU para o caso.

Agrotóxicos

Teve destaque ainda a liberação de agrotóxicos no Brasil, que já contabilizada 467 produtos inéditos no mercado nacional este ano, o primeiro da gestão Bolsonaro.

“É o maior índice da historia do país, sendo que mais de 40% deles são proibidos por outros países. Hoje se sabe, por meio de pesquisa, que um em cada quatro municípios do país tem na sua água um coquetel de agrotóxicos”, destacou o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Leonardo Pinho, ao mencionar os riscos da contaminação por esse tipo de produto.

A exposição a resíduos químicos pode ser a maior causa de doenças e mortes no mundo, segundo aponta a Organização das Nações Unidas (ONU). A problemática atinge principalmente a população pobre de países de baixa ou média rendas, alvo de mais de 90% das ocorrências.

A militante Mayara Bitencourt, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, sublinhou a preocupação com a nova classificação toxicológica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que relativiza a gravidade de determinados pesticidas.

“Produtos cujo dano não é tão perceptível ou que têm consequências vistas num período de tempo maior, como as intoxicações crônicas, não mais terão a caveira indicativa na embalagem. Imaginem uma criança ou mesmo um trabalhador rural que não sabe ler. Eles não vão mais identificar nesse produto um risco tóxico. Isso é muito preocupante”, afirmou ao relator da ONU.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) também levou preocupações relacionadas à expansão de pesticidas no campo brasileiro. “Nossa produção está sendo muito ameaçada porque não estamos conseguindo comprovar a certificação dos nossos produtos por estarmos recebendo chuvas de veneno provocadas por aviões e máquinas agrícolas”, relatou a dirigente nacional da entidade Antonia Ivoneide de Melo Silva.

Já o líder indígena Jânio Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, lembrou que a questão do uso de veneno pelo agronegócio causa doenças, atinge escolas indígenas, aldeias em geral e provoca também morticínio de lideranças que resistem a ações de empresas com atuação predatória. Ele também ressaltou que o veneno contamina rios e ajuda na devastação das florestas. “A natureza está pedindo socorro, e sem ela a gente não é nada”.

Relator

Em uma rápida declaração, o relator Baskut Tuncak pediu aos integrantes da sociedade civil, especialistas e parlamentares que seguissem em clima de resistência. “É grave e tremendamente corajoso o que estão fazendo, principalmente os que já receberam ameaças de morte”.

Ao mencionar a problemática dos agrotóxicos, o emissário lembrou que tais produtos são tóxicos e causam diferentes danos. “Uma das verdades que virão à tona é o estrago econômico que tem sido causado pela intoxicação do planeta. As pessoas estão ficando doentes, infelizes, improdutivas. (…) E também há um mito de que a desregulamentação é boa para os negócios, mas isso não é bom porque promove modelos obsoletos e insustentáveis, faz as sociedades recuarem em vez de avançarem com métodos de produção mais avançado”, argumentou.

Este foi o primeiro compromisso público do relator no país, que deverá ter destaque num relatório a ser apresentado por ele em 2020 na sede da ONU em Genebra, na Suíça.


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