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18 de setembro de 2019
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18:37

Sindicatos defendem que decisão do STF não autoriza Marchezan a terceirizar serviços do Imesf

Por
Luís Gomes
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Prefeito Marchezan durante a apresentação do plano para terceirizar os serviços de atenção básica municipal | Foto: Joel Vargas/PMPA

Luís Eduardo Gomes

Na manhã de terça-feira (17), o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) apresentou plano para a terceirizar os serviços de atenção básica de saúde como resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 12 de setembro, que considerou o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) ilegal. Para o STF, o instituto criado em 2011 não é constitucional por se tratar de uma fundação pública de direito privado.

Como consequência, a Prefeitura informou que deverá demitir todos os 1.840 funcionários do Imesf e dar baixa no CNPJ do instituto. “A decisão do STF deve ser publicada e a prefeitura notificada na próxima semana. No mundo jurídico, com essa decisão do STF é como se o Imesf não existisse. Os 1.840 profissionais precisam ser demitidos pelo ordenamento jurídico”, disse a Secretaria Municipal de Saúde, em nota.

Trabalhadores que atuam na atenção primária de saúde de Porto Alegre reagiram imediatamente, organizando manifestações durante a tarde de terça-feira diante da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Nesta quinta-feira (19), a partir das 16h30, será realizada uma assembleia dos sindicatos de trabalhadores da Saúde na Igreja Pompéia, no Centro de Porto Alegre. Presidente do Sindisaúde, Júlio César Jesien destaca que a assembleia desta quinta — com participação também do Sindicato dos Enfermeiros do Estado do RS (Sergs), Sindicato dos Odontologistas do Estado do Rio Grande do Sul (Soergs) e do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde (Sindacs) — terá um caráter informativo e explicativo sobre a situação dos trabalhadores do Imesf.

Jesien diz que os departamentos jurídicos das entidades ainda avaliam quais medidas jurídicas tomar, mas a orientação atual é para que os funcionários não assinem o aviso prévio. Ele diz ainda que poderá ser convocada uma nova assembleia para a próxima semana e aí será deliberada a possibilidade de greve das categorias.

Na manhã desta quarta (18), as entidades se reuniram com lideranças partidárias da Câmara, que garantiram que, na próxima segunda-feira (23), o tema será debatido em reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Casa. “A gente vê isso como uma atitude arbitrária e oportunista do prefeito. Não está publicado o acórdão, não se sabe se terá possibilidade de recurso ou não, então tem várias possibilidades ainda. Por conta disso, a gente entende que é arbitrário porque não tinha necessidade. O que ele fez foi terrorismo com os trabalhadores e com a sociedade”, disse, acrescentando que a avaliação das entidades é de que o prefeito aproveitou a medida para colocar em prática a ideia que o governo já tinha de ampliar a terceirização na saúde.

“Desde o princípio da gestão, a intenção dele é terceirizar a atenção primária. Com muita sorte, ele conseguiu agora”, diz Jesien.

Trabalhadores da saúde protestaram na terça-feira contra a decisão do prefeito | Foto: Divulgação

Ampliação da terceirização

A ideia do governo Marchezan é que o processo de desligamento dure entre 30 e 60 dias, até que a Prefeitura consiga contratar, em caráter emergencial, uma organização social para admitir os funcionários para as atuais 77 unidades de saúde que eram geridas pelo Imesf. “Não há nenhum motivo para preocupação. Eles recebem em dia e devem se manter nas funções entre os 30 e 60 dias necessários para contratar serviços emergenciais”, disse o prefeito Marchezan na terça-feira.

Posteriormente, em 2020, será lançado um chamamento público para a contratualização da gestão e da operação das unidades da atenção primária e de equipes de Saúde da Família com equipes de Saúde Bucal. Com isso, a Prefeitura também pretende oferecer novas Clínicas da Família e quatro novas unidades de saúde com atendimento até as 22 horas. “Daqui a alguns meses, os usuários do SUS contarão com serviços de muito mais qualidade do que se tem hoje. As melhorias que fizemos na saúde nos dão credibilidade para transformar este limão em uma limonada”, disse o prefeito.

A ação que resultou na decisão do STF foi ajuizada em 2011 por entidades que representam os trabalhadores em saúde municipal. Diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Alberto Terres afirma que os sindicatos ainda estão aguardando o acórdão da decisão do STF para decidir quais medidas jurídicas podem ser tomadas. No entanto, ele destaca que, quando as entidades entraram com a ação, o intuito era cobrar do governo municipal a realização de concursos e a contratação de servidores estatutários. Portanto, a avaliação dele é de que a decisão do governo Marchezan de substituir os trabalhadores do Imesf por terceirizados também iria contra a determinação judicial. “A decisão não autoriza o prefeito a terceirizar a atenção básica, porque ela não revogou a Lei do SUS, que prevê que a terceirização deve ser apenas complementar”, diz.

Terres argumenta ainda que, apesar de a Prefeitura tentar agora responsabilizar as entidades pelo fim do Imesf e pelo risco de a população ficar desassistida, os sindicatos já vêm há oito anos alertando sobre o problema da inconstitucionalidade e cobrando uma alternativa tanto do Executivo como do Legislativo. “Os responsáveis são os vereadores que votaram na época, o prefeito José Fortunati e o então secretário da Saúde Carlos Casartelli que apostaram em uma fundação ilegal”, diz Terres.

O sindicalista destaca que, no governo de José Fogaça, a Prefeitura decidiu terceirizar a atenção primária que antes era feita por servidores municipais. Na época, foi contratado o Instituto Sollus, que foi alvo de denúncia de desvio de R$ 9 milhões, teve o contrato rompido em 2010 e foi obrigada a ressarcir os cofres públicos.

Na esteira do caso Sollus, a Prefeitura decidiu criar o Imesf para resolver o problema da falta de profissionais de atenção básica. “Nós vimos que isso não ocorreu, porque até hoje temos o problema de falta de médicos”, diz Terres. O instituto é uma fundação de direito privado, que fazia a contratação de profissionais via CLT. “Se fosse fundação pública de direito público, os trabalhadores seriam considerados servidores e o Imesf não seria considerado inconstitucional”, diz Terres.

Em nota divulgada nesta quarta, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) diz que, a partir do histórico de irregularidades na terceirização da saúde em Porto Alegre e em outras cidades do Rio Grande do Sul, há risco de desassistência em comunidades mais vulneráveis e de precarização dos serviços. “Somente através da gestão direta é possível garantir a continuidade das políticas públicas. Não é aceitável que se repitam velhas práticas e com os mesmos equívocos maquiados de novidade ou modernidade. O tempo tem demonstrado que os remendos sempre falham”, defende o CMS.

Júlio Jesien também aponta para o fato de que há uma série de experiências ruins de terceirização na saúde no Rio Grande do Sul. “A nossa preocupação com a terceirização é enorme por conta do que a gente vem assistindo nas organizações sociais que vêm tentando fazer gestão na saúde. Por exemplo, a gente tem o grupo Gamp, em Canoas, que foi denunciado pelo Ministério Público pela suspeito de desviar 40 milhões. Temos também um histórico de quebra de hospitais e exploração de trabalhadores. De todas as experiências de terceirização aqui no Estado, nenhuma delas é exitosa. Nessa lógica, o que o governo quer?” questiona.

O Conselho Municipal de Saúde destaca ainda que, apesar das cobranças do órgão, a Prefeitura não tinha apresentado ainda uma política de atenção básica. “Agora, diante de mais uma crise, o que temos é mais do mesmo, demissões dos trabalhadores com promessas que sequer foram apresentadas ao CMS, como prevê a legislação do SUS. E, também, como confirmado em decisão em sentença judicial proferida pelo TRF4 que determinou à prefeitura de Porto Alegre que inclua o CMS nas deliberações do município sobre novos contratos, convênios e projetos que possa vir a ajustar no âmbito do SUS. Esta sentença não é cumprida pelo secretário de saúde e pelo prefeito, tampouco são responsabilizados por não cumprir, pois não há interesse em ouvir a sociedade mesmo contrariando a constituição brasileira e a lei orgânica do município”, diz a nota.


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