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13 de setembro de 2019
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12:38

Luciana Genro defende primárias para frente de esquerda e lança Fernanda Melchionna

Por
Luís Gomes
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Em entrevista ao Sul21, Luciana Genro avalia o cenário eleitoral para 2020 em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) recebeu no final da tarde da última quarta-feira (11) a reportagem do Sul21 em seu gabinete na Assembleia Legislativa para uma entrevista. Em pauta, o que ela pensa sobre o cenário eleitoral para 2020.

Durante aproximadamente 30 minutos, Luciana fez uma avaliação de que a figura do presidente Jair Bolsonaro (PSL) estará presente como pano de fundo no pleito municipal, mesmo que o partido dele não esteja envolvido hoje com a oposição ou a situação em Porto Alegre. Luciana reconheceu que, no passado, o PSOL não estava aberto a eventuais alianças com outros partidos, especialmente com o PT, mas destacou que o cenário atual é outro e exige uma nova postura.

Para a deputada, uma frente de partidos de esquerda seria a melhor opção para chegar ao segundo turno nas eleições de Porto Alegre. Mas como se estabeleceria essa frente? Luciana defendeu a realização de primárias — ainda sem formato definido — entre os candidatos dos partidos que desejarem compor essa aliança e disse que ninguém com quem conversou até agora rejeitou a ideia. Segundo ela, em conversa recente entre as duas, Manuela D’Ávila, possível candidata do PCdoB à Prefeitura, não descartou a ideia.

Luciana, que concorreu ao cargo em 2008 e 2016, também destacou que, no momento, o PSOL está inclinado a lançar a candidatura da deputada federal Fernanda Melchionna para a disputa.

A seguir, confira a íntegra da entrevista.

Sul21 – É o momento de uma frente de esquerda nas eleições de Porto Alegre?

Luciana Genro: Eu acho que sim, porque a gente vive um momento novo da política nacional. Um momento em que aquele pacto da nova república se esfacelou e existe uma forma reacionária que tentar se impor para estabilizar o País de forma reacionária. O Bolsonaro é um protofascista que tem uma base social significativa que concorda com as ideias dele. As pesquisas mostram de 20 a 30%. Ao mesmo tempo, com o seu discurso antipovo, antimulheres, antilgbts, anti-direitos humanos, antieducação, antiecológico, ele também está estreitando essa base que votou nele no segundo turno. Grande parte votou nele porque queria derrotar o PT, não porque queria um presidente fascista no poder. Isso significa que a gente tem condições de derrotar o Bolsonaro.

A gente tem condições de criar uma unidade social, tanto em nível de luta concreta, como são as lutas que estão se desenvolvendo contra os cortes na educação e acho que esse segmento é a grande vanguarda desse processo de resistência, como também de unidade eleitoral para fazer das eleições municipais também um plebiscito anti-Bolsonaro. Onde a gente possa, a partir de uma discussão programática, fazer um governo de resistência à política nacional, tanto ao neoliberalismo, quanto ao autoritarismo, porque o Bolsonaro representa as duas coisas unidas. Até porque, para implementar hoje o programa neoliberal a fundo, atacando ainda mais os direitos do povo, é preciso um certo grau de autoritarismo. Ao mesmo tempo, em nível de município, a gente precisa de um governo que seja uma expressão de resistência a essa processo nacional e, ao mesmo tempo, possa fazer avançar também políticas pública para melhorar a vida das pessoas concretamente.

Luciana Genro defende a realização de primárias para definir chapa unificada de partidos de esquerda | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Não existe o risco de que essa eleição se torne em uma espécie de plebiscito sobre o Bolsonaro e acabe passando por cima de discussões importantes sobre problemas reais de Porto Alegre?

Luciana: A questão plebiscitária contra o Bolsonaro é o pano de fundo do processo da eleição municipal, mas a gente também tem que ter respostas concretas para os problemas do povo. Se a gente ficar só num discurso genérico contra o Bolsonaro, isso não vai nos levar a lugar nenhum. A importância de ter esse conceito de que é uma eleição plebiscitária é porque ele nos remete a essa necessidade de compor uma frente que amplie em relação ao que, tradicionalmente, nós do PSOL sempre fizemos. O PSOL é muito exigente nas suas alianças. Nós nunca fizemos alianças com o PT enquanto o PT estava governando o Brasil porque, naquele momento, o nosso eixo central era fazer uma oposição de esquerda ao governo do PT. Nós acreditávamos que era preciso superar o PT pela esquerda. Mas, infelizmente, por uma série de fatores, quem acabou por superar o PT foi uma alternativa pela direita. Isso significa que, agora, a gente precisa reunir forças para enfrentar esse retrocesso que o Bolsonaro significa. E, no nível das cidades, fazer propostas concretas que possam dialogar com esses problemas que o povo enfrenta.

Aqui em Porto Alegre, a gente tem desde a situação da buraqueira das ruas, até a situação do desmonte da assistência social, a corrupção. Está aí a CPI, que o Robaina conseguiu com muito esforço, também numa estratégia de aproveitar essas brechas que existem na burguesia, que se dividiu na discussão da CPI e a gente conseguiu aproveitar essa divisão para fazer um movimento que vai trazer maior transparência sobre o que o governo vem fazendo. Então, a gente tem que dialogar sobre esses problemas concretos.

Sul21 – Tu já consegue identificar até onde é possível essa frente? Vai do PSOL, do PCB, PCdoB, PT, até onde? Inclui PDT, PSB e alguns segmentos de outros partidos?

Luciana: Acho que tem dois movimentos políticos que são diferentes. Eu sou a favor de compor inclusive com o Rodrigo Mais (DEM) em torno de bandeiras concretas. Não para governar. Eu jamais vou governar junto com o Rodrigo Maia, mas eu aceito uma frente junto com ele, junto com setores do PSDB, para enfrentar a censura que o Bolsonaro quer impor à arte, para enfrentar os cortes na educação, para enfrentar a misoginia, para enfrentar retrocessos do ponto de vista dos direitos LGBT. Essa é uma frente que eu chamaria de unidade de ação, pontual. Outra coisa é uma frente eleitoral, que a gente precisa ter convergências maiores para governar juntos. Então, essa unidade eleitoral precisa compor dois elementos, que são os elementos anti-Bolsonaro e antineoliberal. E aí o Rodrigo Maia e outros setores que ele representa não são aliados, porque que eles querem aplicar o plano neoliberal. O Rodrigo Maia busca outro caminho para garantir a estabilidade do País e aplicar o modelo neoliberal, aplicar as políticas contra o povo. Então, não há frente eleitoral aí. Mas, com setores que querem enfrentar o neoliberalismo e enfrentar o Bolsonaro, sim. Por isso, essa amplitude pode chegar até o PDT, sim, se ele estiver disposto, ao PSB, se ele estiver disposto. Mas, é preciso ter esse patamar básico de acordo. A partir daí, o PSOL lançou uma proposta que é de primárias.

Sul21 – Como pode se configurar essa frente? Todos partidos têm interesses e, para formar uma frente, vão precisar abrir mão de algumas coisas. Como tu vislumbra que é possível alcançar um acordo?

Luciana: Por essa razão é que a gente propôs a ideia das primárias, que seria uma fórmula democrática para definir uma chapa. Essa primária teria o papel não só de definir a chapa, mas também de fomentar uma discussão programática de baixo para cima, envolvendo a militância dos partidos, envolvendo até pessoas que não são filiadas aos partidos. Se a gente for ver, tem diversos modelos de primárias que a gente poderia escolher ou criar um modelo próprio, envolvendo só filiados ou pessoas que não são filiadas, votando pela internet, fazendo assembleias. Enfim, tem várias maneiras de realizar essas primárias. Mas, a proposta que a gente fez é, em primeiro lugar, esse método democrático de decisão, tanto do programa, como de quem encabeça a chapa e de quem é vice. Porque, se a gente for pensar numa composição apenas dialogada, que também é uma possibilidade, fica muito mais difícil. O PSOL, por exemplo, não tem a menor condição de aceitar uma composição dialogada que seja encabeçada pelo PT e pelo PCdoB de prefeito e vice, porque o PSOL representa outra vertente política que não estaria representada aí nessa chapa. Agora, se for num processo de primárias amplo e democrático, sim. Aí quem entra nas primárias tem que se dispor a ir até o fim. Ganhando, perdendo, estando na cabeça, estando na vice, vai ter que ir respeitar a decisão das primárias.

Para Luciana, Porto Alegre precisa voltar a ter a experiência da democracia direta | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Nos EUA, País que tem o sistema mais famoso de primárias, elas são feitas internamente nos partidos, com pessoas registradas. Imagina-se que existam muito mais militantes de esquerda do que de filiados nos partidos. Como se abarcaria essas pessoas que teriam interesse em ajudar em uma decisão dessas?

Luciana: Isso tudo teria que ser conversado entre as forças políticas que aceitassem participar das primárias. Mas, eu não vejo que tu teria problemas, porque tu poderia estabelecer um prazo para inscrição para participar da primária mesmo para pessoas que não sejam filiadas.

Sul21 – Isso não poderia abrir espaço para pessoas infiltradas ou pessoas de direita?

Luciana: É o método mais democrático. Se uma pessoa de direita vai vir se inscrever para participar de uma prévia de um partido de esquerda, bem, ela vai estar tentando cometer uma fraude, mas é um risco que se corre no processo democrático. Eu insisto em dizer que, para esse modelo de primárias, o PSOL não tem uma proposta fechada. A gente lançou a proposta do método, tivemos uma repercussão positiva vinda do PT.

Sul21 – A partir do que tu tem conversado com os parlamentares e lideranças dos partidos, é possível que os outros partidos aceitem esse método?

Luciana: Ninguém me disse que é contra. Ninguém até agora disse que é contra, inclusive a Manuela, quando eu conversei com ela, disse que não é contrária a primárias. Então, é uma questão dos partidos sentarem e efetivarem essa possibilidade. No PSOL, a gente está se inclinando, inclusive, a apresentar o nome da Fernanda para disputar as primárias, que seria a expressão de uma novidade na política municipal, como uma deputada federal que foi uma das mais votadas aqui na cidade. Então, nos inclinamos pelo nome dela. Eu também estou à disposição, mas a gente está entendendo que o nome dela pode significar essa novidade que o eleitorado está buscando. Vamos continuar fazendo essas conversas e tentando construir esse processo democrático de decisão para garantir essa unidade.

Eu acredito que enfrentar o Marchezan e enfrentar o Bolsonaro de forma unificada é a nossa maior chance de fazer com que Porto Alegre volte a ter um protagonismo nacional nos debates sobre o futuro da esquerda brasileira. Para nós do PSOL, é fundamental essa discussão, porque nós estamos em um momento crucial para esquerda, em que, depois de 16 anos de um determinado segmento da esquerda governando, esse segmento foi derrotado na sua estratégia. A gente precisa construir uma nova estratégia. O PSOL quer ter protagonismo nesse processo e é preciso que esse protagonismo se desenvolva a partir de uma discussão que parte da necessidade da unidade para enfrentar o Bolsonaro e, no caso de Porto Alegre, o Marchezan, mas também de ter o nosso perfil próprio e de reafirmar a posição que nós conquistamos ao longo desses últimos anos, em que o PSOL apresentou outro caminho para a esquerda brasileira que não foi esse que o PT encabeçou.

Sul21 – Tu acha que a esquerda tem mais chances se estiver unida do que se estiver dispersa?

Luciana: Vai ser mais difícil. A gente pode até unir no segundo turno, mas a questão é chegar lá no segundo turno.

Sul21 – Na última eleição municipal, foram ao segundo turno dois candidatos de direita. O Sebastião Melo (MDB) mais ao centro do que o Marchezan, mas os dois uniam partidos que tinham governado juntos nos doze anos anteriores. Agora, temos colocadas, provavelmente, uma nova candidatura do Melo, do Marchezan ou de alguém representando o governo e tem essa perspectiva de ter alguém à direita deles, do PSL ou do Novo. O que tu espera da direita na próxima eleição?

Luciana: Eu acho que a direita vai vir bem fragmentada. Vem esse setor mais de centro, que é representado pelo Melo. Eu acredito que o Marchezan vai ser candidato e o discurso, para mim, está confirmando essa tese. É possível que tenha mais duas ou três candidaturas que orbitem esse arco do centro para a direita. Mas eu acho que, depois de todos esses anos em que a esquerda deixou de governar Porto Alegre, há uma experiência de que a falta de participação popular, que foi talvez a marca mais positiva dos governos do PT, leva a uma degradação concreta da cidade. Então, eu tenho a impressão que os ecos de junho de 2013 nos revelam que há uma vontade de participação, há uma vontade de que o povo tenha mais voz ativa, mais protagonismo nas decisões da cidade.

Se nós soubermos apresentar um programa que seja um programa de democracia radical, talvez a gente consiga capitalizar essa insatisfação que existe com a política tradicional, porque esse é o grande desafio que nós temos. O Bolsonaro se criou porque ele capitalizou a insatisfação com o status quo, que era o PT. E, agora, a gente precisa, renovando e reinventando essa esquerda, capitalizar pela esquerda a insatisfação com o status quo, porque o Bolsonaro e o Marchezan são a expressão máxima do status quo.

A deputada estadual defende que é possível capitalizar pela esquerda a insatisfação da população | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Esse status quo em Porto Alegre é basicamente o mesmo grupo há muitos anos, porque quem governa ao lado do Marchezan é quem governou ao lado de Fogaça e Fortunati.

Luciana: Exatamente.

Sul21 – Existe uma insatisfação que se percebe na cidade e as poucas pesquisas de avaliação do Marchezan foram negativas para ele. Como capitalizar essa insatisfação ou disputar ela com essa ala bolsonarista que vai vir por aí também tentando se vender como algo diferente do que está na Prefeitura, mesmo, por exemplo, eles sendo aliados no governo do Estado sem grandes discordâncias? Como disputar essa insatisfação popular?

Luciana: Existe um mal-estar em toda a população de Porto Alegre em relação à situação da cidade e existe uma indignação com a política de um modo geral. Então, eu acredito que a única forma de capitalizar essa indignação é mostrar que nós temos a possibilidade de construir o novo em Porto Alegre. Uma composição de forças que envolva os partidos de esquerda, de oposição ao Marchezan, de oposição ao Bolsonaro e de oposição ao neoliberalismo seria uma novidade muito positiva na política da cidade.

Sul21 – Seria importante também simbolicamente?

Luciana: Com certeza, simbolicamente seria importante e, ao mesmo tempo, com um programa que também se demonstre inovador. Para isso, é preciso que esse programa seja construído de baixo para cima, que haja uma participação efetiva da população na construção desse programa e que ele esteja ancorado nessa ideia de participação direta da população nas decisões da cidade. Um governo que se comprometa com a realização de plebiscitos permanentes para tomar as grandes decisões da cidade, que se comprometa em criar fóruns democráticos, efetivamente, para valorizar a participação das pessoas, que se comprometa em acabar com o toma lá, dá cá, da política tradicional, em que os partidos fazem grandes acordos na nomeação de secretariados e de cargos de confiança. Que haja uma redução real no número de cargos de confiança e que os secretários sejam, de fato, pessoas vinculadas aos segmentos em que eles vão estar atuando e não sejam que caiam de paraquedas na saúde, na educação ou na Carris. Que de fato haja um processo novo de construção dessa política municipal, onde o povo seja protagonista.

Sul21 – E tu acha que o povo está aberto a isso? Uma coisa é dizer que é preciso voltar para as bases, mas ninguém perguntou para as bases se elas estão dispostas a ouvir.

Luciana: Eu acho que tem muita gente que está desencantada e não tá mais querendo ouvir falar de política. Mas, ao mesmo tempo, eu vejo que tem um processo muito vivo de participação das mulheres, também de LGBTs. As marchas do orgulho LGBT têm sido marchas muito vivas e muito politizadas. Tem um movimento de defesa do meio ambiente que também está tomando corpo. E um movimento de defesa da educação que também está tomando corpo. Em todos esses movimentos, a juventude é o setor mais dinâmico. Então, eu acho que, apostando na juventude e na capacidade dela de liderar esse processo de mobilização, a gente também vai entusiasmar os outros setores do povo que estão mais desencantadas e desesperançados de que é possível sim renovar a política e fazer tudo de um jeito diferente.


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