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25 de agosto de 2019
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17:56

Ingerências políticas e manobras ameaçam atuação do Coaf, que virou UIF

Por
Luís Gomes
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Unidade de Inteligência Financeira, que substitui o Coaf, foi integrada à estrutura do Banco Central | Foto: Divulgação

Eduardo Maretti
Da RBA

A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o comando do Banco Central tem causado polêmica. A mudança de endereço não foi a única. O órgão tem agora outro nome: Unidade de Inteligência Financeira (UIF). A UIF será composta por conselheiros indicados pelo presidente do Banco Central, que hoje é Roberto Campos Neto.

Além disso, o novo Coaf será integrado por um conselho deliberativo, formado por “cidadãos brasileiros com reputação ilibada e reconhecidos conhecimentos”. Esses cidadãos serão responsáveis “por produzir e gerir informações de inteligência financeira para a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro”, entre outras atribuições, segundo o texto da Medida Provisória 893, que criou o órgão.

O Coaf tem sido objeto de intensa disputa política desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Até 2018, o órgão fazia parte da estrutura do Ministério da Fazenda. Com a reforma administrativa do novo governo, foi transferido para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, dando mais poder ao ministro da pasta, Sergio Moro, então em alta.

Porém, o Congresso Nacional devolveu o Coaf à estrutura do Ministério da Economia, que substituiu a pasta da Fazenda. A nova medida é considerada tecnicamente acertada pelo deputado federal Enio Verri (PT-PE). “Tirar da Justiça e manter na Economia, como deliberamos na Câmara e no Senado, foi importante, porque o lugar do órgão é na economia”, diz. Para ele, a transferência para o Banco Central também é um “avanço”, por dar credibilidade maior ao órgão.

Mas o aspecto da mudança que seria tecnicamente positivo fica nublado pela brecha aberta com a possibilidade de nomeações de quaisquer “cidadãos brasileiros com reputação ilibada” para compor o conselho. “O que surpreende, e é um equívoco político, é permitir que participem da UIF pessoas que não sejam da carreira. O Ministério da Economia e o Banco Central têm quadros competentes para cumprir esse papel”, questiona Verri.

Do ponto de vista legal, os servidores têm de responder à lei 8112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos federais e prevê penalidades que eles podem sofrer pelo mau uso de suas funções. Já os membros do conselho da UIF indicados pelo presidente do BC não poderão ser alcançados por essa legislação. O Coaf era formado somente por servidores públicos.

O presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Banco Central (Sinal), Paulo Lino Gonçalves, manifesta preocupação com o fato de se autorizar que o conselho da UIF seja composto por pessoas alheias à carreira pública. “A gente não sabe quais são essas indicações para saber que ripo de ingerência se pode ter”, diz Gonçalves.

O fato de a MP autorizar a nomeação membros de fora dos quadros técnicos do serviço público pode produzir situações inconvenientes. Por exemplo, um desses cidadãos de “reputação ilibada” pode, eventualmente, vir a ser responsável por analisar dados de uma empresa concorrente da organização à qual ele mesmo pertenceu ou pertence.

“Cada uma das pessoas que vêm da sociedade tem sua vida profissional, e ela traz esta vida profissional para dentro da instituição. Já o servidor público tem a missão de trabalhar pelo Estado”, aponta o sindicalista. “Não digo que essas pessoas vão aceitar ingerências, mas ficam expostas. Quem vem de fora, da sociedade, não tem o preparo para lidar com dados sigilosos.”

Outro ponto que preocupa os servidores do BC é o fato de que, uma vez que a UIF está incorporada ao BC, eventuais insucessos do órgão vão “respingar” na reputação do BC, “que é uma instituição incontestável”, na avaliação de Gonçalves.

“Manobras”

Para o economista Amir Khair, secretário de Finanças da gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo (1989-1992), a mudança no Coaf “é mais uma manobra para substituir a pessoa indicada pelo (Sergio) Moro”.

Na terça-feira (20), o presidente do Banco Central nomeou o servidor aposentado do BC Ricardo Liáo para comandar a UIF. Liáo era diretor de Supervisão do Coaf. O órgão era chefiado pelo servidor da Receita Federal Roberto Leonel, indicado para o cargo pelo ministro da Justiça.

“Estão também tentando proteger o filho do presidente, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Porque existia uma ameaça do Coaf ao Flávio. E se chegarem a ele, chegam a toda a família, inclusive ao presidente”, acredita o ex-secretário paulistano.

O Coaf elaborou relatórios sobre movimentações financeiras “atípicas” de Fabrício Queiroz, motorista de Flavio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, na época em que o atual senador era deputado estadual.

Em julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu os inquéritos envolvendo Flávio. A suspensão atendeu a pedido do próprio parlamentar do PSL do Rio de Janeiro.


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