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7 de julho de 2019
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13:27

‘O partido da Lava Jato levou à eleição de youtubers’, diz Margarida Salomão

Por
Luís Gomes
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Margarida Salomão fala sobre os bastidores do Congresso | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luís Eduardo Gomes 

A Comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a reforma da Previdência aprovou nesta quinta-feira (4) o texto-base da PEC 6 com uma margem de 36 votos a 13. A folga, no entanto, não deve se repetir quando a reforma for votada em plenário. Esta é a opinião da deputada federal Margarida Salomão (PT-MG). “Isso não significa que essa mesma facilidade vai se encontrar em plenário, porque os deputados que estão na Comissão Especial, de todos os lados, são uma espécie de tropa de elite”, afirma a deputada.

Em entrevista concedida ao Sul21 na última quinta-feira (5), Margarida fala do ambiente e dos bastidores do Congresso Nacional nesses seis primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro. Uma das coordenadoras da Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais e ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a deputada fala especialmente sobre a relação dos cortes promovidas pelo Ministério da Educação nos orçamentos das instituições federais. Ela destaca que há um amplo apoio às universidades no parlamento, mesmo entre setores da direita, e dispara contra o ministro Abraham Weintraub.

“Nada se compara com o Weintraub. O Paulo Renato era um homem culto, tinha sido reitor da Unicamp, era outra coisa. Weintraub é uma pessoa muito pouco preparada intelectualmente e, definitivamente, que não tem nem formação, nem interesse pelo tema da educação. Então, é lastimável que ele esteja nessa posição”, diz.

Confira seguir a entrevista com Margarida Salomão.

Sul21 – A reforma da Previdência foi aprovada na Comissão Especial por 36 votos a 13. Muito se falou nos últimos meses que o governo não teria os votos para aprovar a reforma e que mesmo o PSL tinha restrições ao texto. Como a senhora vê hoje as condições do governo para aprová-la. Com as mudanças, como a retirada da capitalização, alterou o cenário?

Margarida Salomão: Eu não tenho dúvida nenhuma que as mudanças propostas pelo relator, tirar a capitalização, ter desmanchado aqueles crueldades máximas com os mais pobres no BPC  — que são regras duras, mas de algum modo continuam mantendo a idade do acesso ao BPC –, e também a questão dos rurais,  certamente são elementos que facilitaram a votação. Isso não significa que essa mesma facilidade vai se encontrar em plenário, porque os deputados que estão na Comissão Especial, de todos os lados, são uma espécie de tropa de elite.

Sul21: Mais afeitos a aprovar…

Margarida Salomão: Exatamente. Aprovam de qualquer forma e tal. Vai ter problema no PSL por causa dos policiais, dos bombeiros. Ontem [na quinta-feira, 4] mesmo, eles estavam em estado de efervescência lá na Câmara. Agora na comissão, conseguiram levar e esse placar era, mais ou menos, uma morte anunciada. Estão votando agora o destaque dos professores [a entrevista foi feita enquanto ainda ocorria a sessão da Comissão Especial]. Também acho que isso pode cair no plenário. Mas, de todo o modo, o mal está feito, porque essa reforma é extremamente danosa. Você pode talvez reduzir danos.

No caso da educação, mantidas essas condições de aposentadoria e já sabendo que a remuneração e a carreira, as condições de trabalho do Magistério no Brasil, eu pergunto, quem vai querer ser professor? Então, é uma coisa absolutamente contraditória, porque há esse discurso de que educação fundamental é prioritária, é condição para o desenvolvimento nacional. E é, quem há discordar disso? Mas, em termos de políticas objetivas, o que se está fazendo é atacar diretamente o Magistério. Estou falando dessa categoria porque ela tem uma enorme capacidade de mobilização. No Brasil, são 2,3 milhões de professores e professoras de educação básica, quase todas professoras. Mas as condições de acesso à aposentadoria, a exigência dos 20 anos de contribuição, eu olho para você, um rapaz jovem, e digo que você não vai se aposentar. É triste eu dizer isso, mas vocês não vão se aposentar.

A deputada considera que a reforma da Previdência é mais um desestímulo para a carreira dos professores  | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – Nessa questão do impacto no Magistério. O governo federal tem uma promessa de que vai tirar recursos das universidades para investir na educação básica. Como a senhora vê essa fala do governo?

Margarida Salomão: Isso mostra apenas que eles são doentiamente mentirosos. Não são capazes de falar a verdade uma vez. Atacar as universidades é uma estupidez, sem sombra de dúvida, por todas as razões. Mas, enfim, já fazia-se esse ataque à universidade, isso vem desde a época do Temer e de muitas outras vozes conservadoras no Brasil que estabelecem essa dicotomia, dizem que aqui tem uma jabuticaba, que os custos são muito elevados, que as pessoas não pagam a educação superior pública.

Não existe nada mais eficaz como política de destruição da educação fundamental do que essa mudança brutal nas condições do trabalho. Por duas razões. Uma, como estou dizendo, para que você tenha uma boa educação, você tem que ter alguma condição de atrair os melhores. Em vários países do mundo em que você tem um desempenho nos testes internacionais considerados como parâmetro, como Pisa — não acho que é por aí que se faz a avaliação, mas é o que se usa em todo mundo–, recrutam-se os melhores. Os melhores alunos se tornam professores. Aqui é o contrário. Se você tem muito pouca chance de disputar uma carreira que vai ser no futuro mais compensadora, aí você procura o Magistério. Então, você já tem esse desestímulo desde logo porque a remuneração é baixa.

Mas tem outra condição, que é a condição do trabalho pedagógico. Vamos imaginar agora uma mulher de 55 anos numa turma de 30 crianças de 8 anos. O que vai acontecer? É uma desumanidade com elas e é uma covardia com as crianças, que precisam de quem as cuide, de quem se interesse por elas individualmente, de quem crie condições para que elas evoluam. E, certamente, a essa altura você não vai encontrar ninguém no Magistério que possa fazer isso. Então, você arrebenta com a educação brasileira com essa proposta. Eles não têm nenhuma proposta para a educação, têm uma proposta de destruição. Se mal está, muito pior ficará.

Sul21 – Deputada, a senhora é uma das coordenadoras da Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais, existe alguma margem no parlamento para que se possa fazer a disputa para reverter os cortes feitos nos orçamentos das instituições federais de ensino?

Margarida Salomão: Sim, por duas razões. Primeiro, hoje, a bandeira das universidades, curiosamente, é uma bandeira popular. Tanto que eu acho que as manifestações de massa mais vibrantes, mais impactantes que aconteceram esse ano foram aquelas que tiveram o direito à educação superior como bandeira.

Sul21 – Essas manifestações pesam junto aos deputados?

Margarida Salomão: Esse é um ponto. Claro que pesam. Mas há outra coisa que pesa mais. Os deputados têm clareza de que as universidades federais, os institutos federais, que hoje chegam a praticamente mil municípios brasileiros, são condições fundamentais para o desenvolvimento regional. Boa parte dos deputados e deputadas conservadores não são pessoas que vão ter votos em capitais e nas regiões metropolitanas, mas nas cidades pequenas. Nessas cidades, você cortar o campus avançado da universidade ou do instituto federal é arrebentar com a economia local. Você tem aí uma transferência de recursos que garante movimento no comércio, que garante algum dinamismo. Num momento como esse de depressão econômica que nós estamos mergulhados, eu acho que os deputados têm essa clareza. Tanto que a nossa frente de valorização praticamente congrega todo mundo, de A a Z, a não ser pequenos nichos de defensores do ensino superior privado. Não estou dizendo que essas pessoas foram convertidas à educação pública, o que estou dizendo é que elas têm uma visão pragmática do papel que a educação pública superior representa no potencial do desenvolvimento local.

Sul21 – Como a senhora vê o ministro Abraham Weintraub. Existe diálogo com ele?

Margarida Salomão: Olha, nós nunca fechamos as portas. Eu mesma recentemente estive lá para levar a ele as demandas das universidades junto com a Andifes, que é a associação nacional dos dirigentes. Agora, ele não só tem uma compreensão muito peculiar do que seja educação superior, do que seja educação, como é uma pessoa que não é da área. Ele é um contador. Isso que ele é. Uma pessoa da área da contabilidade que foi posta na área da educação. Ele não tem nenhuma reflexão sobre processo pedagógico, não tem reflexão sobre nada. Por outro lado, escolhe fazer uma performance excêntrica. Escolha, porque é um ponto fora da curva se você olhar quem foram os ministros da educação do passado recente, independentemente das diferenças de concepção. Eu fui reitora à época em que era ministro o Paulo Renato Souza [durante os governos de Fernando Henrique Cardoso], que tinha uma visão muito diferente da minha sobre educação, achava que as comunidades acadêmicas estavam dominadas pelas direções sindicais, achava que deveria haver um espaço grande para o mercado da educação superior. Tanto que, na verdade, a ‘abertura dos portos’ dá-se na sua gestão no ano de 2001. A partir daí, você tem uma facilitação para a criação de instituições particulares no Brasil. Agora, nada se compara com o Weintraub. O Paulo Renato era um homem culto, tinha sido reitor da Unicamp, era outra coisa. Weintraub é uma pessoa muito pouco preparada intelectualmente e, definitivamente, que não tem nem formação, nem interesse pelo tema da educação. Então, é lastimável que ele esteja nessa posição.

Na entrevista, Margarida ironiza as ‘performances’ do ministro Weintraub, quem ela considera como despreparado para o cargo | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sul21 – O que se pode esperar se tivermos mais três anos e meio de Weintraub?

Margarida Salomão: Vamos ter que esperar muita luta, muita luta para que não se desmanche aquilo que é uma das políticas mais positivas de transformação social no Brasil, que é a garantia do acesso das classes populares à educação superior. Todos nós sabemos que esse é um dos elementos mais relevantes do ponto de vista de mobilidade social e, eu diria a você, inclusive de percepção de direitos. Eu não tenho dúvida de que muitas das lutas que hoje se travam, lutas feministas, lutas antirracistas, hoje encontram nas universidades públicas uma militância muito ativa. Essas questões chegaram ao nível da consciência social, da consciência política. Acho que, inclusive, são mudanças irreversíveis.

Sul21 – Como se faz um debate no parlamento hoje, como se faz política, em um ambiente em que os próprios parlamentares são propagadores de fake news. Tivemos essa semana, por exemplo, o deputado José Medeiros (PODE-MT) entrando com uma representação para a Polícia Federal investigar a venda de mandato pelo ex-deputado Jean Wylly (PSOL-RJ).  Como se cria um ambiente de diálogo quando os próprios divulgadores de fake news são os parlamentares e o governo — o Weintraub também tem sido um grande propagador de fake news até agora?

Margarida Salomão: Eu acho que nós vivemos um processo de grave crise política. O partido da Lava Jato ensejou a eleição de pessoas que não são da política, que não são políticos. São youtubers, são performers, como o próprio Weintraub, que tem lá as suas aspirações como um Gene Kelly de Brasília, tem essa dimensão artística que vem sendo trabalhada. Mas, o que eu quero dizer é que a própria sociabilidade do Congresso acaba educando. Tanto que nós temos conseguido fazer uma oposição muito ativa, muito vocal no parlamento. Isso não quer dizer que projetos que sejam de interesse da elite econômica não acabem atropelando as pautas e, inclusive, as hostilidades que efetivamente existem entre uma grande parcela dos parlamentares e o governo. Essas hostilidades não foram vencidas. Eu estava vendo agora a foto de felicidade do Onyx Lorenzoni, mas isso demonstra um certo grau de dessintonia, de desagregação cognitiva dele, porque ele não tem nenhum papel naquilo. O articulador da reforma da Previdência chama-se Rodrigo Maia, que articula em nome de uma pauta econômico-financeira e esta posição absolutamente bem documentada. O primeiro projeto votado nessa legislatura foi uma derrota para o governo, quando nós votamos os decretos legislativos que anularam os cerceamentos que eles fizeram no Portal da Transparência. Esse foi o primeiro projeto que nós votamos. Qual foi o segundo? O projeto do cadastro positivo, que interessava ao sistema bancário.

Sul21 – Te parece que o Rodrigo Maia está atuando como uma espécie de primeiro-ministro, conduzindo por conta própria uma agenda de governo?

Margarida Salomão: É difícil você representar uma situação usando essas figuras. Ele não é o primeiro-ministro porque ele não é, por exemplo, o líder do gabinete. Ele é, na verdade, outro polo de poder. O que a gente hoje tem que dizer é que existe uma dissociação do poder. Você tem um poder político de representação, que é o Poder Executivo, o poder do Bolsonaro, que agrega ao seu redor valores muito conservadores e, evidentemente, esse polo de poder está subordinado à elite financeira do Brasil. Agora, de outro lado você tem a pauta do Rodrigo Maia, que é muito mais liberal em termos clássicos. Por exemplo, o Rodrigo Maia, na última legislatura, criou todas as dificuldades para votar o Escola Sem Partido. Então, é isso, não é uma paisagem plana, é uma paisagem com muitos acidentes. Eu acho que, para intervir nela, temos que entender a sua complexidade.

Sul21 – Para fechar, a senhora faz parta da executiva nacional do PT, que tem eleições em todas as suas esferas no segundo semestre. Qual a reflexão que o PT deve fazer nesse momento? Qual a reflexão que deve conduzir esse processo interno?

Margarida Salomão: A primeira coisa é que o PT é um partido em disputa. Também não é uma planície. É um partido em disputa que, nesse momento, tem que entender que está em uma encruzilhada. Uma coisa fundamental é assumir um norte. E esse norte é a estratégia socialista como fio programático. É necessário fazer uma disputa e que a esquerda do Brasil tenha uma representação compreensível, comunicável. Isso é muito importante. A outra coisa que é fundamental nesse momento é o PT rever a sua concepção de democracia, tanto de democracia na sociedade, como de democracia interna. Para que o PT responda ao desafio que ele está enfrentando, ele tem que se tornar um partido militante. Um partido militante é aquele em que o militante sabe que ele participa com efetividade. Sem isso, não há militância. E, sem militância, um partido com a responsabilidade que o PT tem de compor uma grande frente progressista pela democracia e pela esquerda, essa tarefa não tem jeito de ser realizada.


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