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2 de julho de 2019
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23:07

Assembleia do RS aprova privatização de CEEE, CRM e Sulgás; oposição fala em ‘cheque em branco’

Por
Luís Gomes
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Sem grande movimentação nas galerias, a Assembleia Legislativa aprovou a privatização das estatais CEEE, CRM e Sulgás | Foto: Luiza Castro

Luís Eduardo Gomes

Sob clima de jogo jogado, com a Praça da Matriz vazia e galerias mais silenciosas do que de costume para a votação de projetos relevantes, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou nesta terça-feira (2) projetos que autorizam o governo de Eduardo Leite (PSDB) a privatizar as estatais do setor energético: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás).

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Antes da votação, mesmo a oposição já contava como praticamente certa a aprovação dos três PLs. Afinal, em abril e maio, a base do governo já tinha conseguido aprovar, em dois turnos, a retirada da obrigatoriedade de realização de plebiscito para as privatizações. Em ambas as ocasiões, apenas os 13 deputados de oposição, entre os 55 da Casa, foram contrários.

A diretora do Sindicato dos Eletricitários do Rio Grande do Sul (Senergisul), Ana Maria Spadari, reconhecia a praticamente impossibilidade de que o quadro fosse revertido para uma posição contrária às privatizações. “Expectativa, nós não temos nenhuma, porque, desde que se elegeram esses deputados, esse perfil da Assembleia Legislativa, a gente sabe que o governador tem maioria absoluta e se elegeu com uma ideologia de estado mínimo. É triste para nós, mas não é surpresa”.

Luciana Genro esperava que as emendas pudessem ser apreciadas pelo plenário, o que não aconteceu | Foto: Luiza Castro/Sul21

Diante deste cenário, a oposição chegou a apresentar três emendas ao projeto. A primeira delas propondo que os recursos obtidos sejam destinados à reforma e construção de hospitais, escolas, presídios e ao aparelhamento dos órgãos da segurança pública. “Nós queremos discutir para onde vão aos recursos da privatização. Nós queremos que saúde, educação e segurança recebam investimentos. Estamos em uma situação de miséria nas escolas estaduais, nos hospitais públicos, nos postos de saúde e também na segurança pública. Então, já que é para privatizar, que esses recursos sejam investidos naquilo que realmente é de interesse do povo gaúcho”, disse a deputada Luciana Genro (PSOL).

A segunda garantindo a estabilidade aos atuais 3.764 servidores das empresas por pelo menos dois anos após a desestatização. A terceira determinando que as dívidas e potenciais passivos relativos às estatais fiquem sob responsabilidade das entidades que assumirem as empresas públicas. Além dessas, parlamentares da base também apresentaram uma série de emendas. “O projeto atual é um cheque em branco, não diz nada a respeito dos passivos e dos créditos que as empresas têm a receber”, afirmou Luciana.

A principal reclamação da oposição nesta terça era que o governo estava ignorando o papel da Assembleia Legislativa na elaboração da forma como as empresas serão privatizadas, a chamada modelagem, que será feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, uma vez pronta, não precisará passar pela Casa novamente.

Antes da votação, Spadari disse que não havia expectativas quanto a não aprovação do projeto | Foto: Luiza Castro/Sul21

Spadari destacou que espera uma “modelagem” justa que pense nas dívidas do Estado e não repita o que ocorreu no processo de privatização de dois terços da CEEE, durante o governo de Antônio Britto (1995-98), em que o Estado ficou responsável por dívidas e pelo passivo trabalhista depois da venda. Para ela, da forma como foi apresentado, o projeto de privatização da CEEE representa um “cheque em branco”. Também argumentou que se trata de um cheque em branco dado ao governador. “Nenhum deputado pode dizer o que vai acontecer com a venda das empresas, para onde vão esses recursos, a gente só conhece uma propaganda enganosa de que é preciso vender para termos saúde, educação e segurança. Isso todo cidadão quer, é uma obrigação do Estado, mas também é obrigação infra-estrutura, garantir serviços essenciais, e a energia está nesse contexto”, disse.

Juliana Brizola (PDT) classificou a postura do governador como de “déspota” por não envolver a Assembleia nas discussões a respeito do formato das privatizações. “É muito ruim para a democracia a falta de oportunidade que a gente tem aqui para debater o tema. Os projetos que aqui estão autorizando as privatizações não dizem nada, estão em branco. Os parlamentares que acham isso correto estão abrindo mão das suas responsabilidades. Quando a gente é eleito, é eleito justamente para questionar, arguir, debater, isso é aprofundar o debate. Por que não dar clareza a esse processo? Por quanto vai vender? Para quem? Quem vai ficar com o passivo? Por que fazer exatamente como o governo Britto se nós chegamos até aqui e vimos que não deu certo? Foi o contrário, estamos nesse estado de calamidade por essa forma antiquada de vender patrimônio público para pagar o custeio da máquina”, disse.

A pedetista argumentou que havia, mesmo entre a oposição, a expectativa de que o governador Eduardo Leite teria uma postura mais aberta ao diálogo, mas que, na prática, apresenta um posicionamento semelhante aos do governo federal e municipal de Porto Alegre. “É uma fase, mas nós vamos resistir e os anais da Assembleia vão deixar tudo registrado. Aqui nessa Casa foi aprovado, por unanimidade, inclusive com o voto do líder do governo, Frederico Antunes, a inclusão do plebiscito na Constituição. Talvez a gente viva isso de novo daqui a 10 anos, com as pessoas botando a mão na consciência e digam: ‘Bah, é verdade, fizemos um péssimo negócio para o RS, continuamos sem saúde, sem segurança, sem educação e com uma dívida estratosférica”.

A deputada Sofia Cavedon (PT) classificou o cenário em que a aprovação das privatizações ocorreu como uma “autocracia”, uma vez que nem a população, nem os parlamentares foram ouvidos para a formação da venda das ações. “O povo gaúcho vai opinar quando mesmo? Só vai pagar a conta”, disse. “É uma subtração total de democracia porque, se o povo gaúcho votou na continuidade do projeto, também votou na ideia vendida pelo Leite na campanha de mais diálogo, de construção por consensos, inclusive quase explicitando que faria o plebiscito”.

Sofia Cavedon fala argumentou que os projetos do Executivo são um “cheque em branco” | Foto: Luiza Castro/Sul21

Sofia destacou ainda que o Diário Oficial do Estado publicou nesta semana nomeações para mais de 70 cargos de confiança (CCs) com indicações que seriam feitas pela base do governo. “Ele constrói uma maioria e pede ao parlamento que abra mão de sua prerrogativa, quando o parlamento já fez o primeiro crime de retirar a prerrogativa do povo de decidir, e agora comete o segundo crime de submeter a representação plural da sociedade a uma única visão do governo e do governador”, disse.

Aprovação sem emendas 

Durante a votação do primeiro projeto, que tratou da autorização para a privatização da CEEE, o líder do governo na Casa, deputado Frederico Antunes (PP), apresentou um requerimento de preferência pedindo que o texto do projeto fosse apreciado antes das emendas. Com a aprovação do requerimento por 36 a 18, o governo conseguiu evitar que as emendas sequer fossem apreciadas em plenário.

Antunes justificou a apresentação do requerimento de preferência nos três projetos porque a posição do governo era pela aprovação do texto do Executivo. “Conversamos com os parlamentares demonstrando a eles que os passos que estão propostos em algumas emendas vão ser os passos seguintes”, disse.

Ele destacou, por exemplo, a respeito das discussões sobre o futuro dos trabalhadores das estatais, que os servidores só poderão ser demitidos uma vez concluída a venda das empresas, o que deve levar pelo menos um ano. “Já é um tempo a mais que terão de segurança das suas atividades. Depois de feita a venda das ações, o governo dará segurança de seis meses a esses funcionários e, além disso, esses funcionários são pessoas que têm currículo, têm condições e, se tiverem tempo de serviço ainda a prestar e competência, serão os primeiros a serem procurados por quem vai comprar as ações. São temas como esse que nós já estamos esclarecendo e não se fazem necessárias emendas no texto original”, defendeu.

Quanto à crítica de que a privatização seria um “cheque em branco”, Antunes afirmou que a oposição está fazendo o papel de criticar as ideias da situação, mas reconheceu que há deputados da base aliada com dúvidas quanto ao processo. “Essas dúvidas estão sendo dirimidas através do diálogo. E, diga-se de passagem, o governador tem sido incansável em buscar o diálogo com os deputados, independente de ser da base ou da oposição, e a liderança tem feito isso aqui na Assembleia também”.

Antunes utilizou o argumento de que o governo está fazendo o que se propôs a fazer nas eleições e que, portanto, isso já foi autorizado pelas urnas. “Quando o governador ganhou as eleições, ele disse que o caminha que ele tinha para encurtar o tempo entre as necessidades e as dificuldades passava pela adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Para aderirmos ao regime, nós temos, no mínimo, sete exigências de contrapartidas. Seis delas já estão cumpridas. A que falta é entregar ativos do Estado”, disse, acrescentando que outros ativos estaduais, como o Banrisul, não serão negociados.

A aprovação do primeiro requerimento deu o tom de que o governo, de fato, não teria dificuldade em aprovar os projetos, o que aconteceu por 40 votos a 14, nas apreciações referentes à CEEE e à CRM, e por 14 a 39, no caso da Sulgás.

Nas galerias, servidores das estatais o destino dos recursos da privatização | Foto: Vanessa Vargas

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