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4 de junho de 2019
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19:23

Após ministro atacar Fiocruz, ABIA condena empobrecimento da política nacional de drogas

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Sul 21
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Após ministro atacar Fiocruz, ABIA condena empobrecimento da política nacional de drogas
Após ministro atacar Fiocruz, ABIA condena empobrecimento da política nacional de drogas

Da Redação* 

Em resposta aos ataques do ministro da Cidadania, Osmar Terra, à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ao estudo sobre o uso de drogas no Brasil, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) divulgou uma nota condenando a atitude do ministro e o empobrecimento da política nacional de drogas no país. Para a ABIA, a atitude do Governo Federal em negar informações científicas e adotar políticas baseadas na opinião dos gestores públicos “parece mais uma postura autoritária que infelizmente repete a longa história de decisões erradas que caracterizam a resposta aos impactos causados pelo uso de drogas durante décadas neste país”.

Na última semana, o estudo intitulado ‘3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira’, realizado pela Friocruz  a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), órgão ligado ao Ministério da Justiça, foi engavetado pelo ministro da Cidadania. A pesquisa, que envolveu mais de 500 pesquisadores, fez 16 mil entrevistas e custou R$ 7 milhões, pagos pelo Governo Federal, concluiu que não existe atualmente uma epidemia de drogas entre os brasileiros. Após o engavetamento do estudo, Terra também atacou a Fiocruz, afirmando que ela possui “um viés ideológico de liberação das drogas“.

O ministro, que não concordou com o resultado do estudo, afirmou não confiar nas pesquisas da Fundação. “Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas , elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências”, disse ele em entrevista ao O Globo, na última terça-feira (28).

Para a ABIA, a afirmação do ministro de que existe uma epidemia de drogas baseando-se somente na sua percepção individual e negando o estudo  “empobrece ainda mais a atual política nacional de drogas e é um duro golpe nas políticas e ações de redução de danos”. A entidade também menciona que a posição do Governo Federal em desqualificar a pesquisa e questionar a metodologia científica “parecem atender aos interesses das comunidades terapêuticas lideradas pelos evangélicos que incentivam a internação involuntária e abstinência total de drogas”. “Para estes grupos, a abstinência e a oração são as únicas formas de abordagem terapêutica possível deste grave problema de saúde pública”, diz a nota.

A entidade também pontua que o uso de drogas injetáveis é uma dos principais meios de  transmissão do vírus HIV, e defende o papel da Fiocruz na produção de dados científicos sobre o uso de drogas e a situação da AIDS no país:  “Em questões de saúde, não há “balas mágicas” ou soluções fechadas. Os problemas relacionados ao uso de drogas e ao enfrentamento da epidemia da AIDS dependem de uma base sólida de dados científicos. A Fiocruz vem fornecendo isso há décadas para fundamentar o debate público democrático sobre as melhores políticas a serem adotadas a partir da realidade cientifica apresentada”, diz a ABIA.

Leia a nota na íntegra:

A ABIA manifesta total solidariedade à Fiocruz e aos pesquisadores envolvidos no 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira (Lnud), após a lamentável tentativa de desqualificação da pesquisa feita pelo Ministro da Cidadania, Osmar Terra, e que resultou em atos de censura do governo federal.

A Fiocruz é uma instituição centenária de 119 anos, dona de uma sólida credibilidade e reputação dentro da sociedade brasileira e na comunidade científica no Brasil e no mundo. O 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira oferece evidências científicas fundamentais para o desenvolvimento de ações em diálogo com os diferentes modos de uso de drogas e estilos e alinhadas a uma política de redução de danos.

A afirmação de que haveria uma epidemia de drogas a partir de uma percepção individual – no caso do próprio ministro, sem embasamento de outros estudos – além de inapropriada e preconceituosa, empobrece ainda mais a atual política nacional de drogas e é um duro golpe nas políticas e ações de redução de danos. Em outros tempos – anos 1990 e 2000 – a política nacional de drogas apresentou avanços significativos, não só para reduzir o uso de drogas, como para quebrar estigmas e a exclusão social de pessoas usuárias e prevenir uma série de doenças relacionadas ao uso de drogas.

O uso de drogas injetáveis foi e ainda é uma das principais vias de transmissão do HIV. Portanto, reduzir o número de casos de AIDS relacionados ao compartilhamento (ou não) de seringas deve contar com um tratamento científico que privilegie a autonomia e respeite os limites dos usuários dentro do marco legal dos direitos humanos. O mesmo é válido para a prevenção das hepatites virais.

O questionamento mal fundamentado da metodologia científica e as tentativas do governo de desqualificar o estudo parecem atender aos interesses das comunidades terapêuticas lideradas pelos evangélicos que incentivam a internação involuntária e abstinência total de drogas. Para estes grupos, a abstinência e a oração são as únicas formas de abordagem terapêutica possível deste grave problema de saúde pública.

Em questões de saúde, não há “balas mágicas” ou soluções fechadas. Os problemas relacionados ao uso de drogas e ao enfrentamento da epidemia da AIDS dependem de uma base solida de dados científicos. A Fiocruz vem fornecendo isso há décadas para fundamentar o debate público democrático sobre as melhores políticas a serem adotadas a partir da realidade cientifica apresentada.

A adoção de políticas com base somente nas opiniões – a priori – dos gestores públicos, sem diálogo e marcado pela negação de informações científicas parece mais uma postura autoritária que infelizmente repete a longa história de decisões erradas que caracterizam a resposta aos impactos causados pelo uso de drogas durante décadas neste país.

A sociedade brasileira e a saúde pública merecem encaminhamentos melhores para enfrentar de verdade os grandes desafios que, de fato, nos afligem.


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