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16 de maio de 2019
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20:32

A Constituição ainda está valendo? Debate reunirá deputados constituintes de 1988

Por
Sul 21
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Divulgação

Marco Weissheimer

O Pacto Constituinte de 1988 continua válido? Essa pergunta será o tema central do debate promovido pelo Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (Adufrgs Sindical), dia 20 de maio, às 19 horas, na sede da entidade (rua Barão do Amazonas, 1581 – Jardim Botânico – Porto Alegre). Os debatedores convidados são Ibsen Pinheiro, Olívio Dutra e Hermes Zaneti, que foram deputados constituintes em 1988. O objetivo do evento, gratuito e aberto ao público, é debater em que medida o que foi pactuado naquele ano continuando valendo, diante da atual ofensiva contra direitos humanos, sociais e trabalhistas, e também contra a educação pública, as universidades, institutos federais e a Previdência Social. O debate terá a mediação do jornalista Juremir Machado da Silva.

“Essa iniciativa se insere em um contexto mais amplo que não se limita aos cortes na educação e à proposta de reforma da Previdência. Há um pacote de retrocessos sendo imposto ao país”, diz Paulo Machado Mors, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente da Adufrgs. Uma das etapas decisivas desse processo, destaca Mors, foi a aprovação da Emenda Constitucional 95 que criou o ambiente favorável ao que viria pela frente.

“Com o teto de gastos ficaram garantidas as condições para entregar o país ao capital especulativo internacional. Estamos na contramão do que se espera para construir uma nação. De lá para cá, estamos às voltas com vários temas pontualmente. Na quarta-feira, por exemplo, fizemos uma grande manifestação, de onde saí muito feliz, contra os cortes na educação. Mas estamos lidando com uma ruptura mais profunda, a ruptura do pacto social firmado em 1998”, defende o professor da UFRGS.

Paulo Mors (Foto: Manoela Frade/Divulgação)

A chamada Constituição Cidadã, acrescenta, tem nos regido até aqui, com algumas mudanças em determinados pontos, mas mantendo-se como regramento geral do nosso convívio democrático e republicano. “Agora, acredito que estamos vivendo uma ruptura desse pacto pela primeira vez desde 1988. A ideia do evento é debater essa questão com a participação de três deputados constituintes, de três partidos diferentes (PT, MDB e PSDB) que participaram da construção do pacto de 88. Devemos nos preparar melhor para combater a onda obscurantista que está nos atacando. Creio que esse debate sobre o pacto constituinte de 1988 e a sua atualidade hoje pode ajudar muito neste sentido”, assinala Mors.

Um dos organizadores do painel, o sociólogo e ex-presidente da Adufrgs Renato Oliveira defende que o papel de um sindicato de docentes é, entre outras coisas, o de mobilizar as instituições às quais está ligado para que elas sejam também uma instância de reflexão crítica sobre a sociedade, de modo a pensar além das questões óbvias e das preocupações mais imediatas em termos de compreensão da realidade.

“Uma crise conjuntural como a que vivemos agora reflete problemas estruturais da sociedade. Não podemos ficar apenas discutindo a crise do governo Bolsonaro ou questões pontuais, por mais pertinentes que sejam, sem buscar as raízes estruturais dessa crise. A tese que queremos propor neste debate é que essa crise estrutural reside no fato de que em 1988 foi composto um pacto de convivência de forças sociais, políticas e econômicas divergentes, que não foi integralmente respeitado e, atualmente, está claramente em processo de ruptura”, sustenta o sociólogo.

Em 1988, diz ainda Renato Oliveira, produziu-se o compromisso de resolver os problemas estruturais da sociedade brasileira, como a exclusão social e a desigualdade, no quadro de uma democracia representativa.  Esse compromisso, observa, envolveu uma troca de concessões:

Renato Oliveira (Foto: Manoela Frade/Divulgação)

“Em todo o debate e mobilização social pré-Constituinte, os movimentos sociais, para falar genericamente, não tinham na democracia representativa um valor político. Vivíamos um caldeirão social na época, mas não havia uma cultura política consolidada nos movimentos sociais que fosse favorável à democracia representativa. Pelo lado dos conservadores, os problemas sociais eram encarados seguindo a lógica de Washington Luis, ou seja, como casos de polícia. Para falar cruamente, os movimentos sociais empurraram goela abaixo dos conservadores os direitos sociais como condição para firmar um pacto. E os conservadores enfiaram goela abaixo dos movimentos sociais a democracia representativa. Houve esse pacto que significou um inegável avanço político, pois deu forma à finalização da crise que vinha se arrastando desde o final do governo Geisel. A Constituinte fechou o ciclo político da ditadura e abriu um novo ciclo”.

Na opinião do sociólogo, é importante resgatar essa história para refletir sobre o que está acontecendo no presente. “Cerca de metade do atual eleitorado brasileiro não existia na época da Constituinte, pelo menos como eleitorado. Em um país desmemoriado como o nosso, perde-se essa referência, como se a Constituinte fosse um passado longínquo, quando ela é presente. O que ela desenhou está aí. É mais ou menos como aquela máxima da psicanálise: até podemos esquecer o nosso passado, mas ele nunca nos esquece. Precisamos ter presente esse fato para discutir a crise que estamos vivendo hoje”.

“O que nos interessa, neste contexto”, conclui o sociólogo, “é desvendar o jogo político das diversas forças e interesses que atuam na sociedade brasileira e identificar como eles se comportam em relação ao pacto de 88”. Ele aponta aquela que considera a questão-chave a ser debatida:

“Se não há mais compromisso com esse pacto, abrimos um período de ruptura institucional com as consequências que advém daí. Se não há um quadro normativo que seja aceito por todos, isso significa que os conflitos serão resolvidos com base em soluções de força. E há indícios na sociedade de que essa talvez seja a expectativa de alguns grupos sociais que já vêm estigmatizando a comunidade LGBT, o MST, os movimentos que lutam por moradia, negros, indígenas, entre outros. Precisamos esclarecer isso como pré-condição para organizarmos as forças ainda comprometidas com a democracia”.


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