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27 de abril de 2019
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11:59

Ao contrário do que diz o governo, capitalização não é ‘poupança garantida’; entenda

Por
Sul 21
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Paulo Guedes (esq.), ministro da Economia, ao lado de Rodrigo Maia (dir.), presidente da Câmara. Foto: Agência Brasil

Cristiane Sampaio
Do Brasil de Fato

Considerada a cereja do bolo da reforma da Previdência para o mercado financeiro, a capitalização do sistema de aposentadoria deverá ser o ponto central dos debates em torno da pauta nesta segunda fase de tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019 – nome técnico da reforma – na Câmara dos Deputados.

Segundo aliados do Palácio do Planalto, a capitalização é o aspecto prioritário da PEC, e o governo tentará vender aos trabalhadores a ideia de que a capitalização é uma “poupança garantida”. Foi o que disse, por exemplo, a deputada Bia Kicis (PSL-DF), do mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro, na última quinta-feira (25).

O discurso é entoado também por outros personagens do governo, como é o caso do ministro da Economia, Paulo Guedes, formulador e condutor da PEC dentro da cúpula ligada a Bolsonaro e ao mercado financeiro. Segundo o ministro, a capitalização ajudaria a “salvar as futuras gerações”.

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato rebatem o argumento e refutam a ideia de segurança na concessão do benefício. O economista e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB) Bruno Moretti ressalta que o modelo não garante a aposentadoria porque se baseia em uma conta particular na qual o trabalhador passará a investir sozinho, sem aportes de outros atores, como ocorre no sistema previdenciário brasileiro hoje.

Pelo sistema atual, o financiamento da Previdência depende não só do trabalhador, mas do empregador e do Estado, que também direcionam recursos ao INSS. Por conta disso, diz-se que a seguridade social está fundada em um tripé. Assim, quando atende às normas de aposentadoria previstas pelo sistema, ainda que tenha renda baixa ao longo da sua vida produtiva, o trabalhador tem garantido um benefício de um salário mínimo pelo INSS. Moretti explica que, no modelo de capitalização, não há esse referencial.

“Você contribui para uma conta individual e vai receber adiante na sua aposentadoria de acordo com aquilo que você pode contribuir. Então, na medida em que você não teve renda disponível pra poupar para o seu fundo de capitalização, você não terá um valor de aposentadoria mínimo que se possa assegurar. Por definição, ela não é uma poupança garantida”, afirma.

O economista Flavio Tonelli, que atua como assessor técnico na Câmara dos Deputados, acrescenta que, pelo fato de o atual modelo estar baseado na ideia de solidariedade entre as gerações, ele se relaciona com a engrenagem da economia nacional, o que também seria fundamental para ajudar a dar segurança ao trabalhador no futuro.

“Isso significa que os trabalhadores que estão hoje trabalhando, produzindo riqueza pagam os aposentados que produziram riqueza no passado. Isso permite varias vantagens. Então, eu consigo levar de uma geração pra outra os ganhos de produtividade da economia. (3:04) E como eu faço isso? Pelo regime de repartição. A solidariedade entre gerações permite que você compartilhe, no futuro, esses ganhos com quem já trabalhou. A capitalização não permite isso”, compara.

Estudo de caso

Uma pesquisa realizada este ano pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) ajuda a ilustrar quais seriam os resultados da capitalização proposta pelo governo. Os especialistas tomaram como base o caso de um trabalhador que ganha, por exemplo, três salários mínimos e que contribua sozinho com 11% desse valor.

De acordo com os cálculos da entidade, se ele iniciar o processo aos 25 anos de idade, após 35 anos de contribuição, ele acumularia um total de R$ 258,5 mil de aportes. O valor seria suficiente para subsidiar somente sete anos de aposentadoria, considerando os três salários mínimos que o trabalhador pagava quando estava na ativa. Os cálculos mostram que os recursos acabariam quando ele atingisse a idade de 67 anos.

Para viver até os 84 anos, por exemplo, que é a expectativa de sobrevida considerada para quem consegue atingir os 60, ele teria, segundo a Unafisco, uma aposentadoria mensal de R$ 1,1 mil, que corresponde em média a um terço da renda que ele tinha na ativa.

“Capitalização não dá futuro, por isso que as aposentadorias no Chile são [cerca de] um sexto, um quinto do que a pessoa ganhava”, assinala Flavio Tonelli, citando as dificuldades que o país vizinho passou a viver com o segmento dos idosos após a adoção do sistema.

Pobres e idosos

Diante da lógica de desproteção social por parte do Estado no modelo de capitalização, os especialistas apontam que grupos como pobres e idosos tenderão a ser mais penalizados pelas consequências de uma eventual aplicação desse sistema no Brasil.

No caso dos trabalhadores de baixa renda, a explicação reside na incapacidade de gerar uma poupança que possa trazer segurança no futuro, o que também não é garantido pela capitalização.

Em relação aos idosos, o segmento tem alta taxa de cobertura previdenciária no Brasil, atingindo cerca de 80% dessa população, segundo dados oficiais do INSS e do IBGE. Por conta disso, diferentemente do que se projeta para a capitalização, a maior parte da categoria tem a garantia de alguma proteção social na terceira idade.

“Quando você olha o perfil da pobreza no Brasil, ela é residual entre famílias que têm idosos na sua composição porque a renda previdenciária, como tem uma alta cobertura, já garante, com um piso de um salário mínimo, que essas famílias não se vejam na situação de pobreza, então, é um sistema altamente efetivo pra reduzir a pobreza no Brasil”, acrescenta Bruno Moretti, concluindo que a adoção da capitalização traria riscos e seria um “retrocesso” para o país.


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