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26 de março de 2019
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18:43

‘Ou ele está falando a verdade ou está dando uma informação negociada’, diz Tarso sobre Battisti

Por
Luís Gomes
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Ex-ministro Tarso Genro conversou com o Sul21 sobre o caso Cesare Battisti | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A imprensa italiana divulgou nesta quarta-feira (25) a informação de que Cesare Battisti reconheceu participação em quatro assassinatos durante interrogatório conduzido pelo procurador Alberto Nobili. Essa é a primeira vez que ele admitiu envolvimentos em homicídios cometido por integrantes do grupo Proletários Armados pelo Comunismo, do qual fazia parte, entre 1978 e 1979.

Battisti foi originalmente condenado à prisão perpétua pelo envolvimento em quatro assassinatos em julgamento à revelia (sem estar presente) realizado em 1993. No início dos anos 1980, ele havia fugido na França, onde recebeu asilo político da chamada Doutrina Mitterrand, defendida pelo presidente francês François Mitterrand, em 1985, para que ex-guerrilheiros pudessem viver no país sem serem extraditados em troca da renúncia à luta armada. Essa doutrina foi revogada em 2004, fazendo com que Battisti fugisse para o México e depois para o Brasil, onde ingressou com documentos falsos.

Ele chegou a ser preso, em 2007, mas recebeu o status de refugiado político em decisão do então ministro da Justiça, Tarso Genro. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ilegal o status de refugiado do italiano e autorizou a sua extradição, mas, em 2010, Lula a exerceu sua prerrogativa de presidente e não autorizou a transferência de Battisti para a Itália. Ao final de 2018, o STF voltou a determinar a prisão do italiano e Michel Temer autorizou sua extradição. Ele fugiu para a Bolívia, onde foi preso em janeiro de 2019 e entregue a autoridades italianas.

Em conversa com o Sul21 nesta terça-feira, Tarso avalia que a confissão atual torna legítima a extradição do italiano, mas diz que não altera o seu pensamento sobre a decisão tomada em 2009. “Nunca se saberá o que realmente é verdade. Porque ou ele está falando a verdade e realmente cometeu esses assassinatos e consequentemente fez uma confissão tardia, arrependido do que aconteceu, ou ele está dando uma informação negociada para o procurador. Ou seja, está dizendo que cometeu os assassinatos para obter a redução da sua pena ou para melhoria do seu regime carcerário. Existe essas duas hipóteses. Mas seja qual for a hipótese que se escolha, com a confissão que ele fez, seja verdadeira ou não, ele está legitimando integralmente a extradição. As consequências disso no plano jurídico são as mesmas, ele falando a verdade ou não. No momento em que ele admite perante uma autoridade estatutária sem qualquer tipo de violência física, diante de testemunhas, que cometeu os assassinatos, ele está legitimando a extradição. Agora, se ele cometeu os assassinatos ou não, ninguém jamais saberá”, avalia Tarso.

O ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul diz que a decisão tomada em 2009 não foi baseada na palavra de Battisti, mas na avaliação de que as provas enviadas pelo governo italiano não eram suficientes para autorizar a extradição. “O direito de não se acusar está presente em qualquer legislação penal de qualquer país democrático. Nós concedemos o refúgio porque, efetivamente, nas documentações que o governo italiano mandou para a extradição não tinha nenhuma prova sólida que mostrasse que ele tinha cometido assassinatos”, diz.

Tarso destaca ainda que a decisão de aceitar o pedido de asilo de Battisti seguiu uma tradição do Brasil de ser “muito generoso” no acolhimento de pedidos de refúgio político, citando como exemplo o fato de o Brasil, ter abrigado o ditador paraguaio Alfredo Stroessner, desde que ele foi deposto em 1989 até sua morte, em 2006. “Stroessner foi um ditador sanguinário, mas como chefe de Estado se decidiu que ele era um perseguido político. O Brasil recebeu também um líder das Brigadas Vermelhas [outro movimento da luta armada italiana] e o Supremo Federal manteve a condição dele de refugiado político. Então, essas decisões foram tomadas tanto para pessoas de extrema-direita como de extrema-esquerda. No caso concreto do Battisti, não pesou na nossa decisão, nem minha nem na decisão do presidente Lula, o fato de que ele tinha negado, todos negam”, diz.

Ele pondera ainda considera que é natural que as circunstâncias que levam ao deferimento ou ao indeferimento de um pedido de asilo político mudem com o passar do tempo. “Mudam com os governos, mudam com a época e mudam inclusive com os interesses políticos que se cruzam no país de origem que pede a extradição. Veja, por exemplo, que o primeiro refúgio que ele teve foi nada mais, nada manos concedido pelo presidente Mitterrand. Já quem está extraditando é um governo italiano notadamente simpatizante do fascismo, simpatizante do Mussolini. Então, essas circunstâncias influem num contexto como esse para que a extradição seja aproveitada politicamente”, diz.

Questionado se a confissão de Battisti causa constrangimento ao Partido dos Trabalhadores, Tarso diz que o partido não teve nenhuma relação com o italiano e não teve nada a ver com a decisão, que fora uma decisão de um estado soberano. “As pessoas que deram apoio para ele são pessoas de todos os lados. Ele foi acolhido aqui primeiro pelo Fernando Gabeira, que defendia a permanência dele. Depois pelo Eduardo Suplicy, que naquela sua política de direitos humanos entendeu que era adequado conceder o refúgio. O advogado dele advogou para todos os lados, Luiz Eduardo Greenhalgh, foi advogado até de empresários que estavam envolvidos em questões de direito penal bastante sérias. Então, o PT não tem nada a ver com isso”, afirma.

Tarso ainda critica o fato do caso estar sendo utilizado politicamente pelo governo Bolsonaro. “É um governo sectário, de extrema-direita, que não está tendo uma agenda de cumprimento de qualquer programa para retirar o País da crise, então ele tem que se prender a determinados fatos, inclusive fatos que o presidente da República nem deveria se manifestar, para procurar sair da enrascada de incompetência e de falta de seriedade que o governo está metido”, diz.


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