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26 de março de 2019
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21:04

Eleonora Menicucci: ‘Os estupros e os feminicídios aumentam e os espaços de assistência diminuem’

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Sul 21
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Eleonora reconheceu a tradição machista ao iniciar sua fala. Por conta disso, decidiu dedicar a medalha às trabalhadoras rurais do Rio Grande do Sul “pela luta incansável”.  Foto: Divulgação/Maria do Rosário

Giovana Fleck 

No início da tarde da terça-feira (26), a entrada do Salão Júlio de Castilhos foi preenchida por mulheres que cercaram a porta de entrada. Tentando atravessar, estava a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Ela tentava chegar ao outro lado do salão, onde estava a ex-ministra Eleonora Menicucci. Em pouco tempo, um cordão de mulheres camponesas se formou em volta das duas. Vestindo verde, as trabalhadoras rurais celebravam o encontro, enquanto outras pessoas aplaudiam em volta.

O clima caloroso se manteve ao longo de toda a cerimônia que concedeu a Medalha do Mérito Farroupilha à ex-ministra do governo Dilma.  De autoria do deputado Edegar Pretto (PT), a mais alta honraria do parlamento gaúcho  homenageou iniciativas implementadas durante a gestão de Eleonora à frente da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Deputados convidados, como Sofia Cavedon, Jefferson Fernandes, ficaram ao lado direito do púlpito junto com figuras históricas do Partido dos Trabalhadores, como Olívio Dutra.

Eleonora recebeu a homenagem de Edegar Pretto e da presidente da Casa, Zilá Breitenbach (PSDB). Com a medalha no pescoço, Eleonora, que é amiga desde os anos de movimento estudantil da ex-presidenta, recebeu um abraço de Dilma – que quebrou o protocolo e saiu do lugar designado à autoridades.

Pretto foi o primeiro a discursar, relembrando da trajetória da ex-ministra como militante da esquerda durante a Ditadura Militar, chegando a ser presa e torturada pelo regime. “Eleonora é uma das mulheres que carrega as marcas do regime no corpo”, ressaltou. “Por isso, decidiu dedicar sua trajetória à luta pela melhoria da vida das mulheres brasileiras”, acrescentou.

Com a medalha no pescoço, Eleonora, que é amiga desde os anos de movimento estudantil da ex-presidenta, recebeu um abraço de Dilma – que quebrou o protocolo e saiu do lugar designado à autoridades.  Foto: Leandro Molina/Divulgação

Desde 2015, Pretto representa o movimento He For She, da Organização das Nações Unidas, dentro da Assembleia Legislativa, além de compor a Frente Parlamentar dos Homens pelo Fim da Violência contra a Mulher. “A cada dia que passa, fica mais claro que o que ocorreu em 2016 foi um golpe. Mas não foi só um golpe. Foi uma injustiça contra as brasileiras que viram uma mulher ser reeleita. Os golpistas também são machistas”, declarou.

Ao finalizar, Pretto destacou a importância da articulação entre estados e municípios para a aplicação de políticas públicas para as mulheres. “Tenho certeza que essa medalha está em boas mãos”, encerrou.

Antes de prosseguir com a cerimônia, o deputado Zé Nunes (PT), que tocava gaita no início da cerimônia, foi convidado a declamar uma poesia de sua autoria. “Se o gaúcho é machista, a música, na maioria das vezes, é um desastre”, afirmou. Ele lembrou dos versos de uma música popular entre os tradicionalistas: “Ajoelha e chora/Quanto mais eu passo o laço, muito mais ela me adora”.

“Sua bombacha é bem passada/Seu par de botas é um brilho/Mantém boas relações/Mas na calada da noite, espanca mulher e filho/Não diga que o olho roxo foi choque contra a janela/O covarde faz morada na mansão, casa ou favela”, declamou.

Eleonora reconheceu a tradição machista ao iniciar sua fala. Por conta disso, decidiu dedicar a medalha às trabalhadoras rurais do Rio Grande do Sul “pela luta incansável”. Segundo ela, falar do direito das mulheres é falar de democracia plena. “Três pilares sustentam nossa sociedade capitalista machista: gênero, raça e classe”, disse. “Em nossos governos, começamos a radicalizar nesses três aspectos. As mulheres negras e pobres passaram a ter acesso e a fazer parte do orçamento.”

Segundo ela, o Brasil seguiu, por muito tempo, uma lógica de inviabilização das mulheres. Para Eleonora, o ponto de inversão ocorreu quando o Executivo percebeu que isso precisava mudar. “Foi uma honra ter servido no governo de Dilma. Foi a oportunidade de colocar meus sonhos como mulher feminista e democrata em andamento.”

Eleonora foi responsável por ampliar o orçamento para políticas públicas para as mulheres, implantando políticas importantes, como a Casa da Mulher Brasileira, que compara com o SUS pela universalização do acesso e integralidade no atendimento. Além disso, lutou pela aplicação efetiva da Lei 11.340/06, conhecida popularmente como Maria da Penha, aprovou o projeto que transformou feminicídio em crime hediondo e implementou a delimitação de direitos trabalhistas para funcionários domésticos, conhecida como PEC das Domésticas.

“Mas, se formos considerar o que está para ser perdido, a lista é grande”, afirma, se referindo ao novo governo. “Em 2019, apenas entre janeiro e março, foram 482 feminicídios. É muito. A mensagem que passa é de que é permitido matar. Isso porque não há prevenção; as Casas da Mulher Brasileira estão jogadas. Os estupros e os feminicídios aumentam e as delegacias e espaços de assistência diminuem.”

Ela encerrou pedindo para que os direitos humanos não se percam e não se corrompam dentro do discurso político. “Precisamos de memória. Precisamos falar sobre 1964, sobre o extremo. Isso não pode se repetir. Falar disso significa falar de direitos humanos, direitos humanos em sua amplitude.”


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