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22 de fevereiro de 2019
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10:18

Entidades relançam frente para defender patrimônio público e barrar privatizações no RS

Por
Luís Gomes
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Representantes de entidades se reuniram no Dante Barone para relançar Frente em Defesa do Patrimônio Público | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Durante o governo de José Ivo Sartori (MDB), diversas entidades ligadas aos trabalhadores de empresas estatais do Rio Grande do Sul e aliadas se reuniram para forma a Frente em Defesa do Patrimônio Público. Apesar da sua insistência, Sartori não conseguiu nem retirar a obrigatoriedade do plebiscito para venda da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás, nem realizar a consulta popular sobre a privatização das empresas. No entanto, no último dia 5 de fevereiro, o novo governador, Eduardo Leite (PSDB), voltou a encaminhar um projeto para a Assembleia Legislativa para eliminar a necessidade de plebiscito para a venda das estatais. Diante de um cenário repetido, as entidades voltaram a se aglutinar e, no início da noite desta quinta-feira (21), realizaram uma ato de relançamento da Frente no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa.

O ato foi iniciado com uma palestra de Glaucia Campregher, professora de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que defendeu que a discussão a respeito da manutenção ou privatização das empresas estatais não deveria ser feita do ponto de vista de uma discussão ideológica entre esquerda e direita. “É uma questão de estratégia de desenvolvimento”, diz.

A professora destaca que, historicamente, as estatais foram criadas com o objetivo de cumprirem papeis estratégicos. Ela cita como o exemplo o Reino Unido, berço do liberalismo econômico, que criou uma estatal petrolífera às vésperas da Primeira Guerra Mundial em um esforço para impulsionar seu desenvolvimento econômico. “Hoje em dia está ocorrendo um movimento de retorno às estatais em vários países. O exemplo da China, que com estatal faz tudo, está na cara de todo mundo”, afirma.

Para Glaucia, a discussão no Brasil é fragilizada justamente pelo fato de que falta de projeto de desenvolvimento que passe pela utilização dessas empresas. “Na época do Fernando Henrique, teve a coisa de ‘vamos fazer caixa’, que é absurda. Falta a ideia de o que fazer, com quem fazer, porque você precisa de uma empresa estatal líder em alguns segmentos, que seja uma grande lá fora”, diz. “Por exemplo, uma companhia de energia que já tem uma fonte mais adaptada às condições naturais de energia, não significa que ela não deva apostar em outras fontes, financiar a pesquisa de outros recursos. Imagina você financiar a pesquisa, financiar pequenas empresas para poder você a distribuição, que é algo que exige uma maleabilidade maior e de repente a grande não consegue. Tudo isso depende de finura de projeto”.

A professora Glaucia Camprengher fez a defesa da importância das estatais para o desenvolvimento econômico do Estado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Ela destaca ainda que as estatais deveriam cumprir um papel importante na estratégia de desenvolvimento especialmente porque, no Brasil, é o estado quem puxa o investimento privado. “Qual é o problema de você não ter estado como empresa? Em alguns lugares tu pode dizer: olha, o estado desenvolveu tamanha capacidade de planejamento, de arranjo societário, de presença indireta nas empresas, que pode orientar o investimento privado sem ter ele próprio uma empresa. Nós somos o oposto, todos os países subdesenvolvidos são atrasados nesse sentido institucional. No nosso caso é explicíto que a melhor maneira de você induzir e dar políticas orientadoras para o setor é você mesmo ter uma empresa”.

Batalha dura na Assembleia

Diferentemente do governo Sartori, que não tinha a garantia de 33 votos — o necessário para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), como é o caso das propostas de retirada de plebiscitos –, o governo Leite começa com a expectativa de uma maioria consolidada, com apenas três partidos não compondo a base do governo na Assembleia Legislativa — PT, PDT e PSOL –, o que representa que ele pode chegar a ter até mais de 40 dos 55 votos a favor de seus projetos.

Contudo, Márcio Braga, diretor do Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul), que representa os trabalhadores da CEEE, avalia que não existe “jogo jogado”. “A gente sabe que a dificuldade é grande e que a tendência é que o governo leve, mas não é por isso que a gente vai deixar de lutar com o afinco até o fim, porque a gente tem convicção de que o melhor para o RS é manter essas empresas ou, no mínimo, que o povo seja consultado”, diz.

Para ele, o papel da Frente é dialogar com a população para além da defesa dos empregos nas empresas e mostrar que a conta das privatizações vai ser paga pelo contribuinte. “Se hoje falta recurso, lá na frente vai faltar mais ainda. Essas empresas são ativos que rendem lucro ao estado. O valor dessas empresas, que vai ser colocado em custeio, se esvai muito rápido, em meses. Após isso, o déficit vai ser maior ainda. Quem vai ser chamado para gerir esse déficit? Vai ser o cidadão gaúcho. Então é importante que ele seja consultado agora. Por que não vai ser consultado? Por medo de que ele não franqueie mais essa conta?”

O deputado estadual Pepe Vargas (PT), reconhece que o governo Leite hoje possui uma maioria mais consolidada do que o governo Sartori, mas ele destaca que é preciso mostrar para a população que, durante a campanha, o agora governador prometera realizar o plebiscito. Em entrevista ao programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, em 3 de setembro de 2019, Leite disse que convocaria o plebiscito como uma das suas primeiras ações.

“Agora, quando ele chega no governo, diz que tem uma maioria silenciosa e que o resultado da eleição já chancelou o direito dele retirar o plebiscito da Constituição. Bom, ele não está cumprindo aquilo que disse na campanha eleitoral. Nós temos que dizer isso. Ele deve explicações à população. Não dá para um governante se eleger com determinado discurso e depois dizer o contrário. Queremos que a população tenha o direito de decidir”, afirma Vargas.

Ato de relançamento da Frente foi acompanhado por representantes de diversas entidades e deputados estaduais | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para o deputado, um plebiscito daria justamente a chance de ser feita a discussão a respeito do papel das empresas estatais no Rio Grande do Sul. “Essas visões liberais de vender patrimônio público, empresas que são rentáveis ou que prestam serviços públicos essenciais, como é o caso das empresas de saneamento, de energia, com o objetivo de transferir esse patrimônio e a receita disso para grandes grupos econômicos, sempre vem com o discurso da eficiência do setor privado e uma pretensa ineficiência do setor público. Nós temos que mostrar à população que isso não é verdadeiro. Um exemplo é a telefonia, que foi privatizada e é uma porcaria. Paga-se caro e os serviços são muito ruins. O Brasil tem uma das tarifas mais caras de telefonia, em vários lugares a banda larga não chega, o sinal do celular não chega e eles dizem que isso é eficiência”, diz.

Dary Beck Filho, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS) corrobora que o papel da Frente é mostrar a importância das empresas para o desenvolvimento social do Estado e do País. “O que está sendo proposto a nível federal e estadual é simplesmente a entrega do patrimônio sem nenhum projeto mais aprofundado de desenvolvimento que vá realmente gerar riqueza. O caminho que nós estamos prevendo, a partir dessas propostas, é de um País cada vez mais miserável, mais empobrecido, com empregos de menor qualidade”.

O relançamento da Frente foi marcado pela apresentação de um manifesto em defesa do patrimônio público.


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